Os advogados do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmaram, por meio de nota, que a decisão dos ministros da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal de terem considerado nesta terça-feira (23) que o ex-juiz federal Sergio Moro agiu com parcialidade ao condenar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no caso do triplex do Guarujá, "é histórica e revigorante".
Para Cristiano Zanin Martins e Valeska Martins, os ministros reconheceram que Moro não atuou como juiz no caso, mas sim como adversário de Lula.
"Sempre apontamos e provamos que Moro jamais atuou como juiz, mas sim como um adversário pessoal e político do ex-presidente Lula, tal como foi reconhecido majoritariamente pelos eminentes Ministros da 2ª. Turma do Supremo Tribunal Federal", diz a nota.
"É histórica e revigorante para o Estado de Direito e para o devido processo legal a decisão desta terça", completa.
A sentença que condenou Lula segue anulada por outra decisão, determinada pelo ministro Edson Fachin, que apontou a incompetência da Justiça Federal do Paraná para analisar os processos do petista e tornou sem efeito as condenações pela Operação Lava Jato de Curitiba.
Com a decisão desta terça, a Segunda Turma anulou todo o processo do triplex, que precisará ser retomado da estaca zero pelos investigadores. Para o ministro Edson Fachin, vencido no julgamento, a decisão poderá levar à anulação de todas as sentenças proferidas por Moro na Operação Lava Jato.
Para os advogados do ex-presidente, a decisão pode deixar um legado. "A decisão proferida hoje fortalece o Sistema de Justiça e a importância do devido processo legal. Esperamos que o julgamento realizado hoje pela Suprema Corte sirva de guia para que todo e qualquer cidadão tenha direito a um julgamento justo, imparcial e independente, tal como é assegurado pela Constituição da República e pelos Tratados Internacionais que o Brasil subscreveu e se obrigou a cumprir", diz a nota
A defesa de Lula lembra ainda que condenação do ex-presidente por Sergio Moro causou danos "irreparáveis", entre os quais a prisão durante 580 dias. (leia a íntegra da nota abaixo). A decisão resultou do julgamento pela turma de uma ação impetrada em 2018 pela defesa de Lula.
O Ministério Público Federal no Paraná e a 13ª Vara da Justiça Federal no estado informaram que não emitirão opinião sobre a decisão da Segunda Turma. A assessoria do ex-juiz Sérgio Moro não informou se ele se manifestará.
A maioria a favor da ação do ex-presidente foi formada com a mudança de voto da ministra Cármen Lúcia. Em 2018, quando o julgamento se iniciou, ela tinha rejeitado a ação, mas agora seguiu o entendimento dos colegas Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski.
Cármen Lúcia entendeu que novos elementos mostraram que a atuação de Moro não foi imparcial, favoreceu a acusação e, portanto, segundo avaliação da ministra, houve um julgamento irregular.
A suspeição não é automática para outros processos de Lula — a defesa terá, por exemplo, que questionar os outros casos na Justiça. Moro não foi o autor da condenação de Lula no caso do sítio de Atibaia, mas recebeu a denúncia e transformou o petista em réu nesse caso.
Para o relator da Operação Lava Jato no Supremo Tribunal Federal, ministro Edson Fachin, a suspeição de Moro tem efeitos que vão além do caso de Lula e abre brecha para que advogados de condenados na Lava Jato questionem na Justiça a conduta do ex-juiz e apontem outras sentenças como ilegais.
O voto da ministra
Cármen Lúcia justificou que novos elementos juntados ao processo permitiram uma nova análise sobre os fatos levantados pela defesa de Lula que apontavam uma conduta irregular do juiz na sentença.
De acordo com a ministra, ninguém deve ser perseguido por um juiz ou tribunal nem condenado por determinado voluntarismo.
Segundo ela, há elementos de que houve uma "confusão" entre o juiz e o Ministério Público, que é o órgão acusador.
Cármen Lúcia afirmou que não estava considerando diálogos obtidos por hackers que demonstrariam uma ação combinada entre o juiz Sergio Moro e procuradores da Operação Lava Jato e afirmou que reconhecer a parcialidade de Moro na condenação de Lula não significa que isso terá impacto em outros casos da Operação Lava Jato.
“Tenho para mim que estamos julgando um habeas corpus de um paciente [Lula] que comprovou estar numa situação específica. Não acho que o procedimento se estenda a quem quer que seja, que a imparcialidade se estenda a quem quer que seja ou atinja outros procedimentos. Porque aqui estou tomando em consideração algo que foi comprovado pelo impetrante relativo a este paciente, nesta condição", disse a ministra.
Segundo ela, "essa peculiar e exclusiva situação do paciente neste habeas corpus faz com que eu me atenha a este julgamento, a esta singular condição demonstrada relativamente ao comportamento do juiz processante em relação a este paciente”.
"Não estou portanto fazendo algum tipo de referência à Operação Lava Jato, mas sobre um paciente julgado e que demonstra que, em relação a ele houve comportamentos inadequados e que suscitam portanto a parcialidade", afirmou a ministra.
Nunes Marques
Antes de Cármen Lúcia, votou o ministro Nunes Marques, que, no último dia 3, interrompeu o julgamento ao pedir vista (mais tempo para analisar o processo).
Marques rejeitou a ação de Lula, o que, naquele momento, formou um placar de 3 a 2 contra a declaração de suspeição de Moro. Com a mudança de voto, Cármen Lúcia alterou o resultado, com 3 a 2 a favor do acolhimento da ação de Lula.
Nunes Marques considerou que os fatos colocados pela defesa de Lula foram "enfrentados" pela Justiça e que não cabia reanalisá-los.
Segundo ele, os pontos relacionados como argumentos na ação — "condução coercitiva, quebra de sigilo, divulgação dos áudios, teor de informações prestadas ao STF pelo magistrado, fundamentos declinados por ocasião do recebimento da denúncia, postura do magistrado, obras literárias tendo como tema Operação Lava Jato, participação de magistrado em eventos políticos, pré-disposição em condenar do magistrado, considerações do magistrado em artigo acadêmico" — já foram apreciados pela Justiça.
Para Nunes Marques, é preciso ter provas para se declarar uma suspeição.
“No meu entendimento, todos esses fatos já foram objeto de análise em todas as instâncias do Poder Judiciário. É inviável a reanálise de três fundamentos nesta via eleita. Na hipótese de suspeição, é preciso provas.”
No voto, Marques comentou as manifestações de Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski a respeito de diálogos obtidos por hackers que demonstrariam uma ação combinada entre o juiz Sergio Moro e procuradores da Operação Lava Jato.
"Se o hackeamento fosse tolerado, mesmo que para a defesa, ninguém estaria seguro de sua intimidade, de seus bens, de sua liberdade. No caso em exame, as provas são materiais obtidos por hackers. Tenho que são absolutamente inaceitáveis tais provas, por serem frutos diretamente de crimes. Entender de forma diversa seria uma forma transversa de legalizar a atividade hacker no Brasil."
Gilmar Mendes
Após o voto de Nunes Marques, o ministro Gilmar Mendes pediu a palavra, contestou os principais pontos colocados pelo colega e voltou a defender que houve parcialidade de Moro.
Mendes discordou das questões processuais apontadas por Nunes Marques, pegou pontos da defesa e aprofundou trechos do voto que já havia apresentado. Ele afirmou que não se pode permitir uma combinação entre juiz e o ministério público.
Mendes disse que habeas corpus pode ser usado para declarar ilegalidade em qualquer julgamento, citou que houve irregularidades no processo como a condução coercitiva, a interceptação do escritório da defesa do ex-presidente. e citou nominalmente Nunes Marques várias vezes.
Mendes afirmou ainda que independente do resultado do julgamento o caso já representou a desmoralização da Justiça.
“Não se trata de ficar brincando de não conhecer de habeas corpus. É muito fácil não conhecer de um habeas corpus. Atrás, muitas vezes, da técnica de não conhecimento de habeas corpus, se esconde um covarde. E Rui falava: 'O bom ladrão salvou-se, mas não há salvação para o juiz covarde'”, afirmou.
O ministro reforçou que julgou com as provas do processo. “Caráter seletivo e manipulado dos vazamentos não apaga os registros de quando [Moro] virou herói nacional. Tomou como sinal de apoio protestos pela prisão de Lula. Encerro reafirmando meu voto e destacando que em nenhum momento – e disse isso claramente – não vou usar as informações de hackers para falar deste caso. Não me façam nenhuma injustiça. Agora, acho que esses fatos são historicamente relevantes”, declarou.
Ricardo Lewandowski
Depois de Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, que já havia votado em 2018, também pediu a palavra. Rememorou pontos de seu voto e reafirmou que um habeas corpus pode ser usado para discutir a suspeição — em contraponto a Nunes Marques.
"Quero tornar pública a minha convicção e já externei no voto que o material arrecadado na Operação Spoofing [que levou à prisão dos hackers] foi periciado. Tanto foi que serviu para denúncia e condenação dos hackers. Nenhum dos diálogos foi desmentido. E não seria possível perícia, porque apagaram, deletaram as mensagens", afirmou Lewandowski.
Segundo o ministro, "os áudios são tão evidentes que dispensam qualquer tipo de perícia, no sentido de atestar a autenticidade do material arrecadado na Operação Spoofing".
"Há um princípio que diz que textualmente fatos notórios independem de prova", declarou.
Edson Fachin
O ministro Edson Fachin reafirmou o próprio voto. Ele disse que a ação de Lula deveria ser rejeitada e que os fatos de agora já estavam presentes desde 2018, quando o processo começou a ser analisado na Corte.
“Não há absolutamente qualquer argumento novo em meu modo de ver, apto a justificar o efeito revisional. Não há nenhum elemento inédito nessas alegações. Desde a impetração os elementos são esses que aí estão”, afirmou.
O ministro fez uma defesa da Operação Lava Jato. “O que a Lava Jato desvelou é um grave problema criminal em órgãos e instituições públicas. O que os diálogos [obtidos pelos hackers] podem estar a revelar é a suspeita de um grave problema ético e a ausência de limites — contato entre as partes e o magistrado", declarou.
Fachin disse que a suspeição de Moro poderá implicar a anulação de todas as sentenças do ex-juiz. O ministro admitiu que os fatos são graves, mas cobrou uma discussão sobre a legalidade das mensagens.
“Entendo como ilegal a realização de conversas ex-parte, fora de parâmetros constitucionais. Insisto no ponto do prejuízo porque a decisão prolatada efetivamente esvazia o objeto do habeas corpus e tenho o receio de que o uso do material do ponto de vista retórico tenha por efeito prático a anulação de todos os casos em que a amizade entre o juiz e o ex-procurador ocorreu. A amizade do juiz com a acusação pode ter o condão de anular todos os processos julgados pela 13ª Vara Federal", declarou.
Segundo Fachin, não basta dizer que trata-se de um caso específico. "É preciso ir além e reconhecer que essa decisão poderá implicar a anulação de todos os processos. Os fatos são graves e se forem verdadeiros mesmo, a solução pode ser a nulidade. Mas não posso admitir que isso seja feito sem que as dúvidas da integridade do material sejam analisadas, sem que haja um mínimo de instrução competente."
"Receio que, a pretexto de combater as ilegalidades reais ou alegadas na Operação Lava Jato, com este julgamento se possa incorrer na mesma ilegalidade que possa rebater”, disse.
Nota defesa Lula
"Suspeição hoje reconhecida pelo STF é histórica e confirma o que apresentamos desde 2016
É histórica e revigorante para o Estado de Direito e para o devido processo legal a decisão proferida hoje pela 2ª. Turma do Supremo Tribunal Federal, concedendo a ordem de habeas corpus que pleiteamos em favor do ex-presidente Lula em 05/11/2018 perante aquela Corte para reconhecer a suspeição do ex-juiz Sergio Moro (HC 164.493).
A quebra da imparcialidade pelo ex-juiz, tal como a incompetência da Justiça Federal de Curitiba, reconhecida por outra histórica decisão proferida em 08.03.2021 pelo Ministro Edson Fachin, sempre foi por nós sustentada, desde a primeira manifestação apresentada no processo, no longínquo ano de 2016. Em outras palavras, sempre apontamos e provamos que Moro jamais atuou como juiz, mas sim como um adversário pessoal e político do ex-presidente Lula, tal como foi reconhecido majoritariamente pelos eminentes Ministros da 2ª. Turma do Supremo Tribunal Federal.
Para percorrer essa trajetória na defesa técnica do ex-presidente Lula sofremos toda sorte de ilegalidades praticadas pela “lava jato”, algumas delas indicadas na própria decisão que reconheceu a suspeição do ex-juiz, como o monitoramento ilegal dos nossos ramais para que os membros da “operação” pudessem acompanhar em tempo real a estratégia de defesa. Da mesma forma, o ex-presidente Lula, nosso constituinte, foi alvejado por inúmeras ilegalidades praticadas pelo ex-juiz Sergio Moro, em clara prática de lawfare, ou seja, por meio do uso estratégico das leis para fins ilegítimos. Os danos causados a Lula são irreparáveis, envolveram uma prisão ilegal de 580 dias, e tiveram repercussão relevante inclusive no processo democrático do país.
A decisão proferida hoje fortalece o Sistema de Justiça e a importância do devido processo legal. Esperamos que o julgamento realizado hoje pela Suprema Corte sirva de guia para que todo e qualquer cidadão tenha direito a um julgamento justo, imparcial e independente, tal como é assegurado pela Constituição da República e pelos Tratados Internacionais que o Brasil subscreveu e se obrigou a cumprir.
Cristiano Zanin Martins/Valeska T. Z. Martins".
G1
Portal Santo André em Foco
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