Um grupo de pesquisadores estudando a origem do óleo que está desaguando nas últimas semanas em praias do Nordeste trabalha com a hipótese de um navio afundado décadas atrás estar sofrendo novo vazamento. A teoria está sendo investigada pelo químico oceanógrafo Rivelino Cavalcante, da Universidade Federal do Ceará (UFC), que saiu em expedição nesta semana para coletar amostras a serem enviadas para o Instituto de Oceanografia de Woods Hole (WHOI), nos EUA, que vai investigar a composição do material.
— Queremos saber se esse óleo é extraído mais recentemente ou se é um óleo mais velho — explica o pesquisador.
Como a UFC não possui laboratório capaz de responder à questão, é o geoquímico Christopher Reddy, do WHOI, que vai se encarregar das análises.
— Esperamos poder dizer algo sobre a idade de extração desse óleo e sobre de onde ele foi extraído. O óleo do Brasil é muito distinto daquele da costa da Califórnia ou do óleo da Arábia Saudita — diz o americano.
Segundo ele, é “totalmente razoável” que essa liberação de óleo seja de um naufrágio:
— O fato de ser intermitente e fragmentado está em linha com algo como uma mudança recente no navio afundado que criou esse vazamento.
Borracha misteriosa
Um evento relativamente recente que acendeu a curiosidade dos cientistas foi o encontro de grandes pedaços de borracha em praias do Nordeste desde o fim do ano passado. O material foi identificado como sendo “fardos” de látex, forma típica que a indústria da borracha usa para transportá-los.
Carlos Teixeira, oceanógrafo da UFC, buscou registros de naufrágios no Atlântico e encontrou a localização de um navio alemão afundado em 1944, a 1.000 km do Recife, que estava transportando essa carga. Um dos fardos achados na Bahia indicava “Indochina Francesa” (atuais Camboja, Laos e Vietnã) como a origem do produto.
— Como a Indochina Francesa deixou de existir em 1953, creio que respondemos à pergunta sobre de onde veio essa borracha — diz Teixeira: — Esse navio alemão navegava "disfarçado" com o nome de SS Rio Grande, uma coisa comum durante a Segunda Guerra. A localização dele, bastante profunda, já é conhecida com precisão.
O pesquisador acreditava que o vazamento de óleo também viesse deste naufrágio, mas mudou de ideia: correu ontem na comunidade científica notícia extraoficial de que a Petrobras classificou o óleo como de extração recente, o que invalida a tese do naufrágio.
Apesar de Rivelino e Reddy estarem ainda apoiando a hipótese, Teixeira diz ter perdido o entusiasmo, porque confia nas comunicações informais que obteve. A Petrobras não se pronunciou sobre o assunto. A Marinha descartou a hipótese de naufrágio recente, mas não se pronunciou sobre a possibilidade levantada pela UFC.
Distribuição bate com naufrágio
Um fato curioso é que, numa simulação de correntes feita por Teixeira, partículas de óleo liberadas a partir da localização do SS Rio Grande teriam uma distribuição similar à do óleo visto agora nas praias do Nordeste. O pesquisador, cauteloso, diz que só retomaria essa linha de investigação diante de uma confirmação de que o óleo é de extração antiga.
Entre as hipóteses ainda não descartadas pela Marinha estão a de derramamento acidental, manobra de uma embarcação e troca de óleo entre navios. Os militares estão varrendo o registro do tráfego de navios na região. O presidente Jair Bolsonaro, em uma das entrevistas que deu sobre o assunto, afirmou que a Marinha identificou 140 navios que transitaram na área suspeita. Esta quantidade, porém, vem sendo afunilada pelos investigadores.
Woods Hole, por sua vez, diz que não está certo nem mesmo de que o material sendo recolhido é petróleo cru, como indicam alguns relatos.
— Estou em contato próximo com vários cientistas brasileiros que estão monitorando o derramamento e eles estão me mantendo atualizado, mandam fotos, vídeos – conta: — É difícil dizer pelas imagens, mas não me parece petróleo cru. Isso será facilmente verificado aqui quando tivermos as amostras. É possível que seja uma variedade diferente de combustível produzido em refinaria para uso em navios.
A UFC deve demorar ainda alguns dias para conseguir enviar as amostras para os EUA, mas Reddy diz que consegue produzir uma análise consistente em um único dia.
Pressa
O petróleo já contaminou 139 localidades, em 63 cidades dos nove estados do Nordeste, conforme o levantamento atualizado do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama). A contaminação inclui mais de uma centena de praias e a foz de rios como Subauma e Inhampube, segundo o monitoramento do Ibama.
O secretário de Meio Ambiente de Piaçabuçu (AL), Otávio Nascimento, diz que foi encontrado resquício do derramamento na foz do rio São Francisco. — O volume não foi grande, mas apresenta uma ameaça de contaminação. — A gente precisa entender qual foi o problema e o governo ainda não disse isso. Não recebemos uma ligação do ministro, uma fala de ajuda. Não sabemos se eles enxergam a gente no cenário de catástrofe ambiental que estamos.
O Globo
Portal Santo André em Foco
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