A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta terça-feira manter a liminar que deu à defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva acesso a mensagens trocadas entre o ex-juiz Sergio Moro e procuradores da Lava-Jato de Curitiba. Votaram nesse sentido o relator, Ricardo Lewandowski, e os ministros Nunes Marques, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes. O ministro Edson Fachin foi o único a se posicionar contra.
— É extremamente grave e impactante o que veio à tona e que deve causar perplexidade em todos aqueles com mínimo conhecimento do que seja o devido processo legal. Não estou entrando no mérito, apenas concedi à defesa que tivesse acesso a elementos de convicção que estavam em poder do Estado e que se encontravam no bojo de uma ação penal na qual os tais hackers foram condenados, com base inclusive numa primeira perícia no material arrecadado — disse Lewandowski em seu voto.
O ministro Nunes Marques concordou. Alegando motivos técnicos, ele esclareceu que os procuradores da Lava-Jato não teriam legitimidade para recorrer da liminar. Segundo Nunes Marques, o recurso deveria ter sido ajuizado pela Procuradoria-Geral da República (PGR). Ele acrescentou que o questionamento sobre se as provas são ou não ilícitas deve ser feito em uma ação específica.
— Não estou fazendo qualquer juízo de mérito acerca da validade ou autenticidade do material coletado na operação. Limito-me, portanto, nos precisos termos do voto do ministro relator, a conferir acesso à defesa do reclamante ao referido material, permitindo, assim, o fiel cumprimento da decisão — explicou.
Terceiro a votar, o ministro Edson Fachin se posicionou a favor da Lava-Jato de Curitiba, no sentido de impedir que Lula use as mensagens em qualquer ação judicial, até uma posição do plenário do STF sobre a validade das provas.
— Se estamos a falar de garantias do devido processo legal, parece que devamos estender o garantismo a todos. Entendo que têm legitimidade e interesse os agravantes (procuradores da Lava-Jato), porque há explicitação que pode expor violação de direitos a personalidade, até mesmo do direito a intimidade. A decisão do relator (Lewandowski) atinge-os diretamente — disse Fachin.
Em seguinda, a ministra Cármen Lúcia formou maioria para não reconhecer a legitimidade do recurso dos procuradores da Lava-Jato — ou seja, mantendo a liminar concedida por Lewandowski.
O último voto foi o do ministro Gilmar Mendes, pelo direito de Lula de ter acesso aos diálogos, resultando em um placar de 4 a 1. O ministro ressaltou que esse foi o único tema em julgamento na Segunda Turma na tarde desta terça-feira.
— O acesso ao seu conteúdo é imprescindível para o exercício do direito de defesa do reclamante. A extrema gravidade dos acontecimentos perpetrados exige que se confira à defesa o direito de questionar, de impugnar eventuais ilegalidades processuais que se projetam como reflexo da atuação coordenada entre acusação e magistrado — disse, completando mais adiante:
— A breve análise dos diálogos sugere que a falta de acesso a eles pode ter afetado o direito de defesa do paciente (Lula) e de outros pacientes (outros investigados). Por isso, é de rigor o reconhecimento do direito de acesso. E é disso que estou falando, só do direito de acesso.
Mesmo assim, em seu voto, Mendes fez críticas pesadas à forma como Moro e os procuradores de Curitiba atuaram na Lava-Jato.
— Ou nós estamos diante de ficção, ou nós estamos diante de um caso extravagante. É o maior escândalo judicial da historia da humanidade, é disso que estamos falando. A República de Curitiba envergonha os sistemas totalitários, eles não tiveram tanta criatividade. Da União Soviética, da Alemanha Oriental. É disto que nós estamos a falar. A não ser, como eu disse, e dou o benefício da dúvida, que se prove que isso não existiu, que é obra de um ficcionista. Não é mais o julgamento de um caso. Nós vamos ser julgados pela historia se formos cúmplices desse tipo de situação, em que montamos um modelo totalitário — afirmou o ministro.
A troca de mensagens, que não foi submetida a perícia oficial, revela que Moro e os investigadores teriam combinado estratégias na condução de processos da Lava-Jato, inclusive o caso do triplex no Guarujá (SP), em que Lula foi condenado. Como o material não foi periciado, Lula não obteve autorização para anexar as provas em processos para pedir a nulidade de investigações, como queria a defesa.
Antes de começar a votação, o advogado Marcelo Knopfelmacher, contratado pelos procuradores da Lava-Jato, pediu que as provas não sejam entregues à defesa de Lula e, caso ela já tenha recebido, que fique impedida de usar em processos judiciais. Segundo ele, o material foi obtido de forma criminosa, por meio de hackers e, por isso, não poderia ser usado como prova. A subprocuradora-geral da República Claudia Sampaio Marques reiterou esse entendimento.
— O relator (Lewandowski) não considerou o direito à privacidade dessas pessoas. O eminente relator proferiu decisão desprezando uma jurisprudência construída por este STF de décadas de recusa de prova ilícita. O Ministério Público entende que o que aconteceu neste fato é de extrema gravidade. Nunca vi uma situação dessa magnitude. O ex-presidente tem em suas mãos, sem qualquer tipo de controle, material relativo a opositores políticos. O uso que ele vai fazer disso aparentemente não interessa à Justiça. Todo esse material envolvia mensagens pessoais. Não se trata de atividade funcional. Havia conversas de família e de amigos de todas essas autoridades que tiveram suas comunicações hackeados — disse a procuradora.
O advogado de Lula, Cristiano Zanin, ponderou que não as mensagens não revelam conteúdo íntimo, mas estratégias para conduzir as investigações da Lava-Jato.
— Não estamos tratando de conversas pessoais, familiares, entre amigos, mas de conversas entre agentes públicos que ocorreram em aparelhos funcionais e que dizem respeito a processos que correm na Justiça brasileira. É disso que se trata. Estamos falando aqui da prática de atos processuais clandestinos para esconder relações espúrias. Tudo acontecia fora dos canais oficiais — disse, acrescentando:
— Nós estamos tratando aqui de atos ilícitos que foram clandestinamente tratados no aplicativo Telegram, inclusive para esconder provas da defesa. Nós temos aqui combinação entre procuradores e juiz, temos quebra ilegal de sigilo de pessoas absolutamente fora do que prevê a lei, temos monitoramento de advogados até mesmo de ministros de cortes superiores. Esse material não diz respeito à intimidade de nenhum procurador, mas diz respeito a um grande escândalo que esta ocorrendo no sistema de justiça do nosso país.
Prévia para julgar parcialidade de Moro
Para integrantes do STF, o julgamento de hoje pode servir como prévia para um outro julgamento, ainda sem data marcada: o recurso em que os advogados de Lula alegam que Moro foi parcial na condução de investigações contra o ex-presidente. A conduta do ex-juiz não estará em análise nesta tarde, mas os ministros da Segunda Turma podem tecer comentários nas discussões que levem a um indicativo de como será o próximo julgamento.
O julgamento sobre a parcialidade de Moro começou em dezembro de 2018, mas um pedido de vista do ministro Gilmar Mendes interrompeu a votação. A interlocutores, Mendes disse que tem a intenção de devolver o processo para a Segunda Turma ainda neste semestre.
No recurso que está nas mãos de Mendes, a defesa de Lula alega que Moro foi parcial e, por isso, pede a nulidade de condenações. Edson Fachin, relator da Lava-Jato, e Cármen Lúcia já votaram no sentido de considerar Moro imparcial — ou seja, contra a tese do petista. Embora não tenham votado ainda, Lewandowski e Mendes deram a entender que Moro exacerbou em sua conduta. Havendo um empate, o ministro Kassio Nunes Marques decidirá contra ou a favor das pretensões de Lula.
Nesta terça-feira, será a primeira vez que o ministro Kassio Nunes Marques, que tomou posse em novembro para substituir Celso de Mello, vai falar sobre um tema tão semelhante ao que será julgado no futuro. Dentro do tribunal, Nunes Marques é visto como garantista — ou seja, preza mais pelas garantias individuais dos réus do que pelo punitivismo que se consagrou com a Lava-Jato de Curitiba. Esse perfil dá a ministros do STF elementos para acreditar que o novo colega se posicionaria contra Moro na discussão.
No pedido para declarar a parcialidade de Moro, os advogados de Lula citam como evidência da tese o fato de que o ex-juiz aceitou o convite de Bolsonaro, principal adversário do petista, para ser ministro da Justiça. Foi Moro quem condenou Lula pela primeira vez, no processo do triplex. Depois que essa condenação foi confirmada pelo Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região, o ex-presidente foi preso, em abril de 2018.
Lula foi solto em novembro de 2019, com a decisão do STF que autoriza presos condenados em segunda instância a recorrer em liberdade. Embora já esteja livre, uma decisão favorável ao ex-presidente na Segunda Turma anularia essa condenação e atrasaria o andamento de outros processos. Isso diminuiriam as chances de Lula voltar à prisão.
O Globo
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