Novembro 24, 2024

Brasileira que mora no Equador relata impacto da pandemia: 'Vi crianças pegando comida no lixo de minha casa'

A carioca Clezes Lima de Matos vivia em Atuntaqui, a mais de 500 km de Guayaquil, epicentro da pandemia provocada pelo novo coronavírus no Equador. Apesar de mais tranquila a situação na sua cidade, ela decidiu pegar o voo de repatriação ao Brasil que deixa Quito, capital do país, nesta sexta-feira (24), com as duas filhas.

“Acabei absorvendo a tristeza dos outros. Já estava ficando depressiva, chorava muito. Não cheguei a passar muitas dificuldades, mas vi as crianças irem no meu lixo procurar comida. E eu com duas meninas em casa. Nem comer estava conseguindo mais. É muita tristeza”, contou ao G1.

Em fevereiro, seu marido, que é equatoriano, veio para o Brasil e a costureira ficou sozinha com as duas filhas – a mais nova de apenas sete meses e a outra, uma menina que tem asma. Em meados de março, o governo determinou a quarentena e a “situação complicou”.

A pandemia pegou o país, que é produtor de petróleo, com os cofres vazios e intensificou a crise econômica, afetando severamente os mais pobres.

“Estão abusando muito no preço da comida. Como não tem emprego e as pessoas não estão sendo ajudadas, fica difícil”, afirmou a brasileira, que participava de uma associação local de moradores.

A costureira conta que em Atuntaqui já há casos confirmados e muita gente vem de Ibarra, onde existem mais casos de infectados, sem que haja nenhum tipo de fiscalização.

“Eles estão dando alta para as pessoas que ainda estão doentes e elas não estão ficando em casa. Eu mesma vi. Trouxeram para casa um rapaz com máscara, que não estava recuperado ainda. Pouco tempo depois, ele estava saindo de moto. Tudo bem que estava usando máscara, mas imagino que deveria ficar em casa. Essa má fiscalização fez o vírus se propagar tanto”, afirma.

Clezes acredita que a situação da sua família será melhor no Brasil. “Vim para o Equador para dar uma qualidade boa de vida para minhas filhas, mas estou voltando porque tenho medo. Imagino que as coisas vão piorar mais. Sei que no Brasil não está fácil, mas é muito diferente”, avalia.

Viajante em Guayaquil
Com 17,5 milhões de habitantes, o Equador é o segundo país latino-americano com mais casos de Covid-19, ficando atrás apenas do Brasil. Oficialmente, o país registra mais de 22 mil casos de infecção e 560 mortes por complicação da Covid-19. No entanto, a falta de testes faz com que a subnotificação seja elevada. Existe a suspeita de que 1.028 pessoas tenham morrido por causa da doença, mas elas não passaram por testes.

A província equatoriana mais atingida, Guaya, registrou nos primeiros 15 dias de abril 6.703 mortes – 5,7 mil a mais do que normalmente são registradas por quinzena. As causas dessas mortes não foram divulgadas pelas autoridades locais.

Guayaquil, a capital de Guayas, enfrenta o colapso hospitalar e funerário mesmo antes da pandemia ter chegado ao seu ápice. Uma mochileira maranhense de 23 anos, que pediu para não ser identificada, ficou horrorizada com os relatos de corpos abandonados nas ruas da cidade.

Em situação irregular, ela não conseguia mais trabalhar por causa da quarentena, que inclui um toque de recolher de 15 horas diariamente, e acabou precisando de ajuda da família para conseguir chegar a Quito e conseguir um lugar no voo de repatriação.

“Não estava conseguindo comer bem por causa dessa crise. Quis voltar porque tive medo de morrer longe da minha família num país que estava tratando os mortos daquele jeito”, afirmou a mochileira, que já estava morando há seis meses no Equador.

Ela diz que bem perto de onde estava hospedada um corpo ficou seis dias dentro de uma casa até que alguns usuários de drogas aceitaram "dar um fim nele" em troca de dinheiro.

A mochileira afirma que no centro da cidade é que “as coisas estavam feias”.

“Quando o governo começou a recolher os corpos, colocaram em um contêiner. É certo que vão queimar todos de uma vez. Não vai ter um funeral bonito como o governo afirmou que ia ter.”

Sem documentos para viajar
O músico mineiro Dan Magell, que atualmente mora em Cuenca, foi pego de surpresa pela quarentena durante a viagem que fez para visitar o filho em Ibarra, no norte do país. “No dia 14 de março, vim passar o aniversário do meu menino e já não pude regressar. Acabei ficando 35 dias no apartamento que aluguei”, conta.

Um amigo o avisou sobre o voo desta sexta, mas ele não estava com os documentos originais necessários para embarcar. “Vim para Ibarra só com minha cédula de estrangeiro. Então consegui que me enviassem fotos dos documentos, que enviei para a embaixada”, conta.

Ele foi obrigado a pagar US$ 80 em um táxi até Quito – trajeto de pouco mais de 100 km que costumava fazer de ônibus por apenas US$ 3. Foi necessário um salvo conduto para se deslocar até Quito.

No início de março, o músico, que costuma passar alguns meses do ano na Europa, recebeu a notícia de que os festivais de verão em que ia tocar em Bruxelas, na Bélgica, e no sul da França, foram cancelados. Com o agravamento da situação no Equador, todos os shows que estavam previstos até o meio do mês de maio também foram suspensos.

Ibarra, que tem pouco mais de 130 mil habitantes, está “parada”, segundo ele. “Estão levando à risca a prevenção. Estão se cuidando bastante. Estão precavidos. Penso que até em excesso. O pessoal está neurótico”, afirma. Mas o músico garante que não se descuida: “Quando saio, coloco máscara, levo álcool gel, tento me manter longe das pessoas”.

Dan Magell diz que aproveitou a quarentena para compor. “O fato de não poder sair não significa que estou inativo. Não estou falando de coronavírus, não. A música que compus fala que nascemos com o espírito livre. Uso metáforas para os sonhos que a gente mescla nesse momento”.

“Também já fiz duas lives mandando energia positiva para o pessoal. Tem que cuidar do planeta, tem que cuidar do outro, sempre. Tem que seguir acreditando que as coisas vão melhorar”.

G1
Portal Santo André em Foco

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