O Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria de votos nesta sexta-feira (11) para ampliar a regra do foro privilegiado para julgar políticos na Corte, mas o julgamento voltou a ser suspenso por um pedido de vista do ministro André Mendonça para ter mais prazo para analisar o caso. O pedido de vista é de 90 dias.
Com isso, devem ser investigados no Supremo crimes praticados no exercício ou que tenham relação com o cargo, mesmo após a saída da função. Isso valeria para casos de renúncia, não reeleição, cassação, entre outros.
A proposta de alteração na regra está em discussão no plenário virtual do Supremo, quando os votos são inseridos no sistema eletrônico. Os ministros podem apresentar seus votos até o dia 19 de abril.
A mudança no entendimento foi proposta pelo ministro Gilmar Mendes, que é o relator de dois casos que investigam políticos.
No primeiro, os ministros julgam um pedido do senador Zequinha Marinho (Podemos-PA), que pede para levar ao STF uma denúncia contra ele, que foi apresentada à Justiça Federal (veja detalhes abaixo).
O outro é um inquérito que ex-senadora Rose de Freitas (MDB-ES) tenta encerrar, no qual é investigada por corrupção passiva, fraude em licitação, lavagem de dinheiro e organização criminosa.
Além de Gilmar votaram para alterar a atual regra os ministros Cristiano Zanin, Flávio Dino, Dias Toffoli, Alexandre de Moraes e o presidente da STF, Luís Roberto Barroso.
Ao votar na retomada do julgamento, Barroso disse que o envio das investigações de uma instância para outra da Justiça pela movimentação política do investigado produzia efeitos indesejados como morosidade e disfuncionalidade do sistema de justiça criminal.
“Esse “sobe-e-desce” processual produzia evidente prejuízo para o encerramento das investigações, afetando a eficácia e a credibilidade do sistema penal. Alimentava, ademais, a tentação permanente de manipulação da jurisdição pelos réus”, escreveu o ministro.
A nova tese proposta por Mendes nos dois casos é a seguinte: a prerrogativa de foro para julgamento de crimes praticados no cargo e em razão das funções subsiste mesmo após o afastamento do cargo, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados depois de cessado seu exercício.
Atualmente, o Supremo tem cerca de 50 inquéritos. Nos bastidores, ministros avaliam que a modificação da regra atual tem potencial para gerar uma série de questionamentos sobre em qual foro deve ser julgados os casos.
Ministros afirmam que a nova regra vai evitar o chamado elevador processual e garantir que as investigações ganhem um desfecho mais rapidamente.
Decisão de 2018
Em 2018, o plenário do Supremo restringiu o foro privilegiado. Ficou definido que só devem ser investigados na Corte crimes praticados durante o mandato e relacionados ao exercício do cargo.
Com isso, passou a valer o entendimento de que devem ser enviados para a primeira instância da Justiça todos os processos criminais que se refiram a crimes cometidos antes do cargo ou os cometidos no cargo, mas que não tenham relação com a função.
Quando o parlamentar deixa a função, os ministros repassam os casos para outra instância. Só ficam no Supremo as ações em estágio avançado, aquelas em que o réu já foi intimado para apresentar a sua defesa final.
Antes, inquérito ou ação penal que envolvia parlamentar eram repassados ao STF, mesmo que tratassem de fatos anteriores ao mandato.
Votos
Decano do STF, Gilmar disse que a restrição do foro privilegiado foi adotada a partir de argumentos equivocados e que é preciso retomar o sistema.
Para o ministro, "o entendimento atual reduz indevidamente o alcance da prerrogativa de foro, distorcendo seus fundamentos e frustrando o atendimento dos fins perseguidos pelo legislador. Mas não é só. Ele também é contraproducente, por causar flutuações de competência no decorrer das causas criminais e por trazer instabilidade para o sistema de Justiça".
Em seu voto, Mendes disse que o foro privilegiado é uma prerrogativa do cargo, e não um privilégio pessoal, portanto, deve permanecer mesmo com o fim da função.
"Afinal, a saída do cargo não ofusca as razões que fomentaram a outorga de competência originária aos Tribunais. O que ocorre é justamente o contrário. É nesse instante que adversários do ex-titular da posição política possuem mais condições de exercer influências em seu desfavor, e a prerrogativa de foro se torna mais necessária para evitar perseguições e maledicências", disse.
Segundo o ministro, "essa justificativa é ainda mais adequada no contexto atual. Numa sociedade altamente polarizada, marcada pela radicalização dos grupos políticos e pelo revanchismo de parte a parte, a prerrogativa de foro se torna ainda mais fundamental para a estabilidade das instituições democráticas".
O decano afirmou que a proposta de nova regra inibe deslocamentos das investigações que produzem atrasos, ineficiência e, no limite, prescrição do crime, ou seja quando o prazo para aplicar uma eventual punição já acabou.
O ministro Cristiano Zanin destacou em seu voto que a competência de julgamento é fixada quando o crime é cometido, mesmo que a pessoa já não esteja mais no cargo no momento da análise do caso.
“A perpetuação da jurisdição para o julgamento de crimes praticados no exercício do cargo e vinculados às funções desempenhadas estabiliza o foro próprio e previne manipulações e manobras passíveis de acontecer por ato voluntário do agente público. Uma regra objetiva e consentânea com a dimensão dada ao instituto pelo texto constitucional também terá o condão de evitar essas nulidades”, disse.
Segundo o ministro, “é necessário reforçar que as prerrogativas instituídas em benefício das instituições públicas se consolidaram por imposição constitucional, e não por capricho de um ou outro aplicador da lei que, por deliberação autônoma e volitiva, optou por assimilar jurisdições especiais. A admissão do instituto, já pontuei no voto, foi da Constituição Federal”.
O ministro Flávio Dino afirmou que o atual sistema do foro privilegiado "permite que, em um número significativo de processos, ocorra um efeito deletério da contínua migração de inquéritos e processos que transitam, durante anos, por vários tribunais, como consectário da temporariedade do cargo exercido pelo réu".
Para Dino, "essa itinerância dos autos, além de violar o princípio da duração razoável do processo (processo sem dilações indevidas), não é racional. Inclusive por gerar infindáveis controvérsias jurisprudenciais, à falta de marcos objetivos e compreensíveis".
O ministro Alexandre de Moraes disse que após quase sete anos, a alteração das regras da prerrogativa de foro não demonstrou o resultado prático pretendido, não se verificando uma maior celeridade nos processos e julgamentos dos feitos declinados pelo Supremo às outras instâncias.
"O retorno mitigado à aplicação da regra da contemporaneidade “fato/mandato”, somente em relação às infrações penais praticadas no exercício da função, atende ao princípio da razoabilidade, uma vez que observadas, integralmente, a proporcionalidade, justiça e adequação na interpretação da Constituição Federal", escreveu.
g1
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