Quando em fevereiro de 2013, Bento XVI tornou-se o primeiro a renunciar ao posto de chefe da Igreja Católica em mais de seis séculos, prometeu também, na nova condição de papa emérito, manter-se escondido do mundo. Retirou-se da vida pública para viver num monastério, dentro do Vaticano, assegurando numa entrevista: “Há um papa e ele é Francisco”.
A realidade vem se mostrando diferente da teoria. Pela segunda vez, no entanto, Bento XVI adentrou no pontificado de Francisco, manifestando opiniões que contrastam com as do papa. No livro “Do fundo de nossos corações”, que escreveu com o cardeal conservador Robert Sarah, ele faz uma defesa apaixonada do celibato do clero na Igreja Católica. Aponta o casamento como um rito incompatível com o sacerdócio.
“O celibato tem grande significado e é verdadeiramente essencial, pois o caminho de um sacerdote para Deus se torna o fundamento de sua vida. "O chamado para seguir Jesus não é possível sem esse sinal de liberdade e renúncia a todos os compromissos. O celibato deve penetrar, com seus requisitos, em todas as atitudes da existência."
Trechos do livro foram publicados pelo jornal “Figaro” justamente quando Francisco está para tomar sua decisão em resposta ao Sínodo dos Bispos para a Região Amazônica, realizado em outubro. O encontro sugeriu ao papa que permita a ordenação de homens mais velhos casados nos locais remotos que carecem de sacerdotes.
O próprio Francisco, numa entrevista no início do ano passado, manifestou dúvidas sobre a ausência de padres em regiões inabitadas e disse que é necessário pensar nos fiéis. Referiu-se ao celibato, uma prática existente há 800 anos na Igreja Católica, como uma tradição e não como uma doutrina.
Chefe do escritório litúrgico do Vaticano e co-autor do livro, o cardeal guineense Robert Sarah demonstra clara discordância com o papa e alega que não se pode oferecer aos fiéis o que define como “sacerdotes de segunda classe”.
“A possibilidade de ordenar homens casados representaria uma catástrofe pastoral, uma confusão eclesiástica e um ofuscamento na compreensão do sacerdócio”, ponderou Sarah.
No ano passado, o papa emérito agiu de forma parecida, publicando uma carta de seis mil palavras em que responsabilizava o escândalo de abuso sexual da Igreja à secularização do Ocidente e à revolução sexual da década de 1960, entre outros fatores.
Os dois papas têm demonstrado a boa convivência em imagens afetuosas registradas em quase sete anos de encontros. A questão é saber até que ponto Bento XVI, que optou pela aposentadoria, levanta agora, aos 92 anos, a bandeira da ala tradicionalista da Igreja Católica para tentar influenciar as decisões de Francisco. Esta suposta interferência empurra definitivamente o filme “Dois papas”, atualmente em cartaz, para o abismo da ficção.
Reuters
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