Documentos do Ministério da Defesa mostram que o governo cogitou incluir no pacote anticrime do ministro da Justiça, Sergio Moro, uma proposta mais ampliada da chamada excludente de ilicitude, para livrar de punição agentes de segurança responsáveis por mortes ou atos violentos durante ação policial. A sondagem a Moro foi feita no meio do ano, quando o pacote já estava enfrentando resistência de vários partidos na Câmara. Os documentos foram obtidos pelo GLOBO por intermédio da Lei de Acesso à Informação.
O próprio Moro se encarregou de desencorajar a iniciativa, sugerindo que o tema fosse tratado separadamente, o que acabou ocorrendo. Em novembro, o governo enviou projeto específico propondo a excludente de ilicitude para todos os agentes que participam de ações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO). Já há movimento de partidos dispostos a rejeitar a proposta.
Apresentado em fevereiro, o pacote anticrime de Moro continha uma versão da excludente que não agradou parlamentares. O ministro havia proposto que o juiz poderia reduzir a pena ou até mesmo absolver o acusado caso entendesse que o excesso de violência foi provocado por “escusável medo, surpresa ou violenta emoção”.
Em junho a Secretaria-Geral da Presidência da República (SGPR) enviou a Moro sugestões feitas pelo Ministério Público Militar com modificações ao Código de Processo Militar. A proposta do MPM continha previsão para considerar legítima defesa o caso em que o militar, durante um conflito armado ou diante de risco dessa situação, “previne injusta e iminente agressão” a ele ou a terceiros. O texto ainda autorizava a prisão após condenação pelo Superior Tribunal Militar (STM), seguindo o princípio defendido por Moro em relação à segunda instância. Outro ponto tratava da decretação da perda de patrimônio de militar vinculado a organização criminosa.
Um mês depois de consultado, Moro indicou que o tema deveria ser tratado com outra pasta, o Ministério da Defesa. Alegou que não era de sua competência tratar da legislação militar. Embora tenha elogiado a iniciativa, aconselhou o Planalto a não misturar essa proposta com o pacote anticrime. “Opina o subscritor pela inconveniência de apresentar as referidas propostas junto ao Projeto de Lei Anticrime, sem prejuízo, depois da análise necessária pelo Ministério da Defesa, que seja encaminhada posteriormente ao Congresso”, escreveu Moro em ofício enviado à SGPR.
Moro confirma sugestão
Procurado, Moro confirmou, por intermédio de sua assessoria, que recebeu a sugestão de incorporação do tema ao pacote anticrime. Segundo a assessoria, na época havia perspectiva de votação da matéria e avaliou-se que a inclusão “de última hora poderia gerar mais problema de tramitação”. Optou-se, então, por deixar deixar de fora a proposta e encaminhá-la posteriormente. Moro negou que tenha feito essa opção por considerar o texto polêmico.
Apesar da declaração do ministro, foi exatamente essa a expressão que o parecer do Ministério da Justiça usou sobre a proposta de legítima defesa. “Apesar de este ser um ponto polêmico, acredita-se ser uma medida importante por garantir uma maior segurança jurídica à atuação policial”, diz o parecer 84/2019.
Desde o início do governo Bolsonaro, o Ministério da Defesa vinha trabalhando num texto para assegurar que integrantes das Forças Armadas convocados para ações de GLO não fossem punidos por eventuais excessos. A ideia defendida pelo presidente Jair Bolsonaro em sua campanha começou a ser gestada no Ministério da Defesa ainda no primeiro mês de governo. No dia 14 de janeiro, o general de divisão Edson Ripoli, chefe de gabinete do ministro da Defesa, enviou às três Forças pedido para que elaborassem propostas sobre a excludente de ilicitude.
A Aeronáutica elaborou uma proposta prevendo que não haveria punição se o excesso ocorresse por “escusável surpresa ou perturbação de ânimo, em face da situação”. Já a Marinha defendeu a aprovação de mudanças na lei para impedir a prisão em flagrante ou indiciamento em inquérito policial do agente acusado de cometer um ato excessivo. Parecer da Marinha enviado ao Ministério da Defesa alertou, entretanto, para os riscos de se ampliar os casos de excludente de ilicitude.
“A retirada da possibilidade de punição em caso de excessos nos parece temerária, posto que daria ao agente uma ‘liberdade’ muito grande para cometer arbitrariedades, uma vez que teria afastada, de forma simplesmente normativa, qualquer possibilidade de punição quando exorbitasse os limites do razoável”, diz o parecer.
O Globo
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