Um parecer da consultoria jurídica do Ministério da Justiça afirma que a liminar concedida pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, não oferece a “segurança necessária” para que a pasta consiga cumprir imediatamente a decisão de transferir aos estados e ao Distrito Federal recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública que foram contingenciados em 2019.
O documento ressalta que os repasses, ainda que obrigatórios por lei, precisam obedecer a uma série de critérios, o que inviabilizaria a transferência imediata, como foi estipulado na liminar. O parecer sugere que a Advocacia-Geral da União (AGU) recorra à Corte para saber se os repasses devem realmente ser feitos com urgência, ainda que os critérios geralmente responsáveis por regular essas transferências tenham que ser ignorados. A AGU recorreu ao STF e usou argumentos apresentados neste parecer.
A decisão de Toffoli foi tomada no fim de dezembro em uma ação apresentada pelos estados brasileiros, com exceção da Paraíba, e o Distrito Federal.
O ministro determinou o repasse imediato de 50% dos recursos do fundo que foram arrecadados via loterias federais. A lei estabelece que esta parcela específica é de transferência obrigatória, sem a necessidade de formalização de instrumentos como contratos e convênios.
A legislação, no entanto, estipula que as unidades da Federação cumpram uma série de critérios antes de receber a verba. Há, por exemplo, a necessidade de apresentação de um plano de segurança, do envio recorrente à União de dados relativos a ocorrências criminais e da criação de um fundo local destinado a receber especificamente as verbas de segurança.
“No caso em tela, de fato, da maneira como colocada a decisão pelo Eminente Ministro, não se tem, ao menos neste momento, a necessária segurança de como devem ser realizadas as transferências de valores, se com observância ou não das condições preliminares trazidas pela normatização que rege o fundo temático”, diz o documento do Ministério da Justiça.
Reação
Em linhas gerais, a pasta pretende esclarecer se Toffoli determinou apenas o desbloqueio do valor, para que depois sejam seguidos os ritos normais nesta modalidade de transferência, ou se a determinação é de que as verbas sejam enviadas imediatamente para os governos estaduais, sem a necessidade de cumprir o trâmite estipulado na própria legislação.
O parecer cita uma outra decisão do STF, em que foi determinada a liberação de recursos do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen), para sustentar que a liberação da verba não deve ignorar os critérios estabelecidos previamente.
“Assim, nos parece salutar que o E. Supremo Tribunal Federal mantenha o entendimento já exarado na ADPF n. 347 de que as transferências obrigatórias determinadas por decisão judicial não dispensam que os futuros beneficiários atendam a todas as condicionantes normativas para o seu recebimento, sob grave risco de, ao final, se esvaziar a razão de se ter um fundo próprio para atendimento desta política pública e com metas temáticas específicas”, afirma o documento.
A elaboração do parecer é parte de um segundo momento da reação do Ministério da Justiça após a publicação da liminar, em 27 de dezembro. Primeiro, depois de ser notificada pela AGU da decisão, a pasta solicitou ao Ministério da Economia a liberação de um crédito adicional de R$ 1,057 bilhão com o objetivo de atender a decisão com a urgência pretendida. A ideia da liberação extra não prosperou no governo e, posteriormente, em uma análise mais detalhada, o Ministério da Justiça forneceu elementos para que a AGU pudesse acionar o STF em busca de esclarecimentos.
Em um outro documento, este do setor que coordena as transferências, técnicos do Ministério da Justiça avaliam que o descumprimento de condicionantes pode ser prejudicial para a eficiência das políticas públicas e dificultar a supervisão sobre a verba. Mesmo saindo do cofre da União para os estados, os recursos continuam sujeitos à fiscalização de órgãos responsáveis por supervisionar recursos federais.
“As chances de aplicação ineficiente e análise sem o rigor exigível e avaliação sem dados estabelecidos previamente são enormes, o que acarreta grandes chances de recursos públicos serem aplicados em desobediência às normas legais e orientações dos órgãos de controle”, diz o ofício.
A avaliação técnica conclui que não é possível fazer a transferência imediata sem que haja descumprimento à legislação:
“Diante de todo o exposto acima, esta Coordenação tem a compreensão de que não é possível atender à decisão sem descumprir os atos normativos legais e infralegais que tratam da aplicação dos recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública, bem como das melhores práticas de gestão e governança e das orientações dos órgãos de controle. Logo, é necessário que o Excelso Supremo Tribunal Federal aclare sua decisão, nos moldes do acima exposto, ou que outra medida seja tomada para reverter a decisão que determinou o imediato repasse dos recursos”.
O Globo
Portal Santo André em Foco
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