O Supremo Tribunal Federal (STF) retoma nesta quarta-feira o julgamento sobre a legalidade do compartilhamento com o Ministério Público (MP) e a polícia, sem necessidade de decisão judicial, de dados em posse dos órgãos de controle. Além de definir quais são os limites para isso, os ministros vão ter que analisar outro ponto: se vão restringir o julgamento apenas aos dados da Receita Federal, ou se vão tratar também da Unidade de Inteligência Financeira (UIF), que é o antigo Coaf.
Na semana passada, apenas dois ministros votaram. O relator do processo e presidente do STF, Dias Toffoli, aplicou algumas restrições, principalmente à Receita. Já Alexandre de Moraes foi favorável a uma atuação com menos amarras. Ambos trataram tanto da Receita como do Coaf. Mas três ministros que não votaram ainda manifestaram desconforto com a possibilidade de a Corte julgar neste momento a legalidade do compartilhamento de dados do antigo Coaf: Rosa Weber, Marco Aurélio Mello e Ricardo Lewandowski.
O processo dizia respeito inicialmente apenas a dados da Receita. Mas em julho deste ano, a pedido do senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ), filho do presidente Jair Bolsonaro, Toffoli mandou paralisar as investigações baseadas não apenas em dados da Receita, mas também do antigo Coaf. Flávio é suspeito de ter participação na prática conhecida como "rachadinha", quando servidores de um gabinete devolvem parte dos seus salários ao parlamentar. Flávio nega participação na prática.
Na quinta-feira passada, sem antecipar posição, o ministro Edson Fachin destacou que, se a maioria dos ministros do STF restringir o julgamento à Receita, a consequência será a continuidade das investigações baseadas em dados do antigo Coaf. Esse é justamente o caso de Flávio Bolsonaro. Por outro lado, mesmo que isso ocorra, é preciso resolver outro ponto para que o processo de Flávio seja retomado. Com base na decisão tomada por Toffoli em julho, o ministro Gilmar Mendes deu outra, em setembro, também paralisando as investigações. Caindo a determinação de Toffoli, é preciso também que Gilmar revogue a sua.
— Isso (eventual restrição do julgamento aos dados da Receita) tem como implicação prática de imediato ou a reconsideração ou a revogação da tutela provisória deferida pelo senhor presidente e o prosseguimento de todas as investigações e os processos penais respectivos. Sobre isso irei me manifestar — disse Fachin na última quinta-feira.
No mesmo, em resposta aos questionamentos da ministra Rosa Weber, Toffoli justificou a inclusão do antigo Coaf no processo que originalmente dizia respeito apenas à Receita:
— A tese é o compartilhamento de informações entre as instituições. Na medida em que, assim como os bancos podem compartilhar com a Receita, se a Receita pode compartilhar os dados recebidos dos bancos com o Ministério Público. Ela também recebe e há outros expedientes que vão ao Ministério Público com dados fornecidos pela UIF, antigo Coaf.
O voto de Toffoli
O julgamento começou na quarta-feira, quando Toffoli deu um voto longo que confundiu os próprios ministros do STF. Na quinta, ele esclareceu os principais pontos. Se o seu voto prevalecer, os relatórios do antigo Coaf poderão ser compartilhados sem decisão judicial porque, mesmo contendo algumas informações específicas sobre movimentações consideradas suspeitas, preservam o sigilo financeiro. Nesse ponto, ele recuou em relação à liminar que concedeu em julho, que partia da premissa de que esses dados, se "detalhados", equivaleriam à quebra do sigilo bancário e, por isso, só poderiam ser compartilhados por meio de autorização judicial.
Por outro lado, o voto de Toffoli estabelece que as autoridades competentes, como o Ministério Público, podem pedir relatórios de inteligência financeira (RIFs) à UIF apenas de cidadãos contra os quais já haja uma investigação criminal ou um alerta emitido por unidade de inteligência.
No caso dos dados compartilhados pela Receita, Toffoli votou na quarta para impor uma restrição adicional ao trabalho do MP na condução dos procedimentos de investigação criminal (PICs). Segundo ele, ao receber uma representação fiscal para fins penais da Receita, o MP deve abrir um procedimento investigativo penal (PIC) e necessariamente comunicar isso à Justiça, para que haja supervisão judicial. Hoje, é comum o Ministério Público conduzir PICs sem autorização judicial. Na quinta, Toffoli repetiu esse ponto, mas esclareceu que ele não se aplica à UIF, apenas à Receita.
N caso da Receita, Toffoli também entende que os dados podem ser compartilhados apenas no caso de crimes contra a ordem tributária, contra a previdência social, descaminho, contrabando e lavagem de dinheiro. Além disso, não pode repassar sem autorização judicial a íntegra de documentos sobre os quais há sigilo, como a declaração de imposto de renda e extratos bancários.
O voto de Moraes
Segundo a votar, Moraes discordou de Toffoli e disse que não haveria impedimentos legais para que a Receita compartilhasse a íntegra de dados coletados por ela no âmbito de processos administrativos. Para ele, os documentos produzidos pela Receita Federal nesses processos devem ser considerados como prova lícita.
Quanto aos dados do antigo Coaf, Moraes disse que eles equivalem a peças de informação que chegam ao Ministério Público. A partir disso, o MP deve decidir o que fazer. Moraes não chegou a abordar um ponto mencionado por Toffoli em seu voto: se o MP pode pedir RIFs apenas de cidadãos contra os quais já haja uma investigação criminal ou um alerta emitido por unidade de inteligência.
O Globo
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