Quatro dias após os ataques de bolsonaristas que depredaram a Praça dos Três Poderes, em Brasília, 46 deputados americanos do partido Democrata enviaram carta ao presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, na qual pedem que o governo do país tome medidas para que o território americano não seja usado como "refúgio" pelo ex-mandatário brasileiro Jair Bolsonaro, a quem os parlamentares conectam à invasão do Palácio do Planalto, Congresso e Supremo Tribunal Federal (STF) no domingo (8/1).
"O ataque ilegal e violento em 8 de janeiro contra as instituições do governo brasileiro foi construído sobre meses de invenções pré e pós-eleitorais do Sr. Bolsonaro e seus aliados, alegando que a eleição presidencial de 30 de outubro havia sido roubada", afirmam os parlamentares a Biden, exortando o presidente a "cooperar totalmente" com o Brasil para esclarecer o papel de Bolsonaro no episódio. A carta foi enviada na noite de quarta-feira (11/01).
Bolsonaro está na Flórida desde o dia 30 de dezembro. Ele deixou o Brasil em um voo das Forças Armadas Brasileiras sem passar a faixa ao sucessor, Luiz Inácio Lula da Silva, e entrou nos EUA antes do fim oficial de seu mandato, possivelmente de posse de passaporte e visto diplomáticos - concedidos a chefes de Estado.
Bolsonaro costuma repetir que sempre jogou dentro das "quatro linhas da constituição" para refutar acusações de envolvimento com atos violentos. Sobre os atos de domingo, ele disse que "fugiam à regra" pela violência. Após os distúrbios de domingo, porém, o ex-presidente chegou a compartilhar em redes sociais um vídeo que dizia que Lula "não foi eleito", e sim "escolhido pelo STF e pelo TSE".
Depois de uma breve internação nos EUA por causa de uma obstrução intestinal, Bolsonaro disse à CNN que pretende voltar ao Brasil "nos próximos dias". Antes, o plano, segundo ele, era ficar até o final de janeiro nos EUA.
Nesta quarta (11/1), o secretário de Estado americano Anthony Blinken afirmou que o Brasil não solicitou formalmente cooperação para investigação nem entrou com pedido para extradição de Bolsonaro.
Revogação do visto
"O Sr. Bolsonaro voou para a Flórida antes do final de seu mandato (…) e estamos preocupados com os relatos de que ele atualmente reside em Orlando. Os EUA não devem dar abrigo a ele ou a qualquer autoritário que tenha inspirado tamanha violência contra as instituições democráticas. (…)", recomendam os parlamentares americanos, na carta a qual o Washington Post e a BBC News Brasil tiveram acesso.
Os legisladores prosseguem, pedindo que Biden revogue o visto diplomático americano de Bolsonaro.
"Segundo nosso entendimento, já que o Sr. Bolsonaro entrou nos Estados Unidos quando ainda era presidente do Brasil, ele pode ter feito isso com um visto A-1, que é reservado para indivíduos em visitas diplomáticas ou oficiais. Como ele não é mais o Presidente do Brasil e tampouco exerce atualmente o cargo de oficial brasileiro, solicitamos que reavalie sua situação no país para verificar se há base legal para sua estada e revogue qualquer visto diplomático que ele possa possuir", dizem os parlamentares.
A recusa de Bolsonaro em participar da transferência de poder, as inúmeras acusações sem provas de fraude eleitoral e seus ataques a membros do STF são listados pelos parlamentares americanos como indícios de que ele esteve por trás das cenas de destruição na capital federal no último domingo.
Na carta a Biden, os parlamentares pedem que o presidente coloque o FBI, a polícia federal americana, para investigar se e como os ataques à Praça dos Três Poderes foram planejadas em território americano. E que responsabilize legalmente possíveis mentores e financiadores dos atos em Brasília que estejam baseados na Flórida.
Bolsonaro é aliado próximo ao ex-presidente Donald Trump e a alguns de seus principais assessores, como Steve Bannon e Jason Miller.
As imagens dos ataques em Brasília, estampadas na capa dos principais jornais americanos, remetem os americanos à memória da invasão ao Capitólio por trumpistas em 6 de janeiro de 2021. O episódio, ocorrido no momento em que o Congresso dos EUA certificava a vitória de Biden, é considerado uma ferida aberta no país que se orgulha de ser a democracia mais antiga do planeta. Cinco pessoas morreram e centenas foram presas e respondem a processo - ou já estão condenadas - pelos atos.
'Conhecemos em primeira mão o impacto'
"Dois anos atrás, os EUA enfrentaram um ataque semelhante à nossa democracia. Conhecemos em primeira mão o impacto — imediato e de longo prazo — quando funcionários do governo subvertem as normas democráticas, espalham desinformação e fomentam o extremismo violento", escreveram os deputados na carta.
Após os ataques, Biden telefonou a Lula para expressar apoio e convidou o colega brasileiro a visitar a Casa Branca em fevereiro. O ex-presidente dos EUA Bill Clinton também telefonou a Lula e Barack Obama foi às redes sociais dizer que o sucesso da democracia no Brasil importa ao mundo todo.
A carta é a formalização de um mal-estar que circula entre a base democrata no Congresso o último domingo. A missiva foi liderada por Joaquín Castro, representante sênior da minoria democrata no Comitê de Hemisfério Ocidental da Câmara. À CNN americana, Castro disse no começo da semana que "os EUA não deveriam ser um refúgio para o autoritário que inspirou terrorismo doméstico no Brasil".
Outros colegas de Castro também vieram a público se posicionar. Uma das estrelas jovens e da ala mais esquerdista do partido, a deputada Alexandria Ocasio-Cortez, conhecida como AOC, parte da ala mais à esquerda dos democratas, tuitou: "Os EUA devem deixar de dar guarida a Bolsonaro".
Mas mesmo figuras tidas como moderadas, como o deputado Gregory Meeks, assinaram a declaração a Biden.
A carta que pede revogação do visto de Bolsonaro e investigação pelo FBI tem uma dupla função: expressar eventuais sentimentos da Casa Branca que, politicamente, seriam sensíveis demais para a administração admitir em público e indicar ao governo Biden o que sua base congressista deseja ver acontecer.
Nesta quarta (11/1), 35 deputados americanos e 39 brasileiros divulgaram uma declaração conjunta na qual afirmam que "atores autoritários e antidemocráticos da extrema direita" agem em conluio para atacar as democracias do Brasil e dos EUA.
"Não é segredo que agitadores da extrema direita no Brasil e nos EUA estão coordenando esforços", escrevem os parlamentares, citando encontros o deputado federal Eduardo Bolsonaro, filho do ex-presidente, e de ex-assessores de Donald Trump, como Jason Miller e Steve Bannon, que "encorajaram Bolsonaro a contestar os resultados das eleições no Brasil". A declaração foi costurada pelo Washington Brazil Office.
Os americanos acompanham de perto a movimentação política no Brasil. Antes da posse de Lula, os democratas fizeram uma articulação para destravar a nomeação da nova embaixadora americana no Brasil, Elizabeth Bagley, após quase dois anos sem representante de mais alto nível em Brasília.
Em setembro, poucos dias antes do primeiro turno, o Senado dos EUA aprovou resolução na qual recomendava que a Casa Branca reconhecesse o resultado do pleito tão logo ele fosse anunciado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Biden levou menos de 40 minutos para parabenizar Lula. A mesma resolução recomendava rompimento das relações bilaterais em caso de golpe militar no Brasil.
BBC
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