A Procuradoria-Geral da República (PGR) deve tratar com celeridade a apuração da suspeita de crime de prevaricação cometido por Jair Bolsonaro sobre o suposto esquema de corrupção, no Ministério da Saúde, para a compra da vacina Covaxin contra a covid-19. De acordo com fontes consultadas pelo Correio, a agilização do processo é uma estratégia do procurador-geral, Augusto Aras, para evitar o prolongamento de uma investigação que desgastaria o presidente da República — apesar da resistência inicial em abrir a apuração. A possibilidade de denunciar Bolsonaro é vista como remota, pois o Palácio do Planalto elaborou uma linha de defesa que, apesar de ser considerada frágil, é suficiente para afastar a acusação de prevaricação.
Um dos pontos que poderiam atrasar a conclusão do inquérito seria a oitiva do presidente. Isso porque um impasse já impede que outro inquérito vá adiante: o que apura se Bolsonaro tentou interferir politicamente na Polícia Federal. Aberto no primeiro semestre do ano passado, a PF pediu para ouvir o presidente pessoalmente. O hoje ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal (STF) Celso de Mello havia decidido que a oitiva seria presencial. O caso chegou ao plenário do Supremo, mas o julgamento está marcado para setembro. Assim, a apuração do episódio das vacinas só demorará se a PF exigir ouvir o presidente em pessoa.
Integrantes da PGR viram a decisão do vice-procurador Humberto Jacques de Medeiros, de pedir para que o caso fosse apurado depois da CPI da Covid, como uma forma de atrasar a investigação, ante a possibilidade de, ao final da comissão de inquérito no Senado, não se conseguir imputar culpa ao presidente — o que esvaziaria o pedido. “Aras havia se manifestado nesse sentido anteriormente. Essa postura deixa o indício de que existe um alinhamento entre o procurador e seu vice no sentido de blindar o presidente”, disse um procurador, na condição de anonimato. Mas, devido à decisão da ministra Rosa Weber, na última sexta-feira, a PGR foi obrigada a abrir apuração.
Difícil comprovação
Fontes apontam que o crime de prevaricação é difícil de provar e apostam que a investigação será arquivada. A avaliação dos procuradores é que o presidente sabe como se defenderá: dirá que informou o ex-ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, sobre a possibilidade de irregularidades no dia 22 de março, dois dias depois de ser avisado pelos irmãos Luis Ricardo e Luis Cláudio Miranda. O militar, por sua vez, passou para o ex-secretário executivo da pasta, Elcio Franco. O problema é o tempo que ambos deixaram a pasta — um no dia 23 e outro no dia 26. Mesmo assim, a justificativa é considerada capaz de sustentar a tese de que o presidente não prevaricou.
O primeiro ato a ser feito no âmbito da investigação é ouvir os irmãos Miranda. Se eles apresentarem algum vídeo ou áudio que mostra o presidente dizendo que levaria a questão à PF — como garantem que o presidente falou —, a situação muda. Caso contrário, se Pazuello e Elcio confirmarem que foram acionados, checaram os documentos e não viram qualquer irregularidade, será difícil provar a prevaricação.
Dentro da PGR, não se afasta a possibilidade de que fatos correlacionados à suposta fraude na aquisição da Covaxin sejam utilizados no inquérito. A ausência de resposta à Pfizer, a rejeição à CoronaVac por parte do governo federal e o atraso na compra de imunizantes da AstraZeneca podem fundamentar a denúncia por prevaricação contra Bolsonaro. “Prevaricação é deixar de fazer algo que deveria fazer. No caso da Covaxin, deveria ter levado a sério a denúncia”, diz uma fonte da cúpula da PGR.
Na PGR, o envio da notícia-crime ao STF, e não à Procuradoria — como seria de praxe —, foi encarada negativamente. O entendimento é que a ação movida pelos senadores Randolfe Rodrigues (Rede-AP), Fabiano Contarato (Rede-ES) e Jorge Kajuru (Podemos-GO) mostra a desconfiança em relação à atuação de Aras. Para piorar, a resposta do vice-procurador-geral pedindo para aguardar as conclusões das investigações da CPI foi considerada “incomum”, quando o caminho natural seria a resposta pela abertura ou pelo arquivamento da representação.
O incômodo dos procuradores se potencializou com a dura resposta da ministra, sobretudo quando lembrou que “no desenho das atribuições do Ministério Público, não se vislumbra o papel de espectador das ações dos poderes da República” e apontou que a procuradoria “desincumbiu-se de seu papel constitucional”.
Mais um episódio de intermediação
Aos poucos, começam a vir à tona outros episódios de intermediação de venda de vacinas para o Ministério da Saúde, além do que envolve a Covaxin — que deu origem à notícia-crime por prevaricação contra o presidente Jair Bolsonaro. Em março, a Secretaria Nacional de Assuntos Humanitários (Senah) — organização religiosa presidida pelo reverendo Amilton Gomes de Paula —, com sede em Brasília, negociou a compra de 400 milhões de doses de imunizantes da AstraZeneca e da Janssen entre a Davati Medical Supply e a pasta. O caso foi revelado pela Agência Pública, e a Rede Globo teve acesso a e-mails que revelam as transações. Amilton esteve na sede do ministério em 4 de março e documentou ao publicar foto nas redes sociais. Em outra imagem, ele aparece ao lado do senador Flávio Bolsonaro (Patriotas-RJ). Tal como aconteceu com a Covaxin, as negociações não teriam avançado.
Sinais de cansaço com o governo
O Palácio do Planalto sabe que vive um momento difícil, mas, segundo o ditado popular, “nada é tão ruim que não possa piorar”. Isso porque, não apenas parlamentares começam a demonstrar que estão sensíveis às manifestações de rua contra o presidente Jair Bolsonaro (leia na página 3) e com a articulação do governo no Congresso, como os bastidores da Procuradoria-Geral da República já emitem sinais mais claros de cansaço com o bolsonarismo. Desgastado entre os pares, o procurador-geral Augusto Aras aceitou a abertura de inquérito por prevaricação contra o presidente da República por não mandar investigar o esquema de superfaturamento da vacina indiana Covaxin no Ministério da Saúde.
O Correio conversou com parlamentares da oposição, independentes, governistas para medir a temperatura na Câmara dos Deputados. Vice-líder do MDB, Hildo Rocha (MA) avalia que a base do governo na Casa começa a enfraquecer e destaca que os atos públicos contra Bolsonaro terão um papel importante para acelerar a desagregação dos apoios ao governo. “Como disse Ulysses Guimarães, os deputados federais são muito sensíveis ao clamor popular. Quando o tambor da rua ruge, o deputado desperta. Essas manifestações vão ditar o rumo de boa parte dos deputados”, assegurou.
Segundo Rocha, o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), faz um esforço grande pelo governo que, no entanto, não está colaborando. “O Lira é esforçado, mas a articulação política do governo é muito fraca. Individualmente, não tem atendido aos deputados. Até os mais ferrenhos (governistas) reclamam da articulação”, disse.
Próxima de Lira, a deputada Margarete Coelho (Progressistas-PI) admite que “a oposição tem feito barulho”, mas evita avaliar até onde as manifestações de rua, o superpedido de impeachment contra o presidente Jair Bolsonaro, a representação contra o líder do governo, Ricardo Barros (Progressistas-PR), no Conselho de Ética e a própria CPI da Covid são capazes de causar desgaste.
“As pautas do centro continuam sendo votadas. Não percebi a virada lá dentro. E insatisfação é um termo que não tenho como responder”, esquivou-se.
Efeito limitado
Vice-líder do governo, Evair de Melo (Progressistas-ES) assegura que, “do ponto de vista pragmático, zero de baixas na nossa lista de deputados do governo. Sempre tivemos uma turma volátil”, argumentou. Para ele, a CPI da Covid “não sabe de onde veio e nem para onde vai” e que a pressão das ruas faz pouco efeito. “Manifestação de rua para pressionar vai ser a nosso favor. Vão ser maiores, mais orgânicas”, garante, reconhecendo, porém, que “tem um movimento para desarticular a base, mas quem acha que vai conseguir está redondamente enganado”.
Para a vice-líder da minoria, Jandira Feghali (PCdoB-RJ), por conta do clima político desfavorável ao governo, temas como o voto impresso e reforma administrativa têm tudo para perder força e velocidade. “Mais de meio milhão de vidas perdidas é algo muito potente. Todo mundo vem percebendo que o presidente apostou na transmissão do vírus, sustentada por uma teoria anticientífica de imunidade de rebanho e o custo da vida não o preocupou”, apontou, salientando, ainda, que “alguns parlamentares estão tomando coragem de assumir a questão do impeachment. Vai se ampliando a frente de forma objetiva”.
O cientista político André Pereira César considera tímida a frente contra Bolsonaro, e o governo ainda patina nas reformas que propõe. “A grande agenda reformista, com as reformas administrativa e tributária, está em cheque. Lira não é um aliado 100% confiável, e o Planalto sabe disso. As cúpulas (partidárias) estão se mexendo. A manifestação dos 11 partidos contra o voto impresso mostra que o cenário não é confortável”, observa.
Correio Braziliense
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