O projeto do governo federal de criar um Museu da Memória e dos Direitos Humanos, focado no período da ditadura militar, naufragou. A iniciativa foi lançada pelo ex-ministro da Justiça, Flávio Dino, durante viagem ao Chile em setembro de 2023, durante um evento para rememorar os 50 anos do golpe militar naquele país.
Segundo fontes do Ministério da Justiça e do Palácio do Planalto, o projeto não avançou e nem sairá do papel, uma vez que há uma decisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de não provocar atritos com os militares.
Ao anunciar o museu, Dino havia prometido que a pasta entraria com recursos para executar o projeto. “Nós devemos ao Brasil e vamos pagar essa dívida com a criação, no Brasil, de um Museu da Memória e dos Direitos Humanos. O ministro Sílvio [Almeida, dos Direitos Humanos], que aqui está junto com o Nilmário Miranda, assessor de Memória do Ministério dos Direitos Humanos, entram com os talentos e capacidade e o Ministério da Justiça entra com o capital para levar essa ideia adiante.”
Atos dos 60 anos do golpe
Lula também decidiu que o governo federal não irá realizar nenhum ato alusivo aos 60 anos do golpe militar de 1964. O Ministério dos Direitos Humanos havia planejado um ato em memória às vítimas no dia 1º de abril, com previsão de um discurso de Silvio Almeida, mas a ordem do presidente foi cancelar o evento.
Segundo fontes do Palácio do Planalto e do Ministério dos Direitos Humanos, o recado não foi dado diretamente por Lula, e sim pelo chefe de gabinete da Presidência, Marco Aurélio Ribeiro, que se reuniu com Silvio Almeida no dia 7 de março.
Havia a expectativa dentro da pasta de que houvesse uma reunião na semana passada entre Lula e o ministro para tratar do assunto, mas o encontro acabou não sendo realizado.
De acordo com interlocutores de Lula, a decisão de não realizar atos governamentais sobre o golpe de 64 vem de um acordo tácito feito pelo presidente com a cúpula militar: as Forças Armadas se comprometem a não realizar nenhuma manifestação para celebrar a data, como ocorria no governo de Jair Bolsonaro, e, em contrapartida, o governo não realiza nenhum ato crítico à ditadura.
Ainda segundo fontes próximas ao presidente, Lula trata essa posição como mais um gesto para conquistar a confiança da cúpula militar. Ele tem uma relação cada vez mais próxima com os comandantes militares, especialmente com o general Tomás Paiva, chefe do Exército.
Além disso, o presidente quer que o foco das atenções esteja na tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023, e não no regime militar.
Revolta na esquerda
A posição de Lula tem causado incômodo dentro do PT e de entidades ligadas às vítimas da ditadura. O deputado federal Rui Falcão (PT-SP), um dos amigos mais antigos e conselheiro de Lula, critica a posição do Planalto. “Não concordo com essa proibição de pessoas do governo de fazer declarações ou atos sobre o golpe. É um erro político e um erro histórico”.
Já o senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS) afirma que a atitude de Lula é correta e concorda com a tese do acordo tácito entre governo e Forças Armadas. “Não tem que ficar voltando ao passado, falando desse assunto. Nós cuidamos do nosso lado e o governo cuida do lado deles.”
Lula tem feito uma série de acenos aos militares para consolidar uma boa relação com a cúpula das forças. Esse movimento passa por encontros frequentes com a caserna, confraternizações com familiares dos militares e orçamento inflado, inclusive no PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), para as três forças.
Comissão de mortos e desaparecidos
Nesse mesmo sentido, auxiliares de Lula acreditam que dificilmente o presidente irá recriar a Comissão de Mortos e Desaparecidos na ditadura, extinta no final do governo Bolsonaro.
O decreto para a criação da comissão foi finalizado há um ano pelo ministro Silvio Almeida. A recriação teve parecer favorável dos ministérios da Justiça, Defesa, além da AGU (Advocacia Geral da União). Um dos interlocutores militares de Lula, o presidente do STM (Superior Tribunal Militar), Joseli Parente Camelo, tratou a recriação como algo “completamente desnecessário”.
Para auxiliares de Lula no Planalto, o presidente pode até recriar a comissão, mas não o fará nesse momento em que se relembra os 60 anos do golpe justamente para evitar atritos com os militares.
A Comissão de Mortos e Desaparecidos tem como tarefa identificar as vítimas das ossadas encontradas no cemitério de Perus, em São Paulo, e também na região Araguaia. Familiares de vítimas aguardam até hoje a exumação dos restos mortais.
g1
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