Citadas pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes no julgamento da acusação de suspeição do ex-juiz da Lava-Jato em Curitiba Sergio Moro, a troca de mensagens entre o magistrado e procuradores da força-tarefa estão no centro de um debate jurídico. Enquanto promotores argumentam que material desse tipo, roubado por um hacker, é uma prova ilícita e, portanto, sem validade legal, advogados afirmam que diálogos podem ser utilizados para beneficiar um réu se comprovarem que ele foi vítima de um julgamento parcial ou outro tipo de irregularidade, ainda que o acesso às conversas tenha ocorrido de forma ilegal.
O STF ainda deve discutir se as trocas de mensagem são autênticas e se devem ter validade como prova. Ao dar um voto pela parcialidade de Moro em julgamentos contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na última terça-feira, Gilmar citou conversas hackeadas do juiz e de procuradores de Curitiba, mas entendeu que poderia se “afastar quaisquer eventuais discussões sobre o tema da possibilidade de utilização da prova potencialmente ilícita pela defesa” do petista.
Tanto Moro quanto os procuradores da força-tarefa afirmam não reconhecer a veracidade das mensagens.
Ao menos três criminalistas que atuam na Lava-Jato admitiram ao GLOBO nos últimos dias que já pediram ou vão solicitar acesso aos diálogos para avaliar se podem usá-los nas defesas dos seus clientes.
A tese dos procuradores da força-tarefa sempre foi que, como as conversas foram obtidas por meio de um crime — invasão do aplicativo de mensagens de celular —, a prova é “imprestável”. No entanto, as defesas entendem que provas ilícitas podem, sim, ser utilizadas a favor dos réus para inocentá-los de um julgamento injusto e feito por um juiz que, na visão deles, agiu de forma parcial.
Professor de Direito Penal na FGV e na Uerj, o advogado Davi Tangerino admite o uso da prova ilícita na defesa de um réu. No entanto, segundo ele, esse tipo de material não pode ser usado pela acusação para imputar crimes a um investigado.
— Do jeito que a lei está posta, essa prova é ilegal e foi obtida pela prática de um crime. Admitimos o uso da prova ilícita na defesa do réu. Mas não pode ser usada para acusação. Por isso que algumas defesas têm interesse em obter os diálogos — afirmou Tangerino.
Proteção a procuradores
Por outro lado, segundo o professor, a mesma prova não deve ser usada para punir, nas esferas administrativas, eventuais irregularidades cometidas pelos procuradores e por Moro. A situação é diferente porque, neste caso, a prova ilícita estaria ajudando a acusação:
— Vamos dizer que o STF aceite procedimento administrativos contra a força-tarefa. Seria um erro jurídico e teria uma consequência horrível de se correr o risco de estimular outros agentes a obterem provas ilícitas.
Os diálogos já servem de base para uma investigação sobre a atuação dos procuradores da força-tarefa no Superior Tribunal de Justiça (STJ), dois processos no Tribunal de Contas da União (TCU) e pelo menos três procedimentos no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).
O professor de Direito da USP, Gustavo Badaró, acredita que o Supremo tende a validar o uso das provas ilícitas em defesa dos réus da Lava-Jato e negar que elas sejam usadas contra os procuradores e Moro.
— Quando se confronta o direito à privacidade (dos procuradores e Moro) com o direito à liberdade e o risco de condenar alguém injustamente, o que prevalece? A tendência é afastar o direito de menor estatura, que é a privacidade. Portanto, me parece correta a utilização em prol do ex-presidente Lula e outros réus — opinasse.
Especialista em Direito Digital, o advogado Omar Kaminski vê com ressalvas o uso de provas ilícitas.
— A prova ilícita é imprestável. É uma garantia constitucional. Caso possamos relativizar tal garantia, haveria a quebra do ordenamento jurídico — afirmou.
Kaminski lembra que, para validar as mensagens como provas, é preciso que uma perícia ateste a autenticidade dos diálogos, o que, não sua opinião, não é fácil.
O Globo
Portal Santo André em Foco
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