O Plenário do Senado Federal deve votar nos primeiros meses de 2020 o pacote de propostas apresentado pelo governo Jair Bolsonaro com o objetivo de cortar gastos públicos, garantir equilíbrio fiscal e retomar o crescimento econômico do país. O chamado Plano Mais Brasil é constituído de três propostas de emenda à Constituição (PECs), que ainda têm de ser votadas na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). As propostas foram apresentadas pelo líder do governo no Senado, senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), com apoio de dezenas de outros senadores, após o Poder Executivo entregar os textos do plano ao Senado, em novembro.
A presidente da CCJ, senadora Simone Tebet (MDB-MS), disse à Agência Senado que a PEC dos Fundos deve ser a primeira a sair da CCJ, podendo ir a Plenário até o final de fevereiro de 2020. Em março, segundo Simone, será a vez de a PEC Emergencial ir ao Plenário do Senado, ficando a PEC do Pacto Federativo para logo depois.
— As três PECs estão bem encaminhadas. Em fevereiro daremos seguimento à PEC dos Fundos e à PEC Emergencial com quatro audiências públicas, duas para cada PEC. A PEC dos Fundos tende a sair antes, sem acelerar demais a discussão para que ambas as partes, aqueles que concordam e discordam, possam ser ouvidos — disse Simone.
O líder do governo no Senado trabalha com as mesmas datas. Fernando Bezerra afirmou que 14 estados estão sem condições de contratar financiamentos porque não têm boa nota de crédito.
— Trabalho na convicção de que todas as três PECs serão aprovadas porque são instrumentos importantes para se buscar o equilíbrio das contas públicas. Todas as três serão aprovadas até 30 de junho. A primeira a ser aprovada deve ser a PEC dos Fundos, até o fim de fevereiro. Na sequência, a PEC Emergencial, até o fim de março. E por último, a PEC do Pacto Federativo, que é o texto mais amplo e tem forte interesse de estados e municípios, pois cria outra cultura de gestão de responsabilidade fiscal. Acredito que essa terceira proposta seja deliberada até meados de abril — afirmou o senador à imprensa.
Emergência fiscal
A PEC 186/2019, chamada de PEC Emergencial, tem por objetivo principal a contenção do crescimento das despesas obrigatórias para todos os níveis de governo, de forma a viabilizar o gradual ajuste fiscal. A PEC mexe na chamada regra de ouro da Constituição de 1988. Esse dispositivo proíbe o governo de contratar dívida para bancar despesas correntes, como salários e benefícios sociais. Segundo o governo, atualmente há uma excessiva compressão das despesas discricionárias — fruto, principalmente, das indexações das despesas obrigatórias.
A PEC Emergencial poderá elevar a previsão de investimento público de R$ 19 bilhões para R$ 26 bilhões já em 2020. Ainda de acordo com a equipe econômica do governo, o potencial da PEC é destravar até R$ 50 bilhões em dez anos.
Pelo texto da PEC, sempre que a despesa corrente superar 95% da receita corrente, sinalizando que o espaço de receitas mais regulares para financiamento da máquina está reduzido, uma série de medidas ficará disponível para o gestor. Esse “gatilho” valerá para estados, Distrito Federal e municípios. Para a União, as medidas de ajuste virão diante da quebra da regra de ouro. Os ajustes poderão durar até dois anos depois do exercício em que forem implementados.
Entre as medidas de ajuste, está a inclusão das despesas com pensionistas no limite de despesas com pessoal. Também será suspensa a criação de despesas obrigatórias e de benefícios tributários. Algumas dessas medidas temporárias atingem os servidores: suspensão de progressão na carreira, proibição de concursos, vedação a pagamento de certas vantagens e redução da jornada com redução de salário (em até 25%). Conforme estabelecido pelo texto da PEC, o valor de 25% dessa economia será direcionado a projetos de infraestrutura. Em contrapartida, em caso de superavit, os servidores poderão receber bônus.
O relator da PEC 186, senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR), apresentou um substitutivo favorável à aprovação, mas com modificações. Alguns artigos foram juntados, outros desdobrados e outros renumerados, para dar mais clareza ao texto.
O texto original previa, para a União, o acionamento automático de mecanismos de estabilização e ajuste fiscal. A expressão “automaticamente” foi suprimida no relatório de Oriovisto, que manteve o elenco de vedações. Já para estados, Distrito Federal e municípios, o substitutivo manteve a previsão de entrada das medidas de ajuste quando a despesa líquida superar 95% da receita corrente líquida. O relator, porém, criou mais uma faixa: entre 85% e 95%. O relatório ainda faculta aos demais Poderes e órgãos autônomos implementar as medidas de ajuste em seus respectivos âmbitos.
O relatório de Oriovisto manteve a previsão de corte de até 25% da jornada e do salário de servidores públicos. Mas o relator limitou a medida àqueles que recebem acima de três salários mínimos. O texto também veda a realização de concursos públicos e a progressão na carreira no período de ajuste. A CCJ ainda vai realizar duas audiências públicas sobre a proposta.
Oriovisto disse à Agência Senado que a PEC Emergencial dota os prefeitos, os governadores e o presidente da República de instrumentos para tirar o país da crise.
— Ela busca criar uma cultura de responsabilidade fiscal. Os nossos problemas, o nosso desemprego, a nossa falta de credibilidade no mundo se devem à má administração pública, à má administração dos recursos públicos. Os nossos administradores e os nossos políticos se acostumaram a gastar mais do que arrecadam, isso é um absurdo, o Brasil já deve R$ 5 trilhões de dívida interna. A PEC Emergencial cria os mecanismos para que essa cultura mude, para que as cabeças dos políticos mudem, para que eles se sintam responsáveis pela administração do dinheiro público e possam solucionar os deficits colossais que fazem em suas administrações, seja por empreguismo, seja por irresponsabilidade de começar e não terminar obras, seja por, simplesmente, falta de atenção com o dinheiro público, ou, até mesmo, por desonestidade. Ela vai responsabilizar muito mais os nossos administradores, e isso vai ser muito bom para o país — afirmou Oriovisto.
O relator manteve a proibição de progressão na carreira no período de ajustes. Porém, ele retirou as referências a carreiras como as de policiais e membros do Ministério Público. Pelo substitutivo, durante o período de ajustes, ficam vedadas as promoções e progressões, exceto para carreiras como a da magistratura.
Oriovisto deixou claro, porém, que a redução remuneratória e de jornada poderá atingir membros de Poder, como é o caso de juízes e promotores de Justiça, e demais agentes não submetidos a jornada de trabalho definida. O texto, porém, resguarda servidores que recebem vencimentos abaixo de três salários mínimos.
O substitutivo ainda limita em 30 dias as férias anuais de novos servidores, incluindo todos os Poderes e o Ministério Público. Hoje algumas carreiras, como as de juízes e promotores, têm 60 dias de férias por ano. Esse limite, no entanto, não vai atingir quem já tiver entrado nessas carreiras.
Fundos públicos
A PEC 187/2019, apelidada de PEC da Revisão dos Fundos, tem por objetivo usar cerca de R$ 220 bilhões, que hoje são destinados a áreas específicas, para ajudar a pagar a dívida pública.
O dinheiro que a PEC pretende liberar está em 248 fundos públicos infraconstitucionais, ou seja, criados por leis e não previstos pela Constituição. Os fundos concentram recursos em atividades ou projetos de áreas específicas, o que significa “amarrar” receitas a determinadas finalidades. Com isso, segundo o governo, o dinheiro fica “engessado” e muitas vezes acaba parado nos fundos, enquanto outras áreas sofrem com a falta de recursos.
A PEC propõe a extinção de todos os fundos infraconstitucionais existentes no âmbito da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios. O prazo para a recriação dessas estruturas será o fim do segundo ano seguinte à promulgação da emenda. Para isso, será necessária a aprovação lei complementar específica pelo Congresso, uma para cada fundo.
O patrimônio acumulado em cada fundo será transferido para o ente federado ao qual estiver vinculado. A regra se aplica a todos os fundos não previstos nas Constituições e Leis Orgânicas de todos os entes federativos.
A CCJ também vai realizar mais duas audiências públicas sobre essa proposta.
Os debates foram sugeridos pela bancada do PT por meio de requerimento do líder, senador Humberto Costa (PE). A preocupação desses senadores é que a PEC leve à extinção de reservas como o Fundo Nacional de Cultura e o Fundo Setorial do Audiovisual, que não são constitucionais. Eles sugerem ouvir representantes do setor cultural e econômico sobre as consequências da PEC.
O relator é o senador Otto Alencar (PSD-BA). Ele explicou à Agência Senado que, entre os mais de 200 fundos do país, há vários parados, sem aplicação de seus recursos. Otto citou como exemplo o Fundo da Marinha Mercante, que tem R$ 8,9 bilhões em caixa.
Uma das alterações propostas por Otto em seu relatório busca resguardar fundos que foram criados por lei, mas que têm obrigações constitucionais, ou seja: foram criados para operacionalizar vinculações de receitas estabelecidas pelas Constituições ou pelas Leis Orgânicas dos Entes Federativos, caso do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), destinado ao custeio do seguro-desemprego e do abono salarial.
Também estão na mesma situação os fundos de financiamento do Norte (FNO), do Nordeste (FNE) e do Centro-Oeste (FCO), criados por lei para regulamentar a Constituição e contribuir para o desenvolvimento econômico e social.
Fundos de garantia e de aval também foram excluídos da PEC pelo relatório de Otto. Esses fundos oferecem cobertura para a assinatura de contratos, financiamentos ou empréstimos pela União e pelos estados.
De acordo com o texto apresentado pelo governo, parte dessas receitas públicas desvinculadas poderá ser usada em projetos e programas voltados à erradicação da pobreza e a investimentos em infraestrutura. Essas finalidades não são obrigatórias.
Otto Alencar inclui em seu relatório algumas áreas que deverão receber prioritariamente dinheiro das receitas desvinculadas, como a revitalização da Bacia do Rio São Francisco e a implantação e conclusão de rodovias e ferrovias, além da interiorização de gás natural produzido no Brasil. Otto também acrescentou ao texto a obrigatoriedade de que o governo federal encaminhe anualmente ao Congresso um demonstrativo das receitas desvinculadas.
— O Ministério de Infraestrutura precisa de recursos para estradas, para portos, para ferrovias, e não tem esses recursos porque eles estão vinculados a uma atividade e não estão sendo usados há muito tempo. O que nós estamos fazendo? Estamos desvinculando esses recursos para que eles possam ser utilizados para amortização da dívida interna, combate à pobreza e depois para investimentos em rodovias, ferrovias, interiorização do gás e revitalização da Bacia do Rio São Francisco. Temos que revitalizar o Rio São Francisco para garantir água para os estados da Paraíba, Ceará, Pernambuco, Alagoas e Rio Grande do Norte. Se não fizermos a revitalização, vai faltar água na barragem de Sobradinho e não haverá água para esses estados — afirmou Otto à Agência Senado.
Pacto Federativo
Já a PEC 188/2019, ou PEC do Pacto Federativo, pretende dar fôlego para os gestores nos três níveis da Federação. Com essa proposta, o governo tem alvos definidos: indicadores importantes para a economia brasileira, como os sociais (saúde e educação), fiscais e de concorrência em mercados regulados.
Ela prevê a unificação dos gastos mínimos em educação e saúde e dá mais autonomia para estados e municípios através da distribuição de recursos e suas alocações, ampliando também a responsabilidade dos gestores no cuidado com as contas públicas.
A PEC 188 prevê o fim da garantia federal às operações de crédito dos demais entes, a partir de 2026, inclusive das entidades da administração direta. A exceção vai para empréstimos com organismos internacionais multilaterais, como o Banco Mundial ou o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
Há outras salvaguardas para o dinheiro não escoar dos caixas de estados e municípios livremente. Entre as regras, a mais importante é a que veda o uso do dinheiro para pagar despesa de pessoal. Outra exigência é a revogação do pagamento anual de R$ 1,95 bilhão a título de seguro-receita da desoneração de exportações (Lei Kandir — Lei Complementar 87, de 1996).
Aliás, a União só aceita distribuir o bolo se acabarem as disputas judiciais sobre o tema. Outro condicionante para as transferências é que o dinheiro seja usado para o pagamento de precatórios (dívidas judiciais do poder público) — ponto importante, mas polêmico entre os senadores.
Para o relator da PEC do Pacto Federativo na CCJ, senador Marcio Bittar (MDB-AC), o objetivo do governo é ajudar os demais entes da Federação. Ele deve apresentar seu relatório em breve.
— O governo socorrerá estados e municípios com R$ 400 bilhões nos próximos 15 anos, valor equivalente ao que se gastou para reconstruir a Europa após a 2ª Guerra Mundial — disse Bittar à Agência Senado.
Críticas ao pacote
Para o senador Paulo Paim (PT-RS), presidente da Comissão de Direitos Humanos (CDH), as três PECs reduzem ou acabam com direitos sociais e trabalhistas.
— A PEC 186, a PEC Emergencial, suspende grande parte das garantias dos servidores públicos, assim como permite a redução de seus salários. A PEC 187, chamada PEC dos Fundos, acaba com a obrigatoriedade da manutenção dos fundos constitucionais, como o de educação, saúde e todos os outros. E a PEC 188, a PEC do Pacto Federativo, desvincula os gastos sociais obrigatórios. Como vão se criar condições de desenvolvimento se tiramos o mínimo de garantias sociais da população mais necessitada? — disse Paim na CDH no mês passado.
O senador Dário Berger (MDB-SC) afirmou em Plenário, no começo de dezembro, que a PEC do Pacto Federativo altera de forma significativa e preocupante a relação entre os entes federados. Para o parlamentar, embora algumas das mudanças propostas atendam demandas históricas do movimento municipalista, em geral as alterações não resolvem os principais problemas dos municípios brasileiros.
Dário Berger criticou em especial a extinção dos municípios com até 5 mil habitantes que não tenham uma arrecadação de impostos municipais superior a 10% de sua receita. De acordo com a PEC, os municípios têm até o dia 30 de junho de 2023 para se adequar a essas exigências. Aqueles que não cumprirem com os requisitos serão compulsoriamente incorporados aos municípios limítrofes que cumpram as determinações.
Vice-presidente da Frente Parlamentar em Defesa dos Municípios, o senador Wellington Fagundes (PL-MT) apresentou emenda que retira do texto da PEC do Pacto Federativo o trecho que prevê a extinção de municípios com menos de 5 mil habitantes que não comprovarem sua sustentabilidade financeira.
Segundo Wellington, a possibilidade de extinção de municípios é, inclusive, contrária ao objetivo do governo de “dar mais atenção ao Brasil e menos a Brasília”. O senador lembrou que a criação de municípios é importante para levar serviços essenciais às pessoas que vivem em regiões isoladas.
Em novembro, no Plenário, o senador Jayme Campos (DEM-MT) também criticou a extinção de municípios.
— Uma proposta dessa envergadura, que modifica tão radicalmente o desenho federativo brasileiro, não pode ser tratada de forma simplista. Trata-se de matéria que exige debates, mas debates profundos, estudos técnicos precisos e diálogo franco entre o governo federal e os governos municipais. Acho que é um desrespeito àquele cidadão que já participou de um plebiscito quando da possibilidade de se fazer a emancipação de alguns distritos — disse à época.
O senador Veneziano Vital do Rêgo (PSB-PB) afirmou em Plenário no começo de novembro que o pacote de propostas elaboradas pelo governo para reformar o Estado brasileiro precisa ser analisado com cautela.
Direção correta
Ainda em novembro, o senador Luis Carlos Heinze (PP-RS) afirmou que o pacote de Bolsonaro vai ajudar no avanço do país. As três PECs, na visão do parlamentar, ajudam a melhorar o nível de confiança dos investidores brasileiros e estrangeiros. Essa segurança, disse Heinze, abre a possibilidade de um maior aporte de recursos no país e, consequentemente, atinge os índices de desempregados e subempregados.
— Não se gera emprego da noite para o dia. Se quisermos diminuir o número de 20 milhões de brasileiros desempregados ou subempregados, a gente tem que facilitar a vida daqueles que querem investir, daqueles que querem aplicar recursos e fazer investimentos — disse.
Para a Instituição Fiscal Independente (IFI), o Pacote Mais Brasil está apontando um bom caminho para o país reequilibrar suas contas. Na visão da IFI, as medidas apresentadas caminham na direção correta, dada a gravidade do quadro fiscal do país, embora possam ser aprimoradas na tramitação legislativa.
Na opinião da IFI, as propostas têm o mérito de criar instrumentos para conter a expansão das despesas obrigatórias no âmbito federal, estadual e municipal. As PECs também introduzem providências que, em conjunto, ajudariam “a formar um arcabouço mais favorável à adoção de políticas fiscais sustentáveis”. A expansão da despesa obrigatória, aponta a IFI, é a principal responsável pelo desequilíbrio das contas públicas nos três níveis de governo, gerando uma situação fiscal insustentável de déficits primários, endividamento e redução dos investimentos públicos.
Agência Senado
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