Durante café da manhã com jornalistas estrangeiros no Palácio do Planalto o presidente Jair Bolsonaro afirmou nesta sexta-feira ser uma “mentira” dizer que existe fome no Brasil . Para o presidente, há um exagero em se dizer que a fome seja um problema crônico no país. Bolsonaro disse que “não se vê gente, mesmo pobre, pelas ruas, com físico esquelético” e criticou o que chamou de “discurso populista”.
A declaração foi em resposta a um repórter do jornal espanhol “El País” sobre planos do governo federal para conter o aumento da pobreza e da fome no país.
— Falar que se passa fome no Brasil é uma grande mentira. Passa-se mal, não come bem. Aí eu concordo. Agora, passar fome, não. Você não vê gente pobre pelas ruas com físico esquelético como a gente vê em alguns outros países por aí pelo mundo — disse Bolsonaro.
A declaração do presidente é rebatida por estatísticas recentes de instituições como a ONU, o IBGE e o Ipea, e foi criticada por especialistas em economia e evolução de índices sociais no país.
Relatório do Panorama da Segurança Alimentar e Nutricional na América Latina e Caribe 2018, divulgado em novembro pela ONU, mostrou o crescimento da fome no Brasil. O estudo estimou que a desnutrição alcançou até 5,2 milhões de brasileiros entre 2015 e 2017, ante os 5,1 milhões calculados para os triênios 2014-2016 e 2013-2015. No triênio 2000-2002, 18,8 milhões de brasileiros sofriam com a fome.
Depois do encontro com correspondentes no Planalto, Bolsonaro se irritou ao ser questionado por outros jornalistas a respeito das declarações sobre a fome. Ele recuou e reconheceu que “alguns passam fome”:
— Olha, o brasileiro come mal. Alguns passam fome. Agora, é inaceitável num país tão rico como o nosso, com terras agricultáveis, e água em abundância.
Questionado se estava voltando atrás na declaração de mais cedo, Bolsonaro ameaçou encerrar a entrevista:
— Ah, pelo amor de Deus, se for pra entrar em detalhe, em filigrana, eu vou embora. Eu não tô vendo nenhum magro aqui, tá certo? Temos problemas alimentares no Brasil? Temos, não é culpa minha, vem de trás, estamos tentando resolver.
Segundo o IBGE, em números relativos a 2017, há 54,8 milhões de brasileiros abaixo da linha da pobreza, dos quais 25,5 milhões (45%) estavam no Nordeste. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostrou que a proporção de miseráveis no país subiu de 6,6% para 7,4% de 2016 para 2017. O Ipea classifica como miseráveis os que vivem com um rendimento médio domiciliar per capita de até um quarto do salário mínimo.
O economista e diretor da FGV Social, Marcelo Neri, afirma que estudos revelam aumento também na percepção de pobreza.
— Os dados mostram que, ano passado, 30% dos brasileiros diziam que não tinham dinheiro para comprar alimentos necessários a si e sua família — cita. — Extrema pobreza é não ter dinheiro para atender despesas alimentares. Há uma piora social nos últimos anos. Isso se relaciona com a recessão, o congelamento do Bolsa Família em 2015 e a maior inflação no mesmo ano.
Vulnerabilidade
Para o coordenador executivo da Ação da Cidadania, Kiko Afonso, a fala de Bolsonaro demonstra que ele não conhece o Brasil:
— O presidente mostra desconhecimento sobre o que é fome e insegurança alimentar, porque a pessoa não precisa estar esquelética para estar nessa condição.
Pesquisador do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), Francisco Menezes explica a relação entre o aumento da pobreza no país e o aumento da fome:
— A gente associa a questão da fome a uma situação de vulnerabilidade a essa condição. Não significa que as pessoas estão permanentemente em estado de fome, mas elas buscam as mais diversas formas para sanar essa carência.
A declaração de Bolsonaro repercutiu também no mundo político. O senador Otto Alencar, líder do PSD, se disse “estarrecido”:
— Ele não sabe o que se passa no interior do Brasil. Será que ele não entende a miséria da periferia do Rio? Não sabe que tem 15 milhões de brasileiros abaixo da linha de pobreza? É um disparate.
Líder do PSL no Senado, Major Olímpio (PSL) minimizou as palavras:
— Vejo como uma força de expressão dele. Não foi baseada em dados científicos. Ele quis dizer que, com abundância do Brasil, com a capacidade de produzir alimentos, é raro morrer de fome.
G1
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