Em depoimento na Câmara dos Deputados, o ministro da Justiça, Sergio Moro, reforçou o discurso de que a divulgação de supostas mensagens trocadas com o coordenador da Lava-Jato , o procurador Deltan Dallagnol , caracteriza uma tentativa de atrapalhar a operação e invalidar condenações. Moro afirmou temer que os vazamentos envolvam criminosos que não querem que as investigações cheguem até eles.
Nas últimas semanas, o site "The Intercept Brasil" publicou uma série de reportagens que apontariam um conluio com a acusação — representada pelo Ministério Público Federal (MPF) — em processos que Moro julgou na 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba. Ele e Dallagnol contestam a autenticidade das conversas e negam irregularidades.
— A meu ver existe uma tentativa criminosa de invalidar condenações e o que é pior: a minha principal suspeita é que o objetivo principal seja evitar o prosseguimento das investigações. Criminosos que receiam que as investigações cheguem até eles e estão querendo se servir desse expediente para impedir que as investigações prossigam — disse Moro na abertura da sessão.
O depoimento ocorre na sala da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), em conjunto com outras três comissões da Câmara: de Trabalho, de Administração e Serviço Público; de Direitos Humanos e Minorias; e de Fiscalização Financeira e Controle.
Quatro horas antes do horário previsto para o início da audiência do ministro da Justiça, parlamentares já faziam fila à porta da sala da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados . Antes da abertura da sabatina, Moro fez suas colocações iniciais. Como já havia feito no Senado, em 19 de junho, voltou a negar irregularidades e conluio com o MPF, destacou as discordâncias entre ele e procuradores e relembrou resultados da operação. Ele também atacou o que chamou de "invasão criminosa" de aparelhos celulares de agentes públicos. Iniciou o discurso mencionando o conteúdo de sua fala direcionada a senadores.
— Peço escusas pela repetição (do que foi dito no Senado), mas não há novidades significativas desde então — afirmou.
Em seguida, Moro colocou em dúvida a veracidade das informações veiculadas pelo "The Intercept".
— O objetivo principal seria invalidar condenações e evitar investigações da Lava-Jato — disse Moro, acrescentando: — São supostas mensagens. Não reconheço a autenticidade dessa mensagens. Não tenho mais no meu celular. Podem algumas delas serem verdadeiras, podem algumas terem sido adulteradas parcial ou totalmente.
Como também havia feito no Senado, o ministro defendeu que o diálogo entre as partes de uma ação é "comum":
— É comum que juízes falem com procuradores, é comum que juízes falem com advogados — declarou.
Clima esquentou
Já nas primeiras perguntas direcionadas a Moro, o clima da sessão esquentou. O deputado Rogério Correia (PT-MG) chegou a chamar o procurador Deltan Dallagnol de "cretino", o que provocou a reação de outros deputados. Depois, enumerou uma série de fatos negativos atribuídos por ele ao governo Bolsonaro.
— PIB 0,8%, 14 milhões de desempregados, cocaína no avião do presidente, 798 quilos de cocaína em navio brasileiro no Senegal, Queiroz, Marielle, laranjal, ministro do Turismo. Tudo isso parado porque o senhor está respondendo a um crime que pode ter cometido e não quer que a Polícia Federal investigue. Eu peço ao senhor que responda: não é o caso de a Polícia Federal investigar também o conteúdo das denúncias feitas contra o senhor? — questionou Correia.
Dos primeiros seis deputados a fazer perguntas, cinco são da oposição e fizeram discursos contra Moro. Apenas Darcisio Perondi (MDB-RS), autor do requerimento de convite que levou Moro à Câmara, saiu em defesa do ministro. Disse, entre outras coisas, que as mensagens foram obtidas de forma criminosa.
Antes de Moro começar a responder às questões dos parlamentares, houve bate-boca e o presidente da sessão, Felipe Francischini (PSL-PR), ameaçou duas vezes acabar com a sessão. Irritado, ele chegou a comparar a sabatina com o humorístico "Escolinha do Professor Raimundo".
Audiência remarcada
Moro chegou a combinar com deputados que falaria na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara no dia 24 de junho, mas desmarcou a audiência . Na ocasião, ele viajou aos Estados Unidos em visita oficial a órgãos de segurança e de inteligência. Na semana passada, informou à CCJ da Câmara que poderia falar aos parlamentares a partir das 14h desta terça-feira. Esta comissão havia aprovado um requerimento que convidava o ministro a prestar esclarecimentos sobre o caso em debate conjunto com as comissões de Trabalho, de Administração e Serviço Público; de Direitos Humanos e Minorias; e de Fiscalização Financeira e Controle.
Moro é ouvido e questionado pelos deputados dois dias depois de receber homenagens e manifestações de apoio em atos pelo país neste domingo. Apoiadores do ministro e do governo de Jair Bolsonaro foram às ruas de ocorreram em 88 cidades de 26 estados e Distrito Federal com faixas de exaltação ao ex-juiz e à Operação Lava-Jato.
O requerimento para convidá-lo às comissões da Câmara foi de autoria dos deputados Darcísio Perondi (MDB-RS), Bia Kicis (PSL-DF) e Delegado Waldir (PSL-GO).
No Senado, a oitiva durou nove horas. Moro repetiu diversas vezes, durante a audiência com senadores, que não podia comprovar a autenticidade das mensagens, porque não lembrava delas e porque não possui mais o aplicativo Telegram, e levantou a possibilidade de adulteração dos diálogos. Mesmo assim, disse, de forma genérica, que não há qualquer crime nas conversas divulgadas e comentou algumas delas diretamente.
Sobre o episódio em que teria repassado a Dallagnol uma "fonte" que estaria disposta a prestar informações sobre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ex-juiz afirmou aos senadores que repassar notícias-crime ao Ministério Público é um ato "trivial" e "corriqueiro".
Jornalista vê conluio entre ex-juiz e procurador
Um dos autores das reportagens do "The Intercept Brasil", Glenn Greenwald falou à Comissão de Direitos Humanos da Câmara em 25 de junho e classificou como "chocante" o que aponta como conluio entre o ex-juiz e o coordenador da Lava-Jato. Segundo ele, se fosse nos Estados Unidos, Moro teria sido afastado da magistratura e, depois, não poderia nem mesmo advogar. O jornalista rebate que o ex-juiz, até o momento, não apontou nenhum trecho específicos dos diálogos que tenha sido adulterado.
Segundo o site, Moro deu orientações ao procurador sobre como atuar em processos da Lava-Jato, inclusive em um que investigava o ex-presidente Lula. O ex-juiz teria orientado os procuradores a divulgar uma nota para rebater pontos de contradição no depoimento de Lula, após "showzinho da defesa" do petista.
Moro tomou a iniciativa de marcar as audiências no Senado e na Câmara assim que o caso veio à tona, com o objetivo de enfraquecer as iniciativas da oposição de propor uma CPI com base nas conversas divulgadas.
O Globo
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