Novembro 24, 2024

Papa critica 'internacionalização da Amazônia', mas defende presença de ONGs na região

A solução para "o desastre ecológico enfrentado pela Amazônia" não está na "internacionalização" da região. Mas a presença de ONGs que atuam de forma crítica e fazem pressão "sem se vender a espúrios interesses locais ou internacionais" é legítima.

As afirmações foram feitas pelo papa Francisco no documento final do Sínodo da Amazônia, divulgado nesta quarta-feira (12), cinco meses depois da troca de acusações e farpas entre os presidentes Jair Bolsonaro e Emmanuel Macron, da França, sobre as responsabilidades pela gestão da região amazônica.

No texto, o papa cita "indígenas, ribeirinhos e afrodescendentes" ao defender políticas orientadas aos povos mais pobres da região e diz que interesses colonizadores, no passado e no presente, empurram essas populações para as periferias das cidades.

Ali, diz o papa, eles "não encontram uma real libertação dos seus dramas, mas as piores formas de escravidão, submissão e miséria".

Na cúpula do G7, em agosto do ano passado, o líder francês sugeriu a criação de um status internacional para a região, caso medidas efetivas não fossem tomadas pelos governos dos nove países amazônicos — Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Perú, Suriname, Venezuela e Guiana Francesa (território francês).

A declaração provocou respostas duras de Bolsonaro, que afirmou que Macron sugeria uma "afronta à soberania" brasileira. "É uma falácia dizer que a Amazônia é patrimônio da humanidade", disse o presidente brasileiro em discurso na Assembleia-Geral das Nações Unidas, em outubro.

Apesar de, por um lado, endossar a posição de Bolsonaro em relação ao status da região, o papa também se opõe ao presidente brasileiro quando defende a presença de "organismos internacionais e organizações da sociedade civil".

Em transmissão ao vivo por redes sociais, em novembro, Bolsonaro pediu o fim do financiamento das ONGs. "Não doem dinheiro para ONG. Acabem com essa história de dar dinheiro para ONG porque elas não estão lá para preservar o meio ambiente, mas para ganhar dinheiro em causa própria", acusou o presidente.

Meses antes, o brasileiro chegou a afirmar que ONGs seriam as responsáveis pelos incêndios registrados na região — as acusações nunca foram confirmadas e geraram uma onda de críticas internacionais ao presidente.

Sínodo da Amazônia
Quase 60 bispos brasileiros — junto a pares de todos os países amazônicos — participaram do Sínodo da Amazônia, realizado no Vaticano entre 6 e 27 de outubro de 2019.

Mais restritos do que os concílios, que agregam bispos do mundo todo, os sínodos são reuniões entre o papa e seus bispos de determinada região ou tema para definir estratégias da igreja nessas áreas.

A cúpula era vista com extrema preocupação pelo governo Bolsonaro, que vinha enfrentando críticas no Brasil e no exterior por suas posturas em relação à Amazônia e à questão ambiental.

"Além dos interesses econômicos de empresários e políticos locais, existem também os enormes interesses econômicos internacionais", diz o texto final do Sínodo.

"Por isso, a solução não está numa 'internacionalização' da Amazônia, mas a responsabilidade dos governos nacionais torna-se mais grave."

"Pela mesma razão, é louvável a tarefa de organismos internacionais e organizações da sociedade civil que sensibilizam as populações e colaboram de forma crítica, inclusive utilizando legítimos sistemas de pressão, para que cada governo cumpra o dever próprio e não-delegável de preservar o meio ambiente e os recursos naturais do seu país, sem se vender a espúrios interesses locais ou internacionais."

No texto, o papa também afirma que slogans como "não entregar" a Amazônia são erradamente associados a "países estrangeiros, quando os próprios poderes locais, com a desculpa do progresso, fizeram parte de alianças com o objetivo de devastar, de maneira impune e indiscriminada, a floresta com as formas de vida que abriga".

O lema "integrar para não entregar" foi um dos principais motes usados na ditadura brasileira em políticas destinadas à região.

'Injustiça e crime'
Uma semana depois da assinatura pelo presidente Bolsonaro de um projeto de lei para regulamentar mineração, geração de eletricidade e produção de petróleo e gás em terras indígenas, o papa chamou de "injustiça e crime" as "operações econômicas, nacionais ou internacionais, que danificam a Amazônia e e não respeitam o direito dos povos nativos ao território e sua demarcação".

Ao citar "pressões" contra o projeto de lei, Bolsonaro disse que, se pudesse, confinaria defensores do meio ambiente na Amazônia para que eles "deixem de atrapalhar".

"Quando algumas empresas sedentas de lucro fácil se apropriam dos terrenos, chegando a privatizar a própria água potável, ou quando as autoridades deixam mão livre a madeireiros, a projetos minerários ou petrolíferos e outras atividades que devastam as florestas e contaminam o ambiente, transformam-se indevidamente as relações econômicas e tornam-se um instrumento que mata", diz um dos trechos mais fortes do texto do papa.

A maior autoridade da Igreja Católica diz que "não podemos permitir que a globalização se transforme num novo tipo de colonialismo" e que "a economia globalizada danifica despudoradamente a riqueza humana, social e cultural".

"É usual lançar mão de recursos desprovidos de qualquer ética, como penalizar os protestos e mesmo tirar a vida aos indígenas que se oponham aos projetos, provocar intencionalmente incêndios florestais, ou subornar políticos e os próprios nativos. A acompanhar tudo isto, temos graves violações dos direitos humanos e novas escravidões que atingem especialmente as mulheres, a praga do narcotráfico que procura submeter os indígenas, ou o tráfico de pessoas que se aproveita daqueles que foram expulsos de seu contexto cultural."

Em outro trecho, sem dar detalhes, o papa diz que "podem-se encontrar alternativas de pecuária e agricultura sustentáveis, de energias que não poluem, de fontes dignas de trabalho que não impliquem a destruição do meio ambiente e das culturas".

Em uma espécie de sugestão de projeto de lei, o papa diz que "todos deveríamos insistir na urgência de criar um sistema normativo que inclua limites invioláveis e assegure a proteção dos ecossistemas, antes que as novas formas de poder derivadas do paradigma tecno-econômico acabem por arrasá-los não só com a política, mas também com a liberdade".

Homens casados e mulheres
O papa frustrou aqueles que esperavam que ele anunciasse a aprovação de uma proposta de liberação para que homens mais velhos e casados que vivem na região amazônica pudessem se tornar padres, como forma de expandir a presença da igreja na região.

A recomendação havia sido feita pela maioria dos bispos latino-americanos presentes no encontro. Pela proposta, esses homens precisariam ser "particularmente respeitados" e viriam preferencialmente das comunidades indígenas onde pretendem trabalhar. O pedido precisava da aprovação do papa para ser implementado.

Com a decisão, o papa cede à pressão de alas mais conservadoras da igreja — particularmente na Europa e na América do Norte —, que se manifestou contra a ideia, argumentando que isso poderia levar à abolição global do celibato.

Estima-se que pelo menos 85% das localidades amazônicas não possam celebrar a missa toda semana como resultado da escassez de padres. Segundo a igreja, alguns veem um padre apenas uma vez por ano.

O papa Francisco dissera anteriormente que consideraria a possibilidade de viri probati (homens de fé comprovada) poderem assumir cargos de sacerdotes.

"Temos que pensar se o viri probati é uma possibilidade", disse ele ao jornal alemão Die Zeit.

Também nesta quarta-feira, o papa anunciou que não permitirá que mulheres sirvam como diaconisas, uma posição hierárquica inferior à do sacerdote.

BBC
Portal Santo André em Foco

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