A denúncia do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro contra o senador Flávio Bolsonaro diz que o parlamentar tem “predileção pelo uso de dinheiro em espécie” e integrou ao seu patrimônio valores ilícitos de forma “sorrateira”, vindos de desvio de recursos públicos da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj).
O MP informou esta semana que denunciou à Justiça Flávio Bolsonaro, o ex-assessor Fabrício Queiroz e mais 15 investigados por organização criminosa, peculato, lavagem de dinheiro e apropriação indébita no esquema das rachadinhas – quando funcionários devolvem parte dos salários para o parlamentar. Flávio Bolsonaro nega as acusações.
O procurador Ricardo Martins, que assina o documento encaminhado à Justiça, afirma que o denunciado “fazia pouquíssimo uso de serviços bancários como cartões de crédito e débito”. Num período de 36 meses, entre 2007 e 2009, o filho do presidente Jair Bolsonaro gastou pouco mais de R$ 7 mil com faturas de cartão de crédito, em uma média mensal de R$ 195.
No mesmo período, afirma o procurador, Flávio fez vários investimentos vindos de “fontes estranhas”. Pagou, em dinheiro vivo, R$ 90 mil em para uma corretora de ações. Perdeu o dinheiro e ainda ficou com uma dívida de mais R$15,5 mil.
Segundo a denúncia, Flávio comprou ainda 12 salas comerciais em condomínio na Barra da Tijuca, na Zona Oeste do Rio, e desembolsou R$ 262 mil no mesmo período. Segundo o MP, “os extratos bancários do ex-Deputado não registraram nenhum débito que fosse compatível com as datas e valores dos recebimentos informados pelas imobiliárias”.
O procurador conclui que 65% das despesas para a aquisição das salas comerciais no ano de 2008 foram quitadas com cheques de terceiros e depósitos em espécie, ao passo que o percentual restante foi pago mediante boletos bancários que não foram debitados na conta do parlamentar”.
Segundo os investigadores, o MP teve dificuldade em apurar tais transações. Por isso, pede agora à Justiça que, “diante das reiteradas omissões da imobiliária em atender integralmente às requisições do Ministério Público ao longo da investigação”, haja uma ordem judicial para que a empresa informe, em 10 dias, a identificação de cheques de terceiros usados para pagar as salas comerciais.
O MP destaca que as declarações de Flávio Bolsonaro à Receita Federal registram no ano calendário de 2008 a contratação de empréstimos com familiares e assessores parlamentares de seus familiares, somando R$ 230 mil.
O procurador observa que tais empréstimos poderiam, “em tese, justificar pelo menos parte dos pagamentos do empreendimento imobiliário”.
Os investigadores, no entanto, afirmam não encontraram movimentações bancárias para lastrear tais empréstimos. O MP afirma que há “inexistência de comprovação material das operações declaradas ao Fisco”. E aponta que, “não consta qualquer crédito correspondente aos empréstimos na conta bancária do ex-deputado”. E, também segundo o MP, Flávio quitou os empréstimos no ano seguinte, também em espécie.
O MP diz que fez cruzamentos de dados de todas as movimentações financeiras de Flávio e de sua esposa, Fernanda Bolsonaro, mapeando todas as entradas e saídas de dinheiro. Entre 2010 e 2014, por exemplo, houve um “saldo a descoberto no valor de R$ 977.611,26, correspondente à estimativa de parte do enriquecimento ilícito” do casal nesse período.
A defesa de Flávio Bolsonaro diz que o senador não cometeu nenhuma irregularidade, que ele desconhece supostas operações financeiras entre ex-servidores da Alerj e que os fatos serão esclarecidos no tempo e no foro adequados.
Loja de chocolates fora da denúncia
O MP não usou na denúncia as suspeitas de lavagem de dinheiro na loja de chocolates de Flávio, em um shopping da Barra da Tijuca. Essa investigação seguirá sendo feita, de forma separada.
Mas os investigadores se debruçaram na denúncia sobre a quitação de outras operações imobiliárias de Flávio Bolsonaro, como em uma cobertura em Laranjeiras, zona sul do Rio de Janeiro, e um apartamento na Barra da Tijuca, onde o parlamentar mora atualmente, quando não está em Brasília.
Foi encontrado, segundo os investigadores, um padrão de pagamento, que inclui depósitos em dinheiro feitos de forma fracionada, em valores que não obrigam o banco a registrar o depositante.
O MP diz ter percebido que essa injeção de dinheiro vem dias antes do pagamento de parcelas dos imóveis. Ao menos em duas oportunidades, “por descuido” dos assessores, diz o MPE, foram identificados depósitos em dinheiro de Fabrício Queiroz, operador financeiro do suposto esquema, e de Miguel Grillo, atual chefe de gabinete do parlamentar no Senado – mesmo cargo que ocupava na Alerj.
Para o MP, “a tentativa de ocultar a origem dos depósitos omitindo a identificação do portador dos recursos decorre evidentemente do caráter ilícito dos valores integrados de forma sorrateira ao patrimônio do casal, circunstância que se depreende também da coincidência entre o período da geração de grandes quantias de dinheiro ‘vivo’ desviado da Alerj pelo esquema das 'rachadinhas' e a realização dos depósitos em espécie nas contas bancárias do líder da organização criminosa e de sua esposa.”
Atual chefe de gabinete denunciado
Na denúncia, ajuizada em 19 de outubro e encaminhada nesta terça-feira ao desembargador responsável pelo processo no TJ, o atual chefe de gabinete do hoje senador, Miguel Ângelo Braga Grillo, é acusado de ter “atuação determinante” no chamado núcleo operacional do esquema.
Segundo o MP, Miguel tinha a função de atestar falsamente a frequência integral de assessores vinculados diretamente ao gabinete, a fim de possibilitar a liberação dos pagamentos dos salários, mesmo sem a prestação dos serviços públicos.
Os investigadores dizem ter encontrado provas de que ele transferiu R$ 20 mil para a esposa de Flávio, Fernanda Bolsonaro, no dia 29 de dezembro de 2011.
Depoimento de ex-funcionária
Nesta quarta, reportagem do Jornal 'O Globo' revelou o depoimento que a ex-assessora Luiza Sousa Paes deu ao Ministério Público em setembro. Ela disse que nunca atuou como funcionária de Flávio Bolsonaro e contou que era obrigada a devolver mais de 90% do salário. A reportagem diz que Luiza apresentou extratos bancários para comprovar que entre 2011 e 2017 entregou por meio de depósitos e transferências R$ 160 mil para Fabrício Queiroz.
Adriano da Nóbrega
A denúncia do Ministério Público contra o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos) afirma ainda que o miliciano Adriano da Nóbrega, morto em confronto com a polícia da Bahia este ano, também era parte do esquema da "rachadinhas".
Segundo a investigação, em 2007, o então deputado estadual Flávio Bolsonaro nomeou Danielle Mendonça da Costa, mulher do ex-policial militar Adriano, assessora parlamentar. Naquele mesmo ano, Flávio contratou – também como assessor parlamentar – Fabrício Queiroz, que está em prisão domiciliar e é apontado como o operador do esquema.
Em 2015, a mãe de Adriano, Raimunda Veras Magalhães, também virou assessora parlamentar de Flávio Bolsonaro.
O Ministério Público afirma que Danielle e Raimunda recebiam salário, mas eram fantasmas – não apareciam no gabinete. Diz também que a mãe de Adriano era, na verdade, dona de pizzarias que ela mesma administrava.
As pizzarias eram modestas e, mesmo assim, segundo os investigadores, foram usadas para movimentar parte do dinheiro desviado da Alerj.
Os valores, diz a investigação, saíram dos restaurantes e entraram diretamente nas contas de Queiroz, em depósitos ou transferências bancárias.
Além disso, os investigadores descobriram que o ex-policial, por meio da mãe e da mulher, transferiu outros R$ 400 mil para Queiroz, acusado de ser o operador de Flávio.
O que dizem os citados
A defesa de Flávio Bolsonaro afirmou que, em função do sigilo, está impedida de comentar qualquer detalhe, mas esclarece que o senador não cometeu nenhuma irregularidade, que ele desconhece supostas operações financeiras entre ex-servidores da Alerj e que os fatos serão esclarecidos no tempo e no foro adequados.
A defesa de Fabrício Queiroz disse que as imputações não correspondem à verdade, o que, segundo ele, será demonstrado na defesa judicial.
G1
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