As disputas tributárias entre o Estado e os contribuintes somam quase R$ 5 trilhões no Brasil. O montante equivale a quase 73% do Produto Interno Bruto (PIB) do país e supera o valor de mercado das 328 companhias listadas na bolsa de valores. Juntas, elas valem R$ 4,36 trilhões.
Os números, referentes a 2018, foram compilados pelos pesquisadores Breno Vasconcelos, Lorreine Messias e Larissa Luzia Longo e englobam disputas administrativas e judiciais nos municípios, nos estados e na União. É a primeira vez que um levantamento consegue calcular o valor das disputas entre governos e contribuintes - sejam eles empresas ou pessoas físicas - dentro dos tribunais.
O número elevado traz vários efeitos perversos para a economia. São recursos que acabam mal alocados e afetam diretamente o crescimento econômico e a produtividade do país. As empresas, por exemplo, deixam de investir na atividade principal e acabam destinando parte dos recursos para atividades pouco produtivas, apenas para lidar com as ações tributárias.
"Recursos que poderiam ser direcionados pelas companhias para qualificação de pessoal, investimentos em infraestrutura e bens de capital acabam sendo destinados a despesas judiciais, contratação de assessoria jurídica, contábil e seguros. Ou seja, valores que poderiam ir para a atividade produtiva, gerando mais PIB, acabam ficando subalocados", explica Lorreine.
Embora o levantamento aponte para uma disputa trilionária, os pesquisadores consideram o número bastante conservador. Para os municípios, só foi possível levantar dados, na esfera judiciária, de 3,9 mil prefeituras. No total, são 5,5 mil. Já na esfera administrativa, os pesquisadores tiveram acessos apenas aos números de São Paulo. Em relação aos Estados, 17 não enviaram os dados completos.
Na comparação internacional, o Brasil é líder absoluto em valor de disputas envolvendo tributos. Na média, o contencioso tributário dos países que compõem a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), apenas na esfera federal administrativa, não chega a 1% do PIB.
Na América Latina, o patamar é igualmente baixo: 0,19% do PIB. Já no Brasil, por esse recorte que considera apenas os tribunais administrativos da União, o porcentual é de 16,4%. Os dados da OCDE foram divulgados em 2015 e são referentes a 2013.
Sistema tributário complexo
Por trás do elevado número de disputas, está um sistema tributário bastante complexo, segundo os analistas. Dados do Tribunal de Contas da União (TCU) mostram que 337 mil normas foram editadas desde a Constituição em 1988. “É uma produção desenfreada”, destaca Vasconcelos.
Relatório do Banco Mundial também dá uma dimensão do caos do sistema tributário. Por ano, em média, as empresas brasileiras gastam 1.501 horas para calcular e pagar impostos.
Um segundo fator que explica esse contencioso gigantesco é a imprevisibilidade da jurisprudência – ou seja, como os tribunais interpretam esse amontoado de normas. “Temos casos variados de um tribunal entender de uma forma e outro tribunal entender de outra”, diz Vasconcelos.
A morosidade dos processos também está na raiz desse cenário caótico, segundo os pesquisadores. O estudo aponta que o julgamento de uma ação tributária demora, em média, mil dias apenas na primeira esfera administrativa. Por lei, o prazo máximo é de 360 dias.
Discussão da reforma tributária
Neste ano, o país voltou a discutir a possibilidade de uma reforma tributária para simplificar o sistema. Por ora, há duas propostas: uma na Câmara e outra no Senado. A equipe econômica promete enviar mais uma para o Congresso.
Em linhas gerais, a proposta da Câmara dos Deputados prevê a substituição de cinco tributos (IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS) por apenas um. Da junção, seria criado o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que incidiria sobre o consumo e seria cobrado no destino. A receita seria dividida entre União, estados e municípios.
A versão do Senado estipula o fim de nove tributos (IPI, PIS, Cofins, ICMS, ISS, IOF, Pasep, Salário-Educação, Cide-Combustíveis). No lugar deles, o projeto cria dois novos impostos, um de competência federal (IBS Federal) e outro estadual e municipal (IBS estadual e municipal). Em comum, os dois textos freiam a criação de normas tributárias pelos entes subnacionais.
A equipe econômica chegou a esboçar o envio de uma proposta de reforma tributária, mas o projeto perdeu fôlego depois da saída de Marcos Cintra da Receita Federal. O ministro da Economia, Paulo Guedes, propôs a criação da chamada Contribuição Provisória – imposto nos moldes da CPMF –, mas voltou atrás.
“O elevado contencioso que a gente tem no Brasil é sintoma e consequência de um sistema (tributário) mal desenhado. O país não pode pensar em melhorar o contencioso sem primeiro reestruturar o sistema tributário”, diz Larissa.
G1
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