Na terceira sessão de discussão da proposta de emenda à Constituição que criminaliza o porte e a posse de drogas, independentemente da quantidade, (PEC 45/2023) nesta terça-feira (26), a proposição recebeu apoio de grande parte dos senadores, que destacaram o sentimento do povo contrário à descriminalização e alertaram para as consequências de eventual liberação do porte e posse de pequenas quantidades pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
A PEC precisa passar por mais duas sessões de discussão antes da votação em primeiro turno. Depois, haverá mais três sessões de discussão antes da votação em segundo turno. Se aprovada, a matéria seguirá para análise, também em dois turnos, da Câmara dos Deputados.
Racismo estrutural
Abrindo o debate, o senador Fabiano Contarato (PT-ES), que foi delegado de polícia por 27 anos, criticou a posição dos colegas que teriam sido levados pelo “discurso fácil” de combate à criminalidade. Ele lembrou sua experiência com dependentes químicos e suas famílias, que pediam “socorro ao Estado brasileiro”, ressaltando que, nos termos da PEC, essas famílias passariam a ter um duplo encargo.
— Além de ter um filho dependente, agora ele vai ser criminoso. Não sou eu que estou dizendo: é o que nós aqui estamos fazendo.
Na avaliação de Contarato, a proposta não define quem é traficante e quem é usuário, o que prejudicaria os setores mais vulneráveis da sociedade e perpetuaria o racismo estrutural.
Jorge Seif (PL-SC), porém, defendeu as forças policiais das acusações de racismo e manifestou concordância com o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, para quem o Brasil está perdendo a batalha contra as drogas. Para Seif, liberar pequenas quantidades de drogas sem regulamentar a cadeia de produção como um todo é “pôr a carroça na frente dos bois”, e a falta de emendas apresentadas à PEC atesta a perfeição do texto.
— A proposição e o relatório foram perfeitos e estão em consonância com a sociedade brasileira.
Opinião pública
Tal como Jorge Seif, o relator da proposta, senador Efraim Filho (União-PB), citou o grande número de pesquisas de opinião pública que apontam “acima de 70%” de opiniões contrárias à liberação das drogas, e disse que a decisão sobre o assunto não deve caber ao Judiciário.
— Nosso parecer veio exatamente em sintonia do que pensa e do que defende a sociedade brasileira. A sociedade não quer, e o Estado não está preparado para essa descriminalização.
Efraim argumentou a favor da PEC citando, além da questão da segurança pública, os danos à saúde pública: ele lembrou que, em Portugal, a flexibilização da legislação sobre drogas foi antecedida de investimento de “bilhões” no tratamento das consequências do consumo. Ele também negou os argumentos de que, na forma atual, a proposta encaminhará os usuários ao encarceramento.
Izalci Lucas (PSDB-DF) declarou que a descriminalização seria um “desastre” e que os senadores não devem sinalizar a liberação de entorpecentes ou a regulamentação de quantidades. Também citando pesquisas, ele disse que é falsa a impressão de que os policiais civis são contra a PEC e contestou o conceito de que “todos os pretos e pobres são condenados” por drogas.
— O excesso de presos se deve à falta de políticas públicas de Estado. Cada governo que entra faz questão de acabar com tudo e começar tudo de novo, repetindo os erros de sempre. Então, cabe a esses governos que estão aí oferecer realmente uma política pública decente para os nossos jovens porque, aí sim, eles vão com certeza evitar a ociosidade e entrar no mundo das drogas.
Diretriz constitucional
Respondendo a Magno Malta (PL-ES), o presidente do Senado e autor da PEC, Rodrigo Pacheco, resumiu o objetivo da proposta, que visa estabelecer uma diretriz constitucional para o tratamento da política de drogas no país, determinando que a lei considerará crime o porte e a posse de substância ilícita, e assim será com a maconha “enquanto a administração pública entender” que a maconha é ilícita.
— Essa é uma posição política do Senado, para poder definir que essa guerra contra as drogas envolve não só uma guerra contra o tráfico de drogas no que se organiza, as organizações e associações criminosas do Brasil, mas também uma consequência jurídica, que é para aqueles que portam as drogas vindas de traficantes de drogas, ou seja, uma consequência que não é a prisão, mas é uma consequência jurídica de, no mínimo, uma advertência de que aquilo faz mal para a saúde e aquilo é uma substância ilícita reconhecida pela administração pública do Brasil.
Pacheco não vê nem “confrontação” nem “retrocesso” na proposta, que preserva a distinção entre as penas ao tráfico e ao porte para uso sem que isso implique em “ausência de consequência jurídica”. Ele disse temer que eventual decisão judicial seja interpretada como estímulo ao uso sem que o Estado tenha se organizado para isso.
— Se vier a descriminalização por uma discussão de política pública, para se definir onde comprar, critérios, cadastro de usuários, como vários países fazem, será uma discussão política que eu respeitarei. Se quiserem fazer no Plenário, eu posso até ter minha posição contrária, mas faremos no ambiente próprio, que é o Parlamento. Mas a descriminalização por decisão judicial, que resolve um problema de demanda, mas não resolve o problema da oferta, porque a oferta continua sendo ilícita por um traficante de drogas, é realmente uma distorção.
Crime organizado
Magno Malta aplaudiu as explicações de Pacheco, alertou para o aumento do poder do crime organizado no Brasil e acusou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso de ter se tornado o “megafone de George Soros” para a legalização da maconha no Brasil.
— No dia que alguém disser a ele: "olha, ex-presidente, nesse avião que o senhor vai viajar para receber um outro título de doutor honoris causa nos Estados Unidos, o piloto é maconheiro, fuma dez baseados por dia". Se ele tiver coragem de subir no avião, esse é o dia de legalizar.
Malta também enalteceu o trabalho de recuperação de dependentes químicos da Fundação Dr. Jesus, do deputado federal Sargento Isidório — presente ao debate —, e cumprimentou o senador Jaques Wagner (PT-BA) por ter, quando foi governador da Bahia, celebrado convênio com a instituição.
Damares Alves (Republicanos-DF) classificou a PEC como oportuna e necessária. Ela contou sua experiência com usuários de drogas e opinou que uma eventual descriminalização não contribui para enfrentar o problema dentro das famílias.
— A única forma de eu proteger um adolescente das drogas é não o deixar ter acesso às drogas. E, lá na ponta, a arma mais poderosa que a família tem para o adolescente não chegar perto das drogas é dizer: "isso é crime". Dizer somente para o adolescente que isso faz mal, que isso vai levá-lo para uma dependência, para uma doença, não tem sido a arma mais poderosa.
Agência Senado
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