Sem farto lastro documental como outros acordos da Lava-Jato, a delação premiada do ex-ministro Antonio Palocci foi pivô de uma disputa entre Ministério Público Federal (MPF), que recusou o acordo por ver escassez de provas, e a Polícia Federal (PF), que assinou com o petista o termo de colaboração. Em busca de comprovar o que Palocci revelou em depoimentos e em materiais como o celular de seu motorista, a Polícia Federal já abriu dez inquéritos, deflagrou uma operação e estabeleceu um método diferente dos outros acordos da Lava-Jato: só serão definidos os benefícios do delator depois que ficar comprovada a eficácia da sua colaboração.
No último dia 23, quando foi às ruas a primeira operação baseada na delação de Palocci, a Polícia Federal apresentou à Justiça sua estratégia para tentar provar as declarações do ex-ministro, relatou as provas que já conseguiu colher e admitiu dificuldades para corroborar parte dos seus relatos.
Nesses documentos entregues à 13ª Vara Federal de Curitiba, o delegado da PF Filipe Hille Pace afirma que a delação de Palocci é um meio de produção de provas e frisa que não cabe somente ao delator apresentar documentos que comprovem os relatos, porque a polícia é o órgão responsável pela investigação.
Registros de reuniões
Um dos principais pontos de partida da PF é a análise de um antigo telefone celular do motorista de Palocci, Carlos Pocente, que foi entregue para perícia e contém registros de reuniões do ex-ministro com personagens delatados. Palocci também apresentou anotações antigas sobre esses acertos ilícitos, que, segundo a PF, “dão suporte comprobatório” às acusações do delator.
Em busca de fontes independentes de corroboração, os investigadores estão analisando os materiais apreendidos em fases anteriores da Lava-Jato, para encontrar dados e provas que possam confirmar as afirmações de Palocci, como trocas de mensagens e agendas de reuniões.
Essas análises estão focadas no material obtido em busca e apreensão contra o próprio Palocci, contra o ex-presidente Lula e o pecuarista José Carlos Bumlai.
Outro material usado como referência é a delação premiada da Odebrecht e a sua “planilha Italiano”, contabilidade clandestina da empreiteira para repasses feitos por ordem de Palocci. Com base nessa planilha, a PF está pedindo esclarecimentos de Palocci e do empreiteiro Marcelo Odebrecht para identificar destinatários de pagamentos de propina.
A PF, porém, admite dificuldade em obter certos tipos de provas, principalmente nos encontros e diálogos mantidos por Palocci sem testemunhas. “Obviamente que a colaboração será muito mais efetiva se, para além da prova testemunhal, o criminoso colaborador apresentar vasto e eficaz conjunto de corroboração das alegações. A ausência de muitas provas dificulta o trabalho investigativo”, apontou o delegado da PF.
Ele acrescenta que a natureza do crime também é responsável por criar esse tipo de dificuldade, uma vez que, “pela posição hierárquica e política do criminoso colaborador, alguns dos fatos cometidos por Antonio Palocci Filho só podem ser provados, diretamente, pelo seu testemunho”. Afinal, prossegue o delegado, “em crimes de corrupção envolvendo importantes personagens políticos e econômicos, a regra era a ocultação de qualquer registro que pudesse vir a ensejar a responsabilização criminal”.
PF x MPF
Rejeitada pelo Ministério Público Federal, que considerou insuficientes as provas apresentadas pelo então candidato a delator, a colaboração de Palocci se tornou símbolo de uma disputa de poder entre o MPF e a PF, porque os procuradores defendiam que a polícia não poderia assinar acordos de delação.
O assunto chegou até o Supremo Tribunal Federal (STF), que, em 20 de junho do ano passado, julgou que a PF tem autorização legal para assinar acordos de colaboração. Isso provocou uma corrida dos advogados em busca da PF para destravar a delação de seus clientes.
Após a recusa da Procuradoria no caso de Palocci, seus advogados então buscaram a PF de Curitiba e conseguiram assinar um novo modelo de delação, que prevê o oferecimento de benefícios penais apenas depois que os investigadores avaliarem a eficácia da colaboração. Até então, o MPF estabelecia previamente as penas a serem cumpridas pelo delator e os benefícios do acordo, mesmo antes de realizar as investigações.
Em meio a essa disputa de poder, provar a eficácia da delação de Palocci se tornou um desafio ainda mais relevante para a PF, porque significava dar uma resposta ao MPF e consolidar sua estratégia de atuação.
Pela avaliação da PF, só o andamento das investigações poderá mostrar se a delação de Palocci foi útil ou não à Lava-Jato. “Há razoável quantidade de prova indireta produzida exclusivamente pela equipe de investigação, e também com auxílio e em conjunto com o criminoso colaborador”, diz a PF.
O acordo de Palocci foi homologado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região depois que o STF entendeu pela validade das delações da PF. Pouco depois, o ex-ministro fechou outro acordo, desta vez com o grupo especial de inquéritos da PF em Brasília, para relatar crimes de políticos com foro privilegiado. Esta delação foi homologada pelo ministro Edson Fachin, do STF, em outubro do ano passado. Um terceiro acordo foi assinado com a Força-Tarefa Greenfield, do MPF em Brasília, sobre irregularidades em fundos de pensão, e homologado pela 10ª Vara Federal do DF.
O Globo
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