A Polícia Federal tomou o depoimento do presidente Jair Bolsonaro no inquérito que apura uma suposta tentativa de interferir politicamente na corporação para blindar familiares e aliados de investigações. O presidente disse que não interferiu na PF e que trocou o então diretor-geral, Maurício Valeixo, no ano passado, por "falta de interlocução".
A demissão de Valeixo detonou a crise que levou à demissão do ex-ministro da Justiça Sergio Moro, em maio do ano passado. Valeixo é homem de confiança de Moro e foi levado à direção da PF pelo ex-ministro. Quando Bolsonaro pediu a substituição, Moro, responsável pela PF, tentou evitar a troca, mas acabou pedindo demissão.
No dia em que anunciou a saída do governo, Moro relatou, em entrevista coletiva, que Bolsonaro tentava interferir politicamente na PF. Essa declaração levou à abertura do inquérito.
Bolsonaro foi ouvido na noite desta quarta-feira (3). No mês passado, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou deu prazo de 30 dias para a PF tomar presencialmente o depoimento do presidente.
Agora, a PF divulgou o registro da oitiva de Bolsonaro. O documento é uma transcrição da fala do presidente às autoridades investigativas.
"Que confirma que em meados de 2019 solicitou ao ex- ministro Sergio Moro a troca do Diretor Geral da Polícia Federal (DPF) Valeixo, em razão da falta de interlocução que havia entre o presidente da República e o diretor da Polícia Federal. Que não havia qualquer insatisfação ou falta de confiança com o trabalho realizado pelo DPF Valeixo, apenas uma falta de interlocução", registou a PF no depoimento de Bolsonaro.
"Que nunca teve como intenção, com a alteração da Direção Geral, obter informações privilegiadas de investigações sigilosas ou de interferir no trabalho de Polícia Judiciária ou obtenção diretamente de relatórios produzidos pela Polícia Federal", continua o registro do depoimento de Bolsonaro.
De acordo com uma fonte ouvida pela TV Globo, Bolsonaro respondeu a todas as perguntas que foram feitas no depoimento.
Nota da defesa de Moro
Em nota divulgada na tarde desta quinta, a defesa do ex-ministro disse que foi surpreendida pelo fato de Bolsonaro ter sido ouvido no inquérito sem a presença dos advogados de Moro.
A defesa disse ainda que, quando Moro prestou depoimento, no ano passado, adovgados de Bolsonaro estavam presentes e puderam fazer perguntas.
“A defesa do ex-ministro Sérgio Moro foi surpreendida pela notícia de que o presidente da República, investigado no Inquérito 4831, prestou depoimento à autoridade policial sem que a defesa do ex-ministro fosse intimada e comunicada previamente, impedindo seu comparecimento a fim de formular questionamentos pertinentes, nos moldes do que ocorreu por ocasião do depoimento prestado pelo ex-ministro em maio do ano passado", afirmaram os advogados.
'Trocar alguém da segurança'
O inquérito foi aberto pelo STF em abril do ano passado, a pedido da Procuradoria Geral da República (PGR) e tem como base acusações feitas pelo ex-ministro da Justiça Sergio Moro. Segundo Moro, Bolsonaro tentou interferir em investigações da PF ao cobrar a troca do chefe da Polícia Federal no Rio de Janeiro e ao exonerar o então diretor-geral da corporação Maurício Valeixo, indicado por Moro. Bolsonaro nega ter tentado interferir na corporação.
Moro tem afirmado que estão entre as provas de que Bolsonaro tentou interferir na PF mensagens trocadas pelos dois em um aplicativo e a reunião ministerial de 22 de abril de 2020.
Na reunião, Bolsonaro disse: "Já tentei trocar gente da segurança nossa no Rio de Janeiro e oficialmente não consegui. Isso acabou. Eu não vou esperar f... minha família toda de sacanagem, ou amigo meu, porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence à estrutura. Vai trocar. Se não puder trocar, troca o chefe dele. Se não puder trocar o chefe, troca o ministro. E ponto final. Não estamos aqui para brincadeira."
À PF, Bolsonaro justificou essa frase. Ele disse que estava se referindo à segurança pessoal.
"Que há um pequeno núcleo do GSI sediado no Rio de Janeiro, responsável pela segurança do declarante e de sua família; Que esse núcleo do GSI é formado por servidores lotados e alguns comissionados; Que achava que esse trabalho poderia ser melhorado, principalmente no acompanhamento do seu filho Carlos Bolsonaro, residente no Rio de Janeiro; Que portanto quando disse que queria trocar gente no Rio de Janeiro referia-se a sua segurança pessoal e da sua família", afirmou o presidente, segundo a PF.
Bolsonaro disse também no depoimento que Moro concordou com o nome para substituir Valeixo, o do delegado Alexandre Ramagem. Segundo Bolsonaro, Moro pediu que a nomeação ocorresse depois que o presidente indicasse o então ministro da Justiça para uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF).
"Que ao indicar o DPF Ramagem ao ex-ministro Sergio Moro, este teria concordado com o presidente desde que ocorresse após a indicação do ex-ministro da Justiça à vaga no Supremo Tribunal Federal", disse Bolsonaro.
Moro divulgou uma nota nesta quinta para contestar a declaração de Bolsonaro. O ex-ministro disse que em nenhum momento negociou uma vaga para o tribunal. "Não troco princípios por cargos", escreveu.
"Sobre o depoimento do presidente da República no inquérito que apura interferência política na Polícia Federal, destaco que jamais condicionei eventual troca no comando da PF à indicação ao STF. Não troco princípios por cargos. Se assim fosse, teria ficado no governo como Ministro. Aliás, nem os próprios Ministros do Governo ouvidos no inquérito confirmaram essa versão apresentada pelo Presidente da República. Quanto aos motivos reais da troca, eles foram expostos pelo próprio Presidente na reunião ministerial de 22 de abril de 2020 para que todos ouvissem. Também considero impróprio que o Presidente tenha sido ouvido sem que meus advogados fossem avisados e pudessem fazer perguntas", afirmou Moro.
g1
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