Senadores que foram membros da CPI da Pandemia acionaram a Advocacia do Senado para fazer uma "radiografia" dos processos instaurados após a apresentação do relatório final e reunir todos os documentos que consideram ser provas de crimes cometidos pelo ex-presidente da República Jair Bolsonaro durante o período de enfrentamento à covid-19. Os parlamentares esperam que, sem foro privilegiado, Bolsonaro seja julgado em primeira instância.
— Tomei a iniciativa de mobilizar os colegas senadores da CPI da Covid e vamos reunir as provas dos crimes cometidos por Bolsonaro, que não tem mais como se esconder por trás do foro privilegiado. A justiça será feita. A gestão irresponsável na pandemia não passará impune — afirmou o senador Humberto Costa nas redes sociais.
O relatório final da CPI, apresentado em outubro de 2021 pelo relator, senador Renan Calheiros (MDB-AL), acusou formalmente o então presidente Jair Bolsonaro de ter cometido nove crimes: prevaricação; charlatanismo; epidemia com resultado morte; infração a medidas sanitárias preventivas; emprego irregular de verba pública; incitação ao crime; falsificação de documentos particulares; crime de responsabilidade e crimes contra a humanidade.
O senador Luis Carlos Heinze (PP-RS), que sempre se opôs ao chamado “núcleo duro” da CPI da Pandemia e promoveu a defesa das ações do governo federal no enfrentamento à covid-19, contesta essa nova movimentação por parte de alguns senadores:
— Depois de uma eleição controversa, com negativa de diversos pedidos de investigações sobre o sistema eleitoral e aplicação de censura, querem tornar Bolsonaro inelegível! Não existe elemento que possa sustentar essa denúncia, é um absurdo!” — rebateu Heinze.
Ao se declarar o único senador independente da CPI da Pandemia, Eduardo Girão (Podemos-CE) afirma que essa proposta de levantar documentos é "muita desfaçatez, visto que todos perceberam que a CPI foi um palanque eleitoral visando apenas antecipar a disputa presidencial de 2022 para 2021, com o objetivo de desgastar unicamente o governo federal".
— Tanto é verdade que além de a cúpula da CPI ter abraçado “de corpo e alma” a campanha do Lula no ano passado, na época da CPI eles blindaram apenas os governadores e prefeitos da investigação de desvios de verbas públicas (corrupção) quando tínhamos indícios fortes. Só eu entrei com dezenas de requerimentos nesse sentido, alguns negados e outros que nem sequer colocaram para votar. A CPI infelizmente foi zero na busca pela verdade e 100% politiqueira — afirmou.
Entenda o caso
Cópia do relatório final da CPI da Pandemia foi entregue em mãos pelos senadores ao então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luiz Fux, no dia 28 de outubro de 2021. Um dia antes, eles também estiveram com o Procurador-Geral da República, Augusto Aras. O documento foi distribuído ainda para órgãos do Ministério Público, Tribunal de Contas da União (TCU) e outros órgãos previstos na legislação para que fossem promovidos os devidos encaminhamentos.
Nas questões em que havia autoridades com foro privilegiado, a PGR solicitou ao STF para instaurar investigações preliminares. Em janeiro de 2022, o Ministério Público Federal (MPF) informou que desmembrou em 12 apurações a investigação a partir do relatório final da CPI da Pandemia. No mesmo período, Augusto Aras e o procurador Claudio Drewes José de Siqueira encaminharam ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, ofício em que comunicaram a "autuação de notícia de fato". Caberia então à PGR apurar e, se fosse o caso, oferecer denúncias contra os investigados.
Mas, em julho de 2022, a PGR deu início a pedidos de arquivamento de investigações contra o presidente Jair Bolsonaro, o que foi contestado por um grupo de senadores que integravam o colegiado. Eles apresentaram uma petição ao STF, solicitando aos ministros que desconsiderassem o pedido feito pela PGR e promovessem ação contra o presidente para apurar denúncias feitas pela CPI no relatório final.
— A Advocacia do Senado entrou com um pedido no STF, informando que havia ainda um procedimento de indexação das provas, de estudo das provas, porque era muita coisa, vários documentos digitais que não foram processados devidamente. E havia no Senado um processo para verificar essas provas e fazer a correlação delas com as imputações dos indiciamentos do relatório final — diz o coordenador do núcleo de processos judiciais da Advocacia do Senado, Edvaldo Fernandes da Silva, responsável por coordenar a representação judicial e a assessoria jurídica da CPI da Pandemia.
Alguns processos que estavam com o ministro Ricardo Lewandowski já foram arquivados, mas há procedimentos em aberto com a ministra e presidente do Supremo, Rosa Weber, com o ministro Luís Roberto Barroso e a ministra Cármen Lúcia.
Como o ex-presidente da República Jair Bolsonaro e seus ministros de Estado que motivaram a fixação do foro no Supremo perderam essa condição privilegiada, os processos devem ser encaminhados automaticamente à primeira instância.
— O Supremo já faz esse encaminhamento, mas nós podemos pedir o desaforamento dos processos para acelerar. Se os senadores determinarem esse pedido de desaforamento, para as suas remessas à primeira instância, a Advocacia do Senado vai fazer a solicitação — explica o coordenador.
A Advocacia do Senado representou, por exemplo, contra Bolsonaro em razão de ele ter feito uma associação das vacinas anticovid com propagação da AIDS. Foi aberto inquérito e recentemente houve a conclusão pela Polícia Federal de que sim, houve cometimento de crime.
— Nesse caso agora, certamente esse relatório da PF vai ser remetido para a primeira instância e o juiz de primeiro grau vai adotar as providências que achar cabíveis.
Agência Senado
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