Superando os ranços da vida
Cada pessoa tem sua história de vida e convivência. Há o que faz parte da existência pessoal e herdamos gratuitamente, sem a nossa intervenção. Na raiz a vida pessoal é sempre um dom daquele que nos pensou. O profeta Jeremias confirma esta realidade primeira quando diz: “Antes de formar-te no seio de tua mãe, eu já te conhecia, antes de saíres do ventre, eu te consagrei...” (Jr 1,5).
Na medida em que vamos crescendo e tomando consciência, também vamos percebendo que o dom recebido vai nos chamando à responsabilidade e à corresponsabilidade. O amor criador do Pai não seria amor se fosse paternalista e nos tirasse a responsabilidade e a corresponsabilidade da vida. Se o risco do amor de Deus é nos criar livres, o risco de nosso viver é o assumir ou não a nossa responsabilidade.
Neste caminho de relações de responsabilidades e corresponsabilidades da vida, nem tudo vai acontecendo do melhor modo. Certamente existem muitos acertos e êxitos, mas também tantos erros e fracassos. Não tarda no ser humano, que vai avançando em idade, o surgimento de mecanismos de acomodação e autodefesa. Geralmente, estes reagem e se protegem com acusações. Eu me defendo acusando os outros, os fatos, a história etc.
Na medida em que vou colecionando “ranços do passado”, para me justificar e me proteger, vão se avolumando agressividades, insatisfações e azedumes. Numa das homilias, na Casa Santa Marta, o Papa Francisco fala dos cristãos que parecem pimentões em conserva de vinagre. Esses humanos colecionadores de ranços impedem a comunicação do evangelho da alegria e, dificilmente alguém procura conviver com esses tipos. A vida não anda de ré, mas é um projeto para frente.
Se na estrada da vida encontramos trechos acidentados e complicados não resolvemos a viagem nos fixando no retrovisor, mas olhando em frente e reunindo energias de esperança para prosseguirmos e chegarmos bem. Se existe um nobre atestado de envelhecimento, sua marca é “ternura”. Quem não se sente bem junto a um idoso, ou mesmo um enfermo carregado de ternura e gratidão?
Ao contrário, mesmo nas comunidades religiosas mais santas, qual delas faz questão de ter alguém sempre insatisfeito, em estado de permanente vômito de ranços de um passado mal resolvido? Então, como superar os ranços da vida? Se aqui na terra passou alguém com todas as razões humanas para colecionar ranços, teria sido Jesus Cristo. Desde sua encarnação até à cruz, sempre encontrou ameaças, rejeições, zombarias e negações. Porém, sempre seguiu o seu caminho sem ranços e com total liberdade e grandeza.
Quem de nós é herdeiro de uma história feita somente de êxitos? Quem de nós nunca falhou em sua liberdade responsável? Quem de nós nasceu num berço de ouro de pai, mãe, professores, formadores e amigos plenamente corresponsáveis por nós que nunca se enganaram? O melhor remédio para nossos ranços é a capacidade de perdoar a história e fazer o melhor com a luz da fé no futuro da vida que nos é dado.
Frei Luiz Turra
Pesquisa: Arimatéa Porto
COMECE O DIA FELIZ
Portal Santo André em Foco
Make sure you enter all the required information, indicated by an asterisk (*). HTML code is not allowed.