O juiz federal Marcus Vinícius Reis Bastos absolveu o ex-presidente Michel Temer da acusação de obstrução de Justiça no caso relacionado à delação premiada do empresário Joesley Batista. Na sentença, o magistrado refutou a tese do Ministério Público Federal (MPF) de que Temer teria incentivado Joesley a manter os pagamentos de propina ao doleiro Lúcio Funaro para evitar que ele firmasse um acordo de colaboração premiada.
O caso veio à tona depois da série de reportagens do colunista Lauro Jardim, do GLOBO, que revelou com exclusividade o conteúdo da delação premiada de Joesley e da ação controlada da Polícia Federal.
A sentença afirma que o áudio da conversa entre Temer e Joesley é uma prova “frágil” – foi nesta conversa que o então presidente disse a frase “Tem que manter isso, viu?”. A acusação do MPF faz referência a "pagamentos indevidos" a Funaro e ao ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha. Na sentença, o magistrado citou apenas o doleiro.
“O diálogo quase monossilábico entre ambos evidencia, quando muito, bravata do então presidente da República, Michel Temer, muito distante da conduta dolosa de impedir ou embaraçar concretamente investigação de infração penal que envolva organização criminosa”, escreveu o juiz.
O magistrado ressaltou que o laudo que transcreveu o diálogo registrou 76 pontos em que a conversa era “ininteligível” e outros 76 trechos em que havia “descontinuidade”. De acordo com a decisão, a denúncia juntou partes diversas da conversa “dando interpretação própria à fala dos interlocutores”.
“O diálogo tido pela acusação como consubstanciador do crime de obstrução de Justiça, como s evem demonstrar, não configura, nem mesmo em tese, ilícito penal. Seu conteúdo, ao contrário do que aponta a denúncia, não permite concluir que o réu estava estimulando Joesley Batista a realizar pagamentos periódicos a Lúcio Funaro, de forma a obstar a formalização de acordo de colaboração premiada e/ou o fornecimento de qualquer outro elemento de convicção que permitisse esclarecer supostos crimes atribuídos ao grupo denominado “PMDB da Câmara”. Afirmações monossilábicas, desconexas, captadas em conversa com inúmeras interrupções, repita-se, não se prestam a secundar as ilações contidas na denúncia. Nesse sentido, tenho por caracterizada a hipótese de absolvição sumária a que alude o art. 397, III, da Lei Processual Penal”, disse o magistrado.
PF atestou gravações
Em junho de 2017, a Polícia Federal concluiu que não houve edição nas gravações feitas pelo dono da JBS Joesley Batista. A perícia apontou cerca de 200 interrupções no áudio em que Joesley aparece falando com o presidente Michel Temer, mas ressaltou que as “descontinuidades” seriam consequência das características técnicas do gravador usado para registrar a conversa.
As gravações, porém, não foram as únicas evidências apresentadas contra Temer. A PF gravou o ex-deputado e ex-assessor direto do ex-presidente Rodrigo Rocha Loures, apontado por Temer como homem de confiança, recebendo uma mala que continha R$ 500 mil, recebida do ex-executivo da J&F, controladora da JBS, Ricardo Saud. Rocha Loures foi flagrado correndo com o acessório na saída de uma pizzaria de São Paulo após receber os valores.
Os investigadores sustentam que o dinheiro se tratava de propina destinada a Temer e a Rocha Loures por interferirem, em benefício da J&F, no andamento de um processo administrativo em trâmite no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), envolvendo a disputa entre a Petrobras e o preço do gás fornecido pela estatal à termelétrica EPE, em Cuiabá, comprada pelo grupo.
Há ainda outras gravações. Uma delas registra uma conversa entre Saud e Loures em 24 de abril de 2017, em que ambos combinam o montante de propina que o político receberia por sua atuação no Cade, que poderia chegar a R$ 1 milhão por semana por 25 anos. Além disso, há anotações feitas na reunião referente aos valores negociados. Em outro diálogo, entre Joesley e Loures, o ex-deputado telefona para o presidente interino do Cade, Gilvandro Araújo, e encerra a ligação dizendo ao empresário que o chefe do conselho teria “entendido o recado”. Joesley sugere a ele, então, o pagamento de 5% do lucro da usina como propina, e Loures responde “tudo bem”.
Denúncia barrada na Câmara
Temer foi denunciado ainda no exercício da Presidência pelo então procurador-geral, Rodrigo Janot. O andamento da acusação foi barrado em votação na Câmara dos Deputados, mas, após Temer deixar o cargo, o caso seguiu para a Justiça Federal do Distrito Federal. Na denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR), ratificada pela Procuradoria da República no Distrito Federal, Janor escreveu que “ao denunciado Michel Temer imputa-se também o crime de embaraço às investigações relativas ao crime de organização criminosa, em concurso com Joesley Batista e Ricardo Saud, por ter o atual presidente da República instigado os empresários a pagarem vantagens indevidas a Lúcio Funaro [apontado como operador financeiro de políticos do PMDB] e Eduardo Cunha, com a finalidade de impedir estes últimos de firmarem acordo de colaboração”.
A denúncia original da PGR incluía os crimes de organização criminosa e obstrução. Na Justiça do DF, a denúncia foi dividida — a acusação a respeito da organização criminosa também tem a conversa entre Temer e Joesley como uma das provas.
O advogado de Michel Temer, Eduardo Carnelós, afirmou que a “decisão traz o reconhecimento de que o grande escândalo com o qual se tentou derrubar um presidente da República baseou-se na distorção de conversa gravada, pois o conteúdo verdadeiro dela nunca indicou a prática de nenhuma ilegalidade por parte dele”. Em nota, o defensor acrescentou que “foi a partir dessa distorção que outras foram praticadas, para formular descabidas acusações contra um homem honrado”.
O Globo
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