O vice-presidente Hamilton Mourão disse, nesta quinta-feira (24), que sobrevoou em Rondônia uma área de terra indígena apontada na leitura de um satélite como foco persistente de fogo – mas que o local não tinha incêndio e se tratava de uma rocha.
Mourão afirmou que não estava "questionando dado nenhum", mas usou o caso parar defender que os registros sobre queimadas sejam analisados qualitativamente para, na sua visão, diferenciar o que é um foco de calor do que é um foco de queimada.
"Ninguém desacredita dado de queimada. Quando você vai no site do Inpe a coisa é muito colocada, tem x focos de calor, não é queimada", argumentou Mourão.
O coordenador do programa de queimadas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Alberto Setzer, rebateu o vice-presidente e explicou que, dentro do monitoramento feito pelo grupo, não existe diferença entre os dois termos: focos de calor ou focos de queimadas.
"É tudo igual. Apenas nomes diferentes. Indicam vegetação queimando, ou algum incêndio residencial ou industrial", afirmou Setzer.
Sistema elimina erros
Ao falar sobre sua inspeção em Rondônia, o vice-presidente apontou uma suposta falha de leitura. "A minha avaliação é que o calor, a massa de granito ali reflete como se tivesse fogo. O satélite identifica qualquer ponto de calor, não necessariamente sendo fogo", disse Mourão.
Alberto Setzer, especialista do Inpe, explica que os dados oficiais de monitoramento de queimadas não apontam equivocadamente rochas, asfalto ou outros elementos como focos de incêndio.
Mesmo sem Mourão ter detalhado qual a origem dos dados usados no sobrevoo, Setzer explicou que, na ocasião, havia um foco detectado na terra indígena Uru-eu-wau-wau que foi registrado pelo satélite TERRA, e não pelo AQUA, que é o usado como referência na contabilidade das queimadas no país.
“É um foco suspeito, isolado e não detectado por nenhum outro satélite. Não dá para dizer que é uma detecção falsa, apenas suspeita”, disse Setzer.
Dados para o sobrevoo
Na quarta-feira (23), Mourão citou que o sobrevoo teve como base dados do satélite do Censipam (Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia), ligado ao Ministério da Defesa. Nesta quinta, questionado sobre a fonte exata dos dados, ele explicou que a origem na verdade é o Gipam, um grupo integrado de proteção à Amazônia que usa dados de todas as agências federais, inclusive do Inpe.
O coordenador do Programa de Queimadas explica que o Inpe recebe dados de 10 satélites – alguns mais antigos e outros, mais avançados, que são “extremamente confiáveis”, e considerados satélites de referência, como o AQUA.
“Alguns dos satélites muito antigos, que têm mais de 20 anos, talvez possam dar essa informação como ele [Mourão] disse – poderiam detectar uma coisa de granito muito quente. Mas isso não é usado nos cálculos, nas estatísticas. Por essa razão que nós temos esse satélite de referência, que não é sujeito a esse tipo de possível engano”, explicou o especialista.
O vice-presidente ainda levantou a possibilidade de os focos serem apontados em áreas urbanas. “O satélite identifica qualquer ponto de calor, não necessariamente sendo fogo. Quando você olha ali o mapa de calor, você vai ver, bota lá Manaus, Belém, está tudo aparecendo em vermelho porque são focos de calor", disse Mourão.
O especialista do Inpe rebateu Mourão. “Não temos um único caso destas detecções [em nossas estatísticas] de superfícies quentes como praias, asfalto de ruas, áreas cimentadas [ou seja, todas áreas urbanas], carros e ônibus no sol, pistas de aeroportos, estradas, telhados metálicos”, rebateu Setzer.
“Os sensores [dos satélites mais novos] possuem características técnicas mais avançadas que são utilizadas pelos algoritmos, e assim os falsos alarmes são removidos”, disse. “Existem alvos quentes que podem gerar falsos alarmes, como pátios de usinas siderúrgicas e refinarias de petróleo com "flares" [chamas]. Nestes casos, o monitoramento do Inpe descarta estes locais”, explicou.
Temperatura radiométrica
Na quarta, Mourão usou uma rede social para falar do sobrevoo e usou um termo técnico para dizer que os focos detectados pelos satélites podem não representar um foco de incêndio. “Tecnicamente, esses focos registram temperaturas de +47ºC e não são necessariamente uma queimada ou incêndio”, escreveu Mourão.
Para Setzer, coordenador do programa de queimadas, o vice-presidente citou equivocadamente em seu tuite o parâmetro de temperatura de 47°C.
“Estes 47 graus se referem ao modo como eram discriminados os focos nos satélites NOAA, mais antigos. (...) Esta é a "temperatura radiométrica", um termo técnico, e que não corresponde à temperatura indicada por um termômetro”, explicou Setzer.
O especialista explica que todo objeto gera uma radiação térmica por causa do calor que emite (no caso de um ponto de fogo) ou que reflete (no caso de uma rocha). Essa radiação é captada pelos satélites e transformada em dados. Esses informações são submetidas a algoritmos e equações que podem apontar a temperatura radiométrica – e, ainda, serem filtradas para evitar falsos positivos.
"Um corpo a várias centenas de graus emite energia principalmente na faixa de 3,7 μm a 4μm do espectro ótico, que é onde o sensor do satélite opera. Um corpo com temperatura menor, seja ambiente ou até uns 100 graus, emite mais energia na faixa de 11μm", explicou, mostrando como é feito o filtro que elimina os falsos positivos.
"Esta questão dos 47°C é sempre levantada quando querem desacreditar o monitoramento", disse Setzer.
G1
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