Documentos obtidos pelo Jornal Nacional mostram indícios de que a gestão do ministro Ricardo Salles favoreceu um grupo empresarial em concessões de pontos comerciais aos pés do Cristo Redentor. E a Igreja Católica, no Rio de Janeiro, afirma que as áreas negociadas pelo Ministério do Meio Ambiente são dela.
Diante da beleza do Cristo, quase ninguém olha para elas. Estamos falando de seis pequenas lojas que vendem aos turistas comida e lembranças do passeio.
Por esse espaço aos pés do monumento estão se enfrentando na Justiça os comerciantes, o Ministério do Meio Ambiente e a Igreja Católica.
Segundo o Ministério Público Federal, a gestão do ministro Ricardo Salles está atuando para favorecer o Grupo Cataratas, que já explora comercialmente algumas das atrações turísticas mais simbólicas do país.
Atualmente, o Grupo Cataratas já tem a concessão de uma parte do complexo do Cristo Redentor. É o responsável pelas vans que levam a maior parte dos 3 milhões de turistas por ano e também pelo centro de visitantes.
Em julho de 2019, os donos das pequenas lojas receberam o aviso: tinham 90 dias para sair.
A determinação veio a pedido do ICMBio, que é o órgão do Ministério do Meio Ambiente responsável pelo Parque Nacional da Tijuca, a imensa área de floresta urbana que circunda o Cristo.
Uma loja no meio da escadaria é um exemplo da situação. Pertence à mesma família há quatro gerações. Os bisavós do atual lojista receberam a concessão diretamente da Igreja, mas o bisneto recebeu a ordem de despejo do ICMBio.
“É uma história muito longa, realmente, uma história que vem na mesma ocasião da origem do monumento, 90 anos”, disse o lojista Ewerton Oliveira.
A questão foi parar na Justiça e se revelou ainda mais complicada quando a Arquidiocese do Rio se manifestou no processo, afirmando que a área pertence à Igreja.
Os advogados dizem que, “em ato de supina má-fé e atropelando direito outorgado à Igreja Católica pela União Federal, o ICMBio pretende tomar de assalto a área”.
Dois documentos sustentam a afirmação. Em 1934, ainda no tempo dos manuscritos, a União cedeu à Igreja o domínio útil do terreno situado no alto do Corcovado. Ato renovado em 1981.
O contrato descreve minuciosamente a área cedida, que começa no primeiro degrau da escada e vai até o topo do Corcovado, num total de 477,5 metros quadrados.
A Procuradoria-Regional Federal, que defende o ICMBio, contesta dizendo que os documentos que a Arquidiocese apresenta foram revogados há 30 anos, e que, atualmente, a Igreja não possui qualquer título, posse ou domínio sobre a área do Alto Corcovado, ou seja, nem mesmo sobre o topo, onde ficam a capela e a estátua do Cristo.
A juíza manteve o andamento do processo, entendendo que a Arquidiocese não deve participar da discussão entre o ICMBio e os lojistas, mas a Igreja segue no caso. Defende a permanência dos comerciantes e afirma que o terreno é do Santuário, e não do ministério de Ricardo Salles.
A Arquidiocese já não recebe as taxas dos lojistas. O dinheiro fica com a União desde 1990.
Em janeiro deste ano, o ICMBio ainda suspendeu o repasse do valor de R$ 1,50 de cada ingresso que era destinado à Igreja para a manutenção do Cristo.
Também em janeiro, o ICMBio deu mais um passo e foi em busca de novas empresas para administrar as lojas, sem licitação.
No chamamento público, o Grupo Cataratas se candidatou, mas foi desclassificado porque as propostas chegaram mais de uma hora depois do prazo final. O grupo explicou o atraso dizendo que a falha ocorreu na internet do ICMBio.
Essa justificativa foi suficiente para uma reviravolta no processo. O Cataratas passou de eliminado para grande vencedor, levando três das seis lojas. Segundo os comerciantes, são as três mais lucrativas.
Todos esses fatos levaram o Ministério Público Federal a pedir a anulação do processo.
Segundo o MPF, “o certame foi direcionado em benefício da empresa Cataratas do Iguaçu S/A, uma vez que as propostas apresentadas pela empresa foram feitas de forma intempestiva, mas a empresa acabou por ser beneficiada”.
O parecer diz ainda que a escolha só poderia ser feita por licitação, que é mais formal com instrumentos de controle maiores, e não o chamamento público.
No topo da montanha, os pequenos comerciantes esperam o resultado dessa briga de gigantes, aos pés do único gigante que não entra na briga.
“O único ponto em todo o Parque Nacional da Tijuca que tem cobrança de ingresso. Por que não se cobra para ir para os outros lugares? Porque esse cara tão especial está aqui, fincado aqui há 90 anos. É o motivo das pessoas virem até aqui”, disse o lojista Ewerton Oliveira.
O que dizem os citados
O Ministério do Meio Ambiente declarou que a área do Cristo continuará sob administração da Igreja, que vai receber um repasse de recursos para manutenção do monumento.
O Grupo Cataratas afirmou que o processo das lojas seguiu os trâmites legais e teve concorrência forte, e que a empresa forneceu as provas que demonstram o envio da documentação dentro do prazo estipulado.
A Arquidiocese do Rio não quis se manifestar.
G1
Portal Santo André em Foco
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