O presidente Jair Bolsonaro confidenciou a amigos, entre eles um governador, que adiará, por tempo indeterminado, a escolha do futuro chefe da Procuradoria-Geral da República ( PGR ) segundo disseram ao GLOBO duas fontes que acompanham o caso de perto. Neste momento, Bolsonaro tende a deixar que o subprocurador-geral Alcides Martins assuma a vaga que ficará aberta com a saída da titular, Raquel Dodge , em 17 de setembro.
Se a atuação de Martins agradar ao governo, ele deve permanecer no cargo. Se não inspirar confiança, Bolsonaro deverá buscar um outro nome. Martins tem 70 anos de idade e, como vice-presidente do Conselho Superior do Ministério Público, assume automaticamente a chefia do Ministério Público Federal em caso de vacância do cargo.
Sem indicação formal e, claro, sem sabatina no Senado, Dodge terá que deixar o cargo e voltar a atuar como subprocuradora-geral a partir do próximo dia 18. Bolsonaro desistiu de indicar imediatamente um substituto para Dodge depois que os quatro "favoritos" ao cargo foram chamuscados por ataques de adversários antes mesmo de receberem um aceno público do presidente.
O processo de escolha do futuro procurador-geral da República, tido por Bolsonaro como um dos cinco cargos mais importantes em Brasília, está restrito a ele e ao secretário-geral da Presidência, Jorge Oliveira, major reformado da PM do Distrito Federal. O ministro da Justiça, Sergio Moro, está excluído das consultas.O núcleo militar também perdeu influência nas discussões sobre o assunto.
A fritura dos favoritos de Bolsonaro começou há três semanas. Numa audiência onde estavam presentes o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), Bolsonaro anunciou que escolhera o subprocurador Augusto Aras, com quem havia criado uma certa identificação pessoal. Bolsonaro até convidou Maia para fazerem juntos o anúncio da indicação do subprocurador.
Maia pediu desculpas, mas disse que não poderia participar do evento porque a candidata dele ainda era a atual chefe do MPF, Raquel Dodge. Alexandre Moraes ficou calado. Nos dias seguintes ao encontro, quando os rumores da preferência de Bolsonaro cresciam em Brasilia, Aras foi alvo de diversas notícias negativas na imprensa.
Esquerda, volver
Antes favorito ao cargo, Aras perdeu pontos no Palácio do Planalto após ser alvo da artilharia de parlamentares do próprio partido do presidente, o PSL, que o classificaram como “esquerdista”. A fritura de Aras incluiu até mesmo a entrega de um “dossiê” contra o candidato pela deputada Carla Zambelli (SP), contendo vídeos com declarações dele com críticas à Lava-Jato e opiniões tidas como de esquerda.
Bolsonaro se voltou, então, para o subprocurador Paulo Gonet, católico, conservador e afinado com as pautas ideológicas do governo. Não demorou muito e Gonet também foi alvo de informações negativas. O subprocurador foi apontado como ex-sócio do ministro Gilmar Mendes, do STF. A escolha de Gonet poderia fortalecer excessivamente Mendes e, com isso, desagradar os aliados mais atuantes de Bolsonaro na internet que estão em antiga campanha contra o ministro.
Com Gonet escanteado, Bolsonaro chamou o subprocurador Bonifácio Andrada para uma conversa no Palácio do Planalto. Com formação militar e vinculado à Opus Dei há mais de 30 anos, Bonifácio é considerado de perfil conservador. Para alguns, a escolha de Bonifácio seria uma jogada de mestre de Bolsonaro. Moderado nos costumes, Bonifácio é respeitado por procuradores das mais diversas tendências ideológicas.
Mas tão logo teve o nome ventilado como um dos favoritos, Bonifácio Andrada passou a ser atacado na internet. Adversários difundiam a informação de que ele era ligado ao deputado Aécio Neves (PSDB-MG), ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e ao ex-procurador-geral Rodrigo Janot, de quem foi vice-procurador-geral. Quando soube desses detalhes, Bolsonaro riscou o nome o Andrada e elevou o subprocurador Antonio Carlos Simões Martins Soares a condição de número um na disputa pela PGR.
Assim como Aras, Soares quase teve o nome anunciado publicamente. Isso só não aconteceu porque, pouco antes do anúncio previsto, começaram a surgir informações sobre o histórico do subprocurador. Soares foi acusado de se aposentar antes do tempo de serviço necessário e até de falsificar a assinatura do próprio advogado numa queixa-crime que moveu em 1990 contra uma mulher por supostas declarações difamatórias dela. As acusações tiraram Soares do páreo, pelo menos por enquanto.
O subprocurador tem o apoio do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) e, se a opção Alcides fracassar, ele pode recuperar a condição de favorito. Os sucessivos ataques contra os "favoritos da vez" deixaram Bolsonaro e Jorge Oliveira perplexos e sem alternativa imediata. Os dois são muito vinculados às policias estaduais, mas admitem pouco conhecimento dos bastidores do Ministério Público Federal.
Sem alternativa, Bolsonaro relatou a alguns interlocutores que suspenderia a busca pelo nome de um procurador-geral. A mensagem do presidente sobre o adiamento baixou os ânimos dos candidatos, declarados e não declarados, à sucessão de Dodge.
- Foi uma ducha de água fria. Os candidatos estão cansados. Os últimos dias foram desgastantes. Ninguém mais fala nesse assunto aqui - disse um dos candidatos ao GLOBO.
Um português na PGR
Nascido em Vale do Cambra, Portugal, Alcides Martins completa 71 anos em outubro. Se não fosse a "PEC da bengala", o subprocurador já estaria aposentado desde o ano passado. Martins entrou no Ministério Público Federal em 1984 e, desde então, fez uma carreira discreta na instituição. Ocupou cargos estratégicos ao longo dos anos, mas nunca esteve ligado às grandes investigações sobre corrupção que, nas duas últimas décadas, colocaram o Ministério Publico no centro do noticiário político.
O próximo procurador-geral terá que lidar com questões centrais da agenda política do país. Entre elas estão medidas de proteção ambiental, proteção de terras indígenas e restrições de verbas para universidades federais. O próximo procurador-geral terá papel importante também na definição de regras como o compartilhamento de relatórios detalhados da Unidade de Inteligência Financeira (UIF), ex-Coaf. Um desses compartilhamentos deu origem a investigações sobre supostas fraudes no gabinete de Flávio Bolsonaro, quando ele era deputado na Assembleia Legislativa do Rio.
O Globo
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