Ex-presidentes da República, ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e cientistas políticos defenderam fortemente, durante um evento em São Paulo nesta sexta-feira (6), o estado democrático de direito e o sistema eleitoral brasileiro.
O encontro, transmitido pela internet, foi no Insper, faculdade e centro de pesquisas na capital paulista. Todos os debatedores passaram por testes de Covid e, por isso, não precisaram usar máscaras. E respeitaram o distanciamento.
O seminário foi marcado pelo debate sobre medidas para melhorar a governabilidade do país. Foram várias sugestões e algumas opiniões em comum. Entre elas, o consenso de que é preciso trabalhar para evitar desgastes entre as instituições.
Os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e Michel Temer criticaram os ataques feitos pelo presidente Jair Bolsonaro ao Supremo Tribunal Federal e ao sistema eleitoral brasileiro. E reafirmaram a necessidade do compromisso com a democracia.
"Acho lamentável que o presidente ataque instituições, quaisquer que elas sejam, mormente em se tratando das instituições que ele criticou, que merecem o nosso respeito. Eu não vejo que haja um movimento na sociedade brasileira que favoreça tal posição. Eu acho que ele está se isolando e está demonstrando muito ímpeto autoritário e não é, imagino que não seja, esse o sentimento real da maioria dos brasileiros", afirmou Fernando Henrique Cardoso.
"Reitero, não conheço o presidente Bolsonaro, mas, se ele expressou esse sentimento, ele está equivocado. Tem que expressar o sentimento da Constituição e da maioria do povo brasileiro. A legalidade democrática impõe. Eu acho que qualquer tentativa de ir contra a legalidade, eu estarei contrário. Claramente contrário. Abertamente contrário", completou o ex-presidente.
"Não pode haver desarmonia entre os poderes. Esse ataque ao Supremo Tribunal Federal, ataque ao Legislativo, significa uma tentativa de desarmonizar. E a desarmonia é inconstitucional, isso não pode acontecer. [...] Desde o presidente da República até todos os demais têm que obedecer o que a soberania popular expressou por meio da Constituição. Portanto, são todos escravos da Constituição. Não pode haver um ataque dessa natureza porque, a meu ver, como disse o presidente, há uma irregularidade legal, inconstitucional", declarou o ex-presidente Michel Temer.
O ex-presidente José Sarney não participou do encontro, mas enviou espontaneamente um vídeo para a TV Globo, defendendo a democracia.
"Quero reafirmar meu compromisso permanente com a democracia porque ele está registrado em fatos e não em palavras. Eu conduzi a restauração democrática, a transição, convocando e garantindo a assembleia constituinte e a implantação da Constituição de 1988. Portanto, nós devemos cada vez mais ter confiança no regime democrático, aquele que Lincoln tão bem definiu como o governo do povo, pelo povo e para o povo", disse Sarney.
Ministros do STF
Também participaram do seminário três ministros do Supremo Tribunal Federal: o decano, Gilmar Mendes; Alexandre de Moraes; e Luís Roberto Barroso, também presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Gilmar Mendes ressaltou que o Brasil escolheu, de maneira legítima, o modelo democrático constitucional, com poderes harmônicos e independentes.
"Estamos vivendo o mais longo período de normalidade democrático-institucional, pelo menos desde a vida republicana começada em 1889, e isso me parece um mérito inegável da Constituição de 1988, me parece que esse é um dado inegável que precisa ser valorizado. [...] A sociedade brasileira valoriza e fez uma opção clara pelo modelo democrático constitucional, que significa não apenas a liberdade de voto, a liberdade de escolha de seus líderes, mas também a parametrização pelo aquilo que chamamos dos ditames do Estado de Direito [...] e a ideia é de poderes independentes e harmônicos", declarou Gilmar Mendes.
O ministro Barroso fez uma defesa do sistema eleitoral brasileiro. E lembrou que esse sistema tem o apoio de ex-presidentes, entidades de classe e do próprio STF.
"Todos os ex-presidentes assinaram no final de semana passado a nota de defesa do sistema eletrônico, explicando por que éramos contra o voto impresso, 15 pessoas assinaram. Inúmeras entidades de classe apoiaram. No Tribunal Superior Eleitoral, houve um inquérito administrativo, pedido pelo procurador-geral e aprovado pelo pelo do Tribunal Superior Eleitoral. Houve a representação com notícia-crime contra o presidente da República para o inquérito das fake news aprovada por unanimidade do Tribunal Superior Eleitoral", afirmou Barroso.
"Portanto, não sou eu, são todas as pessoas que participam do processo que atestam sua autenticidade. De modo que essa obsessão por mim não se justifica e, sobretudo, não é correspondida", completou Barroso.
O ministro Alexandre de Moraes rebateu os ataques ao sistema de votação com urnas eletrônicas.
"As pessoas falam às vezes sem nenhum conhecimento de causa, sem nunca ter acompanhado uma eleição, não fazem a mínima noção do que estão dizendo, nunca viram o que é uma eleição e pior: se nós formos pegar os maiores defensores do atraso, são aqueles que se elegeram pela modernidade. Ou seja, salvo a vontade de proliferar esse discurso de ódio, raivoso, não há racionalidade no que vem sendo dito", declarou Moraes.
"São três termômetros para a democracia: imprensa livre, Poder Judiciário independente e eleições realizadas periodicamente com voto universal secreto. A imprensa no Brasil é livre, o Poder Judiciário é independente, o que não significa que não apanhe todo dia, os independentes também apanham, mas apanham e reagem dentro da Constituição. Tivemos eleições no ano passado e teremos no ano que vem. Não acho que bravatas levem a golpe. Acredito fielmente nas instituições e que nós vamos continuar consolidando nossa democracia", completou Moraes.
Nas considerações finais, o ministro Luís Roberto Barroso afirmou: "Estão aqui três ministros que pensam diferente a respeito de muitos temas, votamos diferentes, mas tem um tema que nos une profundamente, que é o amor ao Brasil e a defesa da democracia. E, nesta matéria, o Supremo Tribunal Federal age com unanimidade e não há nenhum perigo de nós não estarmos do lado certo nesta disputa."
G1
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