Anunciado com o propósito de “despetizar” o governo e reduzir gastos e entidades considerados supérfluos, a extinção de órgãos colegiados ligados ao Executivo federal começou a sair do papel na sexta-feira. Com o fim do prazo dado em abril pelo Planalto para a extinção de conselhos , comissões e afins, o presidente em exercício Hamilton Mourão assinou decreto que manterá em funcionamento 32 comitês consultivos.
Com a medida, o corte na administração será profundo: esses conselhos recriados representam apenas 1,2% do total de 2.593 colegiados ligados ao governo, como mostra levantamento do Ministério da Economia obtido pelo GLOBO. Não significa, contudo, que todos os demais serão extintos.
Estão preservados, por exemplo, os 996 (38% do total) colegiados ligados a instituições federais de ensino. Além disso, em junho, respondendo a uma ação da oposição, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que o governo não poderia extinguir os órgãos criados por lei — apenas os instituídos por decreto. Existem 863 conselhos nestes dois grupos, mas o Ministério da Economia ainda não sabe identificar quantos foram criados por decreto e quantos por lei.
Pelo levantamento, há ainda 734 órgãos criados por atos internos, como portarias, e que estão aptos a ser extintos desde ontem. Entre eles, há os que abordam temas como diversidade, ações para refugiados, corrupção, criminalidade e questões de saúde e escolaridade indígena.
O texto do decreto de extinção de conselhos assinado pelo presidente Jair Bolsonaro em 11 de abril havia dado um prazo para que o governo recebesse propostas de recriação de colegiados. A Secretaria-Geral da Presidência informou que recebeu 129 pedidos, e que o “primeiro ciclo de análise” resultou na recriação de 32 conselhos feita ontem.
O texto assinado por Mourão “não esgota a possibilidade a criação de novos colegiados que o interesse público se justifique”, segundo o governo. Dentre os grupos mantidos estão as comissões de ética da Presidência e de erradicação do trabalho escravo, os conselhos de combate à discriminação e de imigração.
Ao anunciar a revogação do Plano Nacional de Participação Social (PNPS), criado no governo Dilma e que obrigava órgãos da administração direta e indireta a criarem estruturas de participação social, o chefe da Casa Civil Onyx Lorenzoni disse que os conselhos integrados à sociedade “vinham de uma visão completamente distorcida do que é representação e participação da população”:
De acordo com o plano, os conselhos serviriam para engajar representantes do governo e da sociedade no desenvolvimento e acompanhamento de políticas públicas relacionadas a temas diversos. Eles são consultivos e não têm, em geral, poder decisório.
Visão ideológica
Para além dos processos de desburocratização e racionalização de gastos, a intenção da Casa Civil era acabar com os conselhos de participação social, grupo que estaria impregnado pela “visão ideológica das gestões anteriores”, nas palavras de Lorenzoni.
— Esses 700 conselhos criados pelo governo do PT traziam pagamentos de diárias, passagens aéreas, hotelaria, alimentação, recursos para essas pessoas, recursos que eram carreados para pessoas que não tinham nenhuma razão de estar aqui, apenas para consumir recursos públicos e aparelhar o Estado brasileiro.
Para tentar coibir os gastos, o governo Bolsonaro estabelece que, de agora em diante, colegiados em que os integrantes estejam em outros municípios participem das reuniões, geralmente concentradas em Brasília, por videoconferência. O pagamento de diárias e passagens só deve acontecer diante da comprovação de disponibilidade orçamentária.
No entanto, o Ministério da Economia e a Casa Civil informaram que ainda não é possível fazer um levantamento conclusivo sobre quanto será economizado nos gastos com os colegiados antes e após a extinção de cerca de 700 órgãos.
Conforme o documento feito pelo Ministério da Economia, a pasta com o número recorde de colegiados atualmente é a própria Economia (com 238, ao todo), seguida pela Agricultura (147), Defesa (107) e Segurança Pública (105). As mais enxutas são a Infraestrutura (11), Minas e Energia (7) e o Turismo (3). Não há indicação, no levantamento, de quantos são os órgãos colegiados que envolvem participação social, quais deles estão ativos ou inativos e o custo estimado de sua manutenção.
Um deles é a Comissão Nacional de HIV/ Aids (Cnaids), ligada ao Ministério da Saúde. Integrante da Cnaids, a professora Georgina Machado, de Sergipe, diz que o órgão seguiu funcionando desde abril, quando o governo determinou ontem como prazo para a extinção formal. Entre as demandas cujos debates ela já participou estão a utilização da camisinha feminina e o controle da sífilis.
— Seguimos tentando mostrar a importância dos conselhos para uma boa resposta brasileira à epidemia do HIV/Aids no Brasil — afirma Georgina, que contava com passagens pagas pelo governo e ajuda de custo de R$ 300, referente a hospedagem e deslocamento.
A Cnaids foi instituída em 1986, e é formada por representantes da sociedade civil, instâncias governamentais e da comunidade científica. A Articulação Nacional de Luta contra a Aids (Anaids) afirmou que o governo demonstra “uma linha autoritária e antidemocrática”, com “restrições à sociedade civil para participar da elaboração, fiscalização e processos decisórios sobre políticas públicas”.
O Globo
Portal Santo André em Foco
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