Nos últimos meses, a Paraíba tem sido palco de operações policiais, denúncia e flagrantes de corrupção envolvendo agentes públicos do Estado e de municípios. Nesta segunda-feira, 13, o Ministério Público do Estado denunciou o ex-governador Ricardo Coutinho (PSB) e mais 34 pessoas supostas de integrarem uma organização criminosa. Além disso, vereadores e prefeitos de cidades paraibanas foram presos recentemente por envolvimento em esquemas de desvio de dinheiro público.
No início da semana, a promotoria do Estado denunciou, além de Coutinho, o ex-senador Ney Suassuna (MDB), as deputadas estaduais Estela Bezerra (PSB) e Cida Ramos (PSB), a prefeita da cidade de Conde, Márcia Lucena (PSB), e mais 30 pessoas investigadas no âmbito da Operação Calvário. A organização, segundo o MP, era responsável por um esquema que utilizava Organizações Sociais (OS) prestadoras de serviços na Saúde e Educação do Estado para o desvio de verbas públicas. Coutinho chegou a ser preso no dia 20 de dezembro, mas foi solto no dia seguinte por determinação do ministro Napoleão Nunes Maia, do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
O atual governador, João Azevedo, também foi alvo de busca e apreensão. Segundo delação da ex-secretária de Administração da Paraíba Livânia Freitas, Azevedo recebia uma “mesada” de R$ 120 mil para bancar gastos pessoais e de sua campanha em 2018, com origem em propinas na ONG Cruz Vermelha, que atuou na gestão de unidades de saúde do Estado entre 2011 e 2018. A delatora também apontou repasses a deputados estaduais da Paraíba.
A defesa de Coutinho afirmou que a denúncia não tem provas “a não ser delações” e que o ex-governador não teve “qualquer aumento de patrimônio”. Já a assessoria do atual governador João Azevedo disse que “as despesas da pré-campanha e da campanha se deram de forma lícita e transparente”.
Para o promotor Octávio Paulo Neto, do Grupo de Atuação Especial contra o Crime Organizado (Gaeco) do MP da Paraíba, responsável pela investigação, o Estado foi um “ambiente de experimentação” de uma organização criminosa que buscou introduzir uma “gestão azeitada por atos de corrupção”.
“Isso tudo foi propiciado e catalisado pela opacidade dos contratos de gestão, que é uma reflexão que eu creio que todo o Brasil precisa fazer”, afirmou ao Estado o promotor, que considera que o modelo de gestão via Organizações Sociais, cerne do esquema revelado pela Calvário, “criou um ambiente propício para a corrupção”.
PSB evita comentar denúncia
A executiva nacional do PSB evitou comentar a denúncia contra Ricardo Coutinho. Procurado pelo Estado na terça-feira, 14, o partido informou apenas que está mantido o teor de nota emitida em dezembro – na ocasião em que foi decretada a prisão preventiva do político –, reiterando "a confiança na conduta" do correligionário.
"PSB reitera sua confiança na conduta do ex-governador Ricardo Coutinho e dos demais investigados e investigadas, na certeza de que uma apuração isenta e justa resultará no pleno esclarecimento das denúncias", dizia o texto assinado pelo presidente nacional da legenda, Carlos Siqueira.
Ricardo Coutinho é farmacêutico, integrou o movimento estudantil e foi dirigente sindical. Antes de se filiar ao PSB, em 2004, pertenceu ao PT, sigla a qual foi filiado desde o início dos anos 1990.
Foi eleito prefeito de João Pessoa, a capital paraibana, para dois mandatos consecutivos (em 2004 e em 2008), tendo renunciado durante o segundo para disputar o governo da Paraíba, nas eleições de 2010. Governou por dois mandatos, entre janeiro de 2011 e dezembro de 2018, e deu apoio decisivo para a eleição do sucessor, João Azevêdo, no primeiro turno. Apesar de Azevêdo ter sido o secretário de Infraestrutura durante quase toda a gestão de Coutinho, os dois romperam em 2019.
Após concluir o seu último mandato, Coutinho passou a ser diretor-presidente da Fundação João Mangabeira, entidade do PSB. O ex-governador também detém o controle do diretório estadual paraibano do PSB.
Disputa pelo diretório estadual. Em setembro, Ricardo Coutinho tornou-se o presidente do diretório estadual do PSB na Paraíba, enquanto João Azevêdo – já rival – assumiu a vice-presidência. Ambos foram nomeados pela executiva nacional para integrarem um diretório provisório, com prazo de 120 dias de duração, para que fosse realizada uma eleição do diretório definitivo.
“A decisão dada pela executiva nacional é uma solução pela unidade do partido, em reconhecimento ao prestígio das duas principais lideranças do PSB no Estado”, informou Siqueira por meio de nota na época.
Segundo o PSB nacional, o diretório permanente anterior havia se autodissolvido em agosto, com a renúncia de 51% de seus integrantes. Coutinho era presidente de honra enquanto Azevêdo era segundo secretário. O Estado apurou que ambos brigavam pelo controle do diretório.
Azevedo deixou a sigla no início de dezembro, duas semanas antes dele e de Coutinho serem alvo da Operação Calvário, deflagrada no dia 17 daquele mês. Os 120 dias de prazo terminaram na quarta-feira passada, 8, sem que as eleições fossem realizadas. Foi nomeado um novo diretório provisório, com aliados de Coutinho.
Pés de Barro
Já uma operação da Polícia Federal prendeu o prefeito da cidade de Uiraúna, João Bosco Nonato (PSDB), no final de dezembro, após um flagrante durante ação controlada da PF em um quarto de hotel mostrá-lo recebendo R$ 25 mil em propina, que seriam repassados ao deputado federal Wilson Santiago (PTB-PB), cujo gabinete foi alvo de busca e apreensão da PF.
A operação Pés de Barro apura suposto desvio de recursos de uma adutora no sertão paraibano. Segundo a investigação, a Coenco Construções, empresa responsável pela obra, pagou R$ 1,2 milhão em propinas a Santiago e R$ 633 mil ao prefeito, entre outubro de 2018 e novembro de 2019. O deputado foi afastado do cargo em dezembro pelo Supremo Tribunal Federal.
A PF também flagrou uma secretária parlamentar de Santiago recebendo duas remessas de R$ 50 mil de propina, pagos pelo empresário George Barbosa, o mesmo que aparece entregando dinheiro desviado ao prefeito João Bosco Nonato.
A defesa de Santiago afirmou que a Polícia Federal não apresentou provas que incriminasse o deputado e que “a ação controlada, as intercepções telefônicas, telemáticas e ambientais não dizem nada a respeito do deputado, somente ilações e conjecturas”.
Xeque-mate
Já no município de Cabedelo, na região metropolitana da capital João Pessoa, um esquema de corrupção na administração local acabou com a suspensão de 14 vereadores - 10 titulares e 4 suplentes. O operação da Polícia Federal em conjunto com o Gaeco do MP da Paraíba, batizada de Xeque-Mate, afastou os dez vereadores suspeitos de integrarem o esquema. Em dezembro de 2019, quatro dos vereadores suplentes que substituíam os afastados também tiveram de deixar o cargo por suposto envolvimento.
No entanto, os 14 parlamentares - que enfrentam processo de cassação na Câmara dos Vereadores local - permanecem recebendo o salário de R$ 8 mil referentes ao cargo. De acordo com o G1, desde abril de 2019, mais de R$ 1,5 milhão em salários foram pagos a vereadores afastados. A operação chegou a prender preventivamente o então prefeito de Capedelo, Leto Viana (PRP), que renunciou do cargo.
Natal Luz
Outro caso recente de ilicitudes envolvendo dinheiro público na Paraíba ocorreu em novembro do ano passado, quando 11 vereadores e um contador da Câmara Municipal de Santa Rita foram presos pela operação “Natal Luz”, do Gaeco do MP-PB, suspeitos de usarem dinheiro público em uma viagem a Gramado no Rio Grande do Sul.
'Práticas massificadas'
O promotor Octávio Paulo Neto afirma que essas práticas são “massificadas e antigas” e os controles “deficientes” do Estado efetuados pelo Tribunal de Contas propiciam esse “estado de coisas”.
“De fato os auditores assinalam as práticas contrárias à legislação e inadequadas do ponto de vista contábil ou orçamentário, mas como os conselheiros botam de baixo dos braços os processos e, egressos da política, dão os encaminhamentos de acordo com suas ideologias e partidos, as coisas se instalam com esse viés corrupto e a gente vivencia tudo isso no dia a dia”, disse o promotor.
Estadão
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