A Polícia Federal deverá imputar ao hacker Walter Delgatti Neto os crimes de "interceptação de comunicação" e "invasão de dispositivo de informática" a cada conta do aplicativo Telegram por ele invadido desde março deste ano, segundo disse ao GLOBO uma fonte que acompanha o caso de perto. A partir deste entendimento, Delgatti pode ser punido com mais de 70 anos de prisão só pelos crimes confessados até o momento.
A forma como a PF pretende fazer o enquadramento penal deve aumentar a pressão sobre Delgatti. Ele confessou crimes e deu informações do método usado, mas a polícia acredita que o hacker sabe mais do que se dispôs a contar. Pelos indícios obtidos até o momento, ele teria tentado invadir aproximadamente mil telefones, um número bem acima dos números e nomes mencionados em seu depoimento.
Ao ser interrogado pela primeira vez, na semana passada, o hacker reconheceu ter acessado indevidamente aplicativos de celulares de 14 diferentes pessoas. Por estes números, a soma das penas máximas a ser aplicadas por interceptação de comunicação chegaria a 56 anos. O artigo 10 da Lei n° 9.296/96 prevê reclusão de dois a quatro anos para quem interceptação de comunicação ilegalmente. As invasões de dispositivos de informática, que podem ser punidas com até um ano de prisão, resultariam em mais 14 anos de cadeia. Só por estes dois crimes, a pena poderia bater à casa dos 70 anos. O hacker, porém, disse ter acessado aparelhos de "procuradores" do Rio de Janeiro e da Operação Greenfield, que ocorre em Brasília.
A polícia suspeita, com base nas investigações preliminares, que Delgatti cometeu crimes com ajuda dos outros três presos na Operação Spoofing. Caso o entendimento seja mantido, Delgatti estaria sujeito à imputação de envolvimento com organização criminosa, conforme indica uma das decisões judiciais sobre o assunto. O crime de organização de criminosa pode ser punido com até oito anos de prisão. Não está claro ainda se esta hipótese será mantida até o final da apuração. No primeiro depoimento à polícia, logo depois de preso, Delgatti chamou para si toda a responsabilidade pelas invasões de aplicativos de celulares. Os demais presos negaram qualquer envolvimento no episódio.
Procurado pelo jornal, o advogado Luiz Gustavo Delgado Barros, responsável pela defesa de Delgatti, não atendeu às ligações.
Cabe ao Ministério Público, após a apuração da PF, pedir à Justiça o enquadramento penal. No processo do mensalão a Procuradoria-Geral da República pediu a condenação dos réus por cada ato de corrupção e de lavagem de dinheiro, mas o Supremo Tribunal Federal (STF) aplicou o conceito de "crime continuado", previsto no artigo 71 do Código Penal. "Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços", diz o artigo 71. Neste caso, a pena do hacker poderia ser menor.
Delgatti é suspeito de promover um ataque aos telefones do ministro da Justiça, Sergio Moro, do procurador Deltan Dallagnol e outras autoridades. Entre as mensagens copiadas pelo suposto hacker estão conversas de Dallagnol com Moro e com colegas de Ministério Publico. Parte das mensagens obtidas pelo site The Intercept mostram que Moro teria indicado uma testemunha, sugerido a troca de uma procuradora em uma audiência e recomendado procuradores a atacarem a defesa do ex-presidente Lula no processo do triplex do Guarujá (SP). As mensagens mostram ainda que Dallagnol planejava criar uma empresa em nome da mulher dele e do procurador Roberson Pozzobon para faturar com palestras a partir da fama obtida com a Lava-Jato. Moro e Dallagnol afirmam "não reconhecer" a autenticidade das mensagens.
Depois da apreensão do material, Moro informou a autoridades supostamente vítimas do hacker que as mensagens seriam destruídas. As declarações do ministro provocaram forte reação até mesmo dentro da Polícia Federal. No mesmo dia dos telefonemas de Moro, a polícia divulgou nota com a informação de que caberia à Justiça decidir se as provas devem ou não ser destruídas.
O Globo
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