Com uma das menores taxas de letalidade por Covid-19 na Europa, a Alemanha foi mencionada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como exemplo de país que conseguiu realizar muitos diagnósticos da doença. Os alemães têm feito cerca de 500 mil testes por semana, declarou nesta quinta-feira (26) o virologista Christian Drosten, diretor do Instituto de Virologia do Hospital Charité, o maior do país, afiliado à Universidade Humboldt e à Universidade Livre de Berlim.
"O motivo pelo qual nós temos tão poucas mortes em relação ao número de infectados é porque fazemos muitos diagnósticos por semana", afirmou Drosten.
Até a manhã desta quinta, a Alemanha tinha 39.355 casos de Covid-19, segundo monitoramento da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos. Com 222 mortes, a taxa de letalidade (que representa o número de mortos em relação ao de infectados) pela doença no país está em 0,56%. É a menor entre os países da Europa com mais de 10 mil casos detectados - situação da Itália, Espanha, França e Suíça.
“Acredito que a Alemanha reconheceu seu próprio surto desde o início. Estamos duas ou três semanas à frente de alguns de nossos vizinhos. Conseguimos fazer isso porque temos feito muitos diagnósticos, muitos testes”, apontou Drosten, em entrevista ao jornal alemão “Die Zeit”,na semana passada.
O teste aplicado no país, do tipo PCR, é considerado o “padrão ouro”: ele detecta o genoma do vírus na amostra e leva cerca de 4 horas para mostrar o resultado. O protocolo do diagnóstico foi desenvolvido por cientistas do Hospital Charité em janeiro e compartilhado com outras clínicas de forma que, antes do fim daquele mês, outras clínicas e universidades regionais já conseguiam aplicá-lo.
No Brasil, que também aplica os testes do tipo PCR, a capacidade de testagem é de 6,7 mil diagnósticos por dia, segundo o Ministério da Saúde -- o que totalizaria cerca de 33,5 mil por semana. Além dos laboratórios centrais em cada estado e no Distrito Federal e dos três laboratórios de referência do país - no Rio de Janeiro, São Paulo e Pará -- , alguns laboratórios privados também fazem testes do tipo PCR.
Os laboratórios privados são, na Alemanha, outro fator que contribui para a capacidade de testagem. Segundo o Instituto Robert Koch -- agência federal alemã responsável por controle e prevenção de doenças --, existe, lá, uma vasta rede de milhares de laboratórios privados, grandes e pequenos, muitos dos quais são capazes de conduzir seus próprios testes. O país também tenta expandir essa capacidade usando laboratórios veterinários para fazer as análises.
Essa capacidade não é vista em outros países europeus, como a Itália. Lá, segundo Drosten, por causa da falta de testes, os diagnósticos são feitos, principalmente, em pessoas que são internadas, já com quadros mais graves de Covid-19.
"As pessoas inicialmente ficam em casa, mesmo que tenham sintomas. Só vão ao hospital se sua condição piorar. Lá, elas chegam com falta de ar e são imediatamente internadas na unidade de terapia intensiva, onde são testadas pela primeira vez”, explicou Drosten.
Ele pontuou que, por isso, a idade média das pessoas diagnosticadas com Covid-19 era muito mais alta na Itália do que na Alemanha, por exemplo. "Suponho que muitos jovens italianos estejam ou foram infectados sem nunca serem detectados. Isso também explica a taxa de mortalidade supostamente mais alta do vírus lá", avaliou.
Da mesma forma, o grande número de testes também permitiu à Alemanha detectar a infecção mesmo em pacientes mais jovens e com menor risco. Em entrevista ao jornal "Financial Times", o professor Matthias Stoll, da faculdade de medicina da Universidade de Hanover, lembrou que os primeiros pacientes diagnosticados no país eram jovens, o que também contribuiu para que houvesse menos mortes.
"Principalmente no começo do surto na Alemanha, vimos muitos casos conectados a pessoas voltando de viagens de esqui, férias e similares", disse. "Essas são, predominantemente, pessoas com menos de 80 anos e que estão em forma o suficiente para esquiar ou se envolver em atividades semelhantes. O risco de morrer é comparativamente baixo", avaliou Stoll.
A quantidade de pessoas testadas também influencia a taxa de letalidade percebida em um lugar. Em entrevista à rede de televisão americana NBC, o epidemiologista Miguel Hernán, de Harvard, lembrou que a falta de testes fez com que esse número subisse em outros países, inclusive nos Estados Unidos.
"Os números que recebemos de outros países provavelmente superestimaram a taxa de letalidade pela doença - Itália, Espanha, Reino Unido e Estados Unidos - porque não há testes o suficiente", avaliou Hernán.
Nos EUA, onde até esta quinta-feira havia 69.197 casos registrados e 1.046 mortes, a taxa de letalidade era de 1,51%. Já no Reino Unido, com 9.642 casos e 467 mortes, essa taxa era de 4,84%.
Insuficiência
Mas especialistas alertam que a Alemanha também deve esgotar sua capacidade de testagem no futuro. O Instituto Robert Koch diz que, mesmo com a grande quantidade de diagnósticos, a capacidade de testagem alemã também está sendo pressionada, com longas esperas pelos resultados.
Segundo Drosten, haverá um ponto em que o país não será capaz de oferecer a quantidade de testes necessários. “Simplesmente não somos capazes de aumentar nossa capacidade de testagem tão rápido quanto o número de casos aumenta”, afirmou o virologista ao "Die Zeit".
“Então, duas coisas vão coincidir: primeiro, algumas das pessoas que estão doentes agora com Covid-19 vão morrer. E, depois, porque não vamos conseguir testar todo mundo, nossas estatísticas ficarão incompletas. Então, nossa taxa de letalidade vai subir também”, avaliou Drosten.
O virologista pontuou que isso pode dar a impressão de que o vírus se tornou mais perigoso, mas será, na verdade, uma distorção estatística. “Vai simplesmente refletir o que já está começando a acontecer: estamos deixando passar mais e mais infecções”.
Para ele, algumas medidas poderão ser adotadas quando esse cenário chegar, como a de presumir que, na casa de uma pessoa doente, todas as outras que moram ali também estão infectadas, e, assim, manter todas em isolamento. “Já estão fazendo isso na Holanda”, afirmou Drosten.
Haverá também, segundo ele, um ponto em que os testes disponíveis terão que ser reservados apenas aos casos graves -- orientação atual do Ministério da Saúde do Brasil.
“Se uma estudante saudável está em casa, no sofá, vendo Netflix, eu não preciso saber se ela está infectada - ela só tem que ficar lá e melhorar. Mas quando um paciente de 70 anos fica doente e está isolado em casa, eu gostaria de testá-lo para poder ligar a cada dois dias e perguntar como está a respiração dele. Dessa forma, ele pode ser levado a um hospital cedo o suficiente para não aparecer em uma clínica com um pulmão entupido e ter que ser imediatamente transferido para uma UTI”, avaliou.
O especialista alertou ainda que, apesar de a situação ser um pouco melhor na Alemanha do que na Itália em termos de treinamento médico e de quantidade de leitos de UTI, ainda não há tratamento intensivo suficiente no país para atender à demanda trazida pela pandemia. Segundo o Ministério da Saúde alemão, o país tem 28 mil leitos de UTI - cerca de 34 para cada 100 mil habitantes.
“Com base nos números atuais, precisaríamos - com estimativas conservadoras - dobrar nossa capacidade atual de terapia intensiva para chegar perto de [conseguir] ventilar [mecanicamente] todos que precisam”, afirmou Drosten.
No Brasil, o número de leitos de cuidados intensivos é maior -- 55 mil --, mas há menos leitos disponíveis para cada 100 mil habitantes: cerca de 26, segundo o Ministério da Saúde. Na Itália, a situação é pior: são 5 mil leitos, cerca de 8,3 para cada 100 mil habitantes.
Isolamento
Christian Drosten avalia que as medidas que foram adotadas na Alemanha, como fechamento de escolas e creches e a proibição de eventos públicos (o país proibiu encontros de mais de duas pessoas), podem ajudar a frear a disseminação do vírus.
“Espero que elas mudem de forma decisiva a dinâmica da transmissão da doença. É possível que possamos julgar isso até a Páscoa [daqui a pouco mais de duas semanas]. Talvez vejamos que menos pessoas foram infectadas do que esperávamos com o atual crescimento exponencial, disse. “Inicialmente, entretanto, isso terá menor impacto na taxa de letalidade, porque alguns dos que vão morrer antes da Páscoa já estão infectados agora ou serão nos próximos dias”.
Além disso, as medidas de isolamento não terão efeito imediato, segundo ele. “Vai levar alguns dias. Algumas coisas foram normalizadas - muitas pessoas já conseguiram soluções para o cuidado com as crianças - e mais e mais pessoas estão entendendo que não deveriam mais se encontrar em grupos”.
No Brasil, São Paulo e Rio de Janeiro decretaram quarentena para tentar frear a disseminação do novo coronavírus. Até esta quinta (26), o país tinha mais de 2,5 mil casos confirmados de Covid-19.
France Presse
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