Sem máscara e acenando, o presidente Jair Bolsonaro desce sorridente do helicóptero e vai ao encontro de uma pequena multidão que começa a se aglomerar movida pela curiosidade despertada pelo barulho vindo do céu. Desde o segundo semestre do ano passado — em plena pandemia —, a cena se repetiu ao menos 12 vezes, em um prática que o presidente passou a chamar de “paradas não programadas”. Elas ocorrem em cidades pequenas, no caminho para compromissos oficiais, ou na volta para Brasília. Na última quarta-feira, foi a vez do município de Sena Madureira, no Acre, de cerca de 46 mil habitantes, receber a visita quando Bolsonaro seguia para Rio Branco, capital do estado.
Apesar da tentativa de aparentar improviso, as visitas, sempre registradas em vídeos, não são decididas em rompantes presidenciais. Previamente, a segurança presidencial faz uma vistoria, incluindo todo o mapeamento de risco, e escolhe o local para pouso.
Desde o ano passado, Bolsonaro passou a pedir a inclusão de cidades pequenas entre Brasília e o ponto final. O movimento de Bolsonaro rumo ao interior ocorre no momento em que as pesquisas de opinião apontam uma rejeição maior do presidente nas metrópoles.
Mesmo sem nenhuma entrega do governo federal, a ação, que já mira a reeleição em 2022, gera conteúdo paras as redes sociais — assessores presidenciais negam que apoiadores sejam convocados por WhatsApp para inflar a recepção.
As cenas publicadas são gravadas com ângulo fechado, o que gera a impressão de que mais gente o ovaciona — a maioria, sem máscara, reproduzindo o comportamento do presidente. Além de cumprimentar os moradores e tirar fotos, Bolsonaro costuma parar em lugares como lanchonetes e padarias.
O interesse pelo interior coincide com a queda de popularidade de Bolsonaro nos grandes centros urbanos. De acordo com pesquisa do Datafolha realizada no fim de janeiro, o índice de pessoas que avaliam o governo como ótimo ou bom é maior no interior (34%) do que nas regiões metropolitanas (28%). Já entre os que avaliam a gestão como ruim ou péssima, a situação inverte: o número é maior nas regiões metropolitanas (45% contra 37%).
Semelhança com Trump
Um levantamento do GLOBO com base em pesquisas do Ibope mostrou que a avaliação positiva do governo Bolsonaro caiu ou oscilou para baixo (quando fica na margem de erro) em 23 das 26 capitais brasileiras entre os meses de outubro e novembro, durante as eleições municipais.
Para o cientista político Leonardo Avritzer, da UFMG, a estratégia de Bolsonaro de privilegiar o interior tem semelhança com a do ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump, que nas duas eleições que disputou teve uma votação muito maior no interior do que nas grandes cidades.
— Na eleição passada, se você olhar alguns mapas de estados que foram decisivos, ele (Trump) fez diversos comícios em cidades muito pequenas e deixou praticamente abandonadas cidades grandes. Pode ser uma mudança de estratégia dele (Bolsonaro), tentando já reagir à baixa avaliação nas grandes cidades.
Em outubro do ano passado, uma dessas paradas ocorreu em Caçapava (SP). A cabeleireira Edna Santos estava inaugurando seu pequeno salão quando observou uma correria. Segundo ela, não houve qualquer tipo de aviso aos moradores.
— Quando ele (Bolsonaro) passou na frente do salão, minha irmã o convidou para entrar, falando que era a inauguração. O presidente me abraçou e pediu para se sentar na cadeira. Só fizemos a foto, mas ele não cortou o cabelo de verdade — contou Edna.
O dilema de Edna agora é saber se põe a foto da visita para decorar o salão.
— Quero colocar, mas estou fazendo uma pesquisa. Tem muitos clientes que não são fãs dele.
O Globo
Portal Santo André em Foco
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