O presidente Jair Bolsonaro chega neste sábado à noite a Abu Dhabi , nos Emirados Árabes, na primeira escala de sua peregrinação pelo Oriente Médio — que continua no domingo em Doha, no Qatar, e na segunda em Riad, na Arábia Saudita —, com o desafio de desfazer mal-entendidos e incrementar uma carteira de investimentos que podem ser relevantes para a economia brasileira.
A decisão do governo de abrir um escritório comercial em Jerusalém , em vez de transferir a embaixada do Brasil para a cidade, pode atenuar o desgaste político que o anúncio feito ainda na campanha de Bolsonaro à Presidência trouxe na relação com os países árabes. No início do mês, o Itamaraty informou que não haverá nova mudança nessa questão.
— Há uma questão grave que foi esse possível movimento da embaixada em Israel. Isso criou um certo afastamento dos países árabes, que são importantíssimos para nosso agronegócio. É uma agenda prática de extrema importância para o Brasil — afirma Esther Solano, professora de Relações Internacionais da USP.
Exportações agrícolas
De acordo com o Itamaraty, o Brasil tem hoje uma carteira de 18 projetos do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) e procura investidores externos para bancar parte do custo de R$ 1,3 trilhão. O fundo soberano dos Emirados supera US$ 1 trilhão.
Os Emirados hoje são o segundo destino das exportações brasileiras no mundo árabe, principalmente de carne. Havia um temor de que a aproximação do governo Bolsonaro com Israel gerasse retaliações no setor agropecuário, que ainda não se concretizaram. A ministra, da Agricultura, Tereza Cristina, faz parte da comitiva e participará de encontros bilaterais.
Além da intenção de atrair investimentos e aumentar as exportações agrícolas, o Brasil tem interesses na área de defesa tanto nos Emirados Árabes quanto na Arábia Saudita , mas estes são mantidos em sigilo. Outro desafio para a diplomacia brasileira é deixar clara sua posição sobre o Irã , já que tanto os emiradenses quanto os sauditas trabalharam fortemente para que os EUA deixassem o acordo nuclear com o Irã assinado por Barack Obama em 2015. O acordo foi rompido pelo presidente americano Donald Trump em 2018, e as monarquias árabes cobram do Brasil uma posição contra o pacto, que à época foi aprovado pelo Conselho de Segurança da ONU.
As três monarquias sunitas que receberão a visita de Bolsonaro estão entre os principais aliados dos EUA no Oriente Médio — Washington tem bases nos Emirados e no Qatar, e soldados em solo saudita. No entanto, interesses locais, incluindo em relação ao Irã, provocaram um conflito econômico e diplomático entre emiradenses e sauditas, de um lado, e catarianos, do outro. Em meados de 2017, Abu Dhabi e Riad romperam relações com Doha, acusando o vizinho de apoio a Teerã e à Irmandade Muçulmana. Além disso, Abu Dhabi e Riad estão envolvidos diretamente no conflito do Iêmen , a maior crise humanitária da atualidade.
Antes de embarcar, o presidente sinalizou que não vai mencionar política ou o papel americano no Golfo Pérsico durante a viagem.
— Os EUA são um catalisador naquela região, mas a minha viagem é econômica, não é politica.
Jornalista esquartejado
O príncipe herdeiro da Arábia Saudita e governante de fato do país, Mohammad bin Salman, foi acusado, inclusive por relatores indicados pela ONU, de envolvimento no assassinato do jornalista dissidente Jamal Khashoggi , esquartejado quando buscava documentos na embaixada saudita em Istambul, há um ano. O caso bloqueou a intenção de Bin Salman de se apresentar ao mundo como um reformador, e países como a Alemanha cancelaram a venda de armas à monarquia.
Bolsonaro, no entanto, já se reuniu com Bin Salman durante a cúpula do G20 em Osaka, no Japão, em junho, e não se espera que o brasileiro trate do caso na visita. Para Daniel Damásio Borges, professor de direito internacional da Unesp, é preciso verificar se Bolsonaro manifestará apoio a medidas repressoras das três monarquias, no que diz respeito a direitos humanos e direitos das mulheres. Em julho, o Brasil votou com ditaduras árabes , entre elas as do Golfo Pérsico, em resoluções do Conselho de Direitos Humanos da ONU sobre direitos sexuais e femininos.
— É possível manter boas relações com esses Estados sem apoiar medidas retrógradas. É uma visita positiva, mas é preciso atenção, seja pela natureza autoritária desses países, seja pela posição que o presidente Bolsonaro assumiu nos últimos anos — diz Damásio.
O Globo
Portal Santo André em Foco
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