O número de inquéritos abertos na Polícia Federal (PF) com base na Lei de Segurança Nacional (LSN), criada na ditadura militar, vem aumentando nos últimos anos. Foram 19 em 2018, 26 em 2019, no primeiro ano do governo do presidente Jair Bolsonaro, e 51 em 2020. A PF não detalha que inquéritos são esses, mas uma parte foi aberta por ordem do ministro da Justiça, André Mendonça, a quem a Polícia Federal é subordinada, para investigar críticos do presidente. A mesma lei, porém, foi usada no Supremo Tribunal Federal (STF) em inquéritos que têm aliados e apoiadores de Bolsonaro como alvos.
Os números, compilados pela PF em 13 de janeiro de 2021, foram revelados pela “Folha de S.Paulo” e confirmados pelo GLOBO. Um caso recente é do advogado Marcelo Feller, que, em entrevista à CNN Brasil, chamou Bolsonaro de “genocida” pela forma como enfrentou a pandemia de Covid-19. Ele publicou no Twitter o parecer do Ministério Público Federal (MPF), favorável ao arquivamento, segundo o qual a liberdade de expressão é um direito fundamental mesmo quando contraria os interesses dos governantes.
Em junho de 2020, Mendonça informou ter solicitado investigar uma publicação do jornalista Ricardo Noblat no Twitter com uma charge do cartunista Renato Aroeira mostrando Bolsonaro ao lado de uma suástica. Reservadamente, o ministro tem dito que está cumprindo seu dever legal, pois a a LSN trata como crime “caluniar ou difamar o presidente” e prevê que cabe a ele requisitar a abertura de inquérito.
No STF, a mesma lei baliza investigações contra críticos da Corte. Há no tribunal dois inquéritos que miram apoiadores de Bolsonaro: o dos atos antidemocráticos, e o das “fake news”, que investiga ataques à instituição.
Banalização
Juristas ouvidos pelo GLOBO avaliam que há um exagero no uso dessa lei. Cezar Britto, ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), defende a derrubada completa dela, a exemplo do que ocorreu com a Lei de Imprensa da ditadura militar:
— As ações são claramente abusivas, inconstitucionais e com o objetivo de intimidar a liberdade de expressão, especialmente dos jornalistas. Há um abuso muito grande, porque está se pretendendo retirar um dos institutos fundamentais na democracia, o direito de discordar das autoridades.
Ele ressalta que sua opinião se refere às ações pedidas por Mendonça, visto que os inquéritos abertos pelo STF são sigilosos. Já o professor Fernando Reis, coordenador do mestrado e da graduação de Direito da Universidade Candido Mendes (UCAM), foi mais taxativo:
— Se você utiliza a Lei de Segurança Nacional para punir movimentos que estão criticando o Supremo, por mais que sejam argumentos falsos, mentirosos, podem ser enfrentados até por outras formas de responsabilização pelo Código Penal: difamação, calúnia. Não pela Lei de Segurança Nacional, a não ser que essa pessoas estejam criando um movimento armado, por exemplo. A grosso modo, parece que há uma banalização pelos dois lados.
Ele e o advogado Marcelo Bessa, do Instituto de Garantias Penais (IGP), avaliam que o uso exagerado da LSN pode configurar abuso de autoridade.
— Na universidade, peguei o regime militar. Era o mote para ser ameaçado: olha, vou te enquadrar na Lei de Segurança Nacional. Parece que está voltando agora. Num regime democrático, sua aplicação é uma exceção, não é uma regra — afirma Bessa.
O Globo
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