O presidente Jair Bolsonaro teve, até agora, o maior índice de rejeição de Medidas Provisórias (MPs) no primeiro ano de gestão desde o governo Lula. Das 24 MPs que tiveram a tramitação encerrada neste ano, metade foi rejeitada e a outra, aprovada. O índice, de 50%, é pior que do primeiro ano do governo Temer (29,5%) e de Dilma (20%).
Entre as Medidas Provisórias que caducaram estão a que proibia a cobrança da contribuição sindical na folha de pagamento do trabalhador, uma que dispensa governo de reter tributo na compra de passagens aéreas, uma que simplifica abertura e fechamento de empresas e outra que desobrigava empresas de publicar balanços financeiros em jornais. Ao todo, foram rejeitadas 12 das 24 MPs com prazo já expirado — outras 18 continuam tramitando.
O levantamento é de Gustavo Guimarães, pesquisador em direito público na Universidade de São Paulo (USP), e levou em consideração apenas MPs editadas pelo próprio presidente em seu primeiro ano de mandato. Não foram somadas, portanto, medidas editadas durante o governo Temer que perderam a validade em 2019. O recorte escolhido foi desde o início do governo Lula porque nesse período passou a valer a vedação à reedição de MPs, o que mudou sua tramitação.
Medidas “cruas”
O líder do MDB no Senado, Eduardo Braga (AM), lembra que, em diversos momentos, o Congresso negociou a rejeição das MPs com o governo, como no caso da NAV Brasil, estatal criada por uma MP do governo Temer — Bolsonaro havia editado uma MP revogando a de Temer, que caducou — e da negociação que vem acontecendo em torno da MP do contrato de trabalho verde e amarelo, que ainda está valendo.
— O Congresso tem exercido um protagonismo muito grande, e existem MPs que foram de forma muito crua para o Congresso. Houve uma construção muito curta, que fez com que o Congresso rejeitasse várias MPs. Em outras, o governo recuou.
Para o líder do governo no Congresso, Eduardo Gomes (MDB-TO), o ano no Legislativo foi “o mais vitorioso dos últimos 30 anos” por causa da aprovação da reforma da Previdência, e muitas das Medidas Provisórias caducaram em acordo com o governo:
— O ano legislativo foi absolutamente vitorioso. Em contraponto, na tramitação das MPs, embora muitas importantes tiveram sua aprovação concretizada, outras sofreram um processo de adaptação de forma e de conteúdo. A gente acredita que o segundo ano vai ser bem melhor.
Carlos Pereira, cientista político da Fundação Getúlio Vargas (FGV) do Rio de Janeiro, afirma que o governo optou por negligenciar as estruturas partidárias e congressuais e se relacionar diretamente com seus eleitores para exercer pressão nas votações. A estratégia, segundo ele, tem um prazo de validade:
— O grande problema é que essa estratégia vai criando progressivas animosidades com o Legislativo. Faz com que o Legislativo se sinta deixado de lado, ignorado e constrangido. A estratégia tende a ser bem-sucedida no curto prazo, mas, com o passar do tempo, o presidente vai desgastando e as derrotas com o Congresso passam a ser mais rotineiras.
Para Carlos Pereira, Bolsonaro se elegeu com um discurso de que formar uma coalizão é sinônimo de corrupção e “toma lá, dá cá”, o que impôs uma mudança na relação entre o Executivo e o Congresso neste ano.
No primeiro ano do governo Lula, que montou uma forte coalizão de partidos como uma base aliada no Congresso, 98,2% das Medidas Provisórias foram aprovadas. Em seu segundo mandato, esse índice caiu para 85,5%, taxa de aprovação que diminuiu ainda mais nos governos Dilma e Temer.
Uso desvirtuado
O recordista no número de MPs no primeiro ano de mandato é Lula, com 57 em 2003 e 69 em 2007. À época, o ex-presidente foi criticado pelo uso excessivo desse tipo de norma para legislar já que, segundo a Constituição, elas devem ser usadas só “em caso de relevância e urgência”. Bolsonaro editou 42 MPs em 2019, mesmo patamar de Dilma em 2015.
— Este governo possui baixíssima capacidade de articulação no Congresso Nacional, justamente em razão da ausência de uma base sólida parlamentar — diz Gustavo Guimarães, da USP, acrescentando: — Sem apoio consistente no Congresso, o Executivo, embora tenha plenos poderes para editar Medidas Provisórias, não consegue assegurar a aprovação posterior dessas proposições pelo Legislativo — completa.
Entre as Medidas Provisórias de Bolsonaro já aprovadas, algumas sofreram alterações, como a MP da reorganização dos ministérios, aprovada em maio. O Congresso impôs que a Funai voltasse ao Ministério da Justiça e que o ministro Sergio Moro perdesse o Conselho de Controle de Atividades Financeira (Coaf).
Na MP do Médicos pelo Brasil, o Legislativo inseriu a previsão de que médicos cubanos remanescentes no país possam ser reincorporados ao programa. A MP da Liberdade Econômica, por sua vez, foi aprovada vetando a previsão de que o trabalho aos domingos poderia contar como dia normal da semana. A proposta de taxar o seguro-desemprego na MP do contrato verde e amarelo deve seguir o mesmo caminho, já retirada do texto pelo relator em um acordo com o governo.
— Não havia chance de passar oneração sobre desempregado, e o governo teve que recuar — diz Eduardo Braga, líder do MDB.
O Globo
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