Novembro 22, 2024

CGU identifica falhas no controle de gastos com Cartão Pesquisa do CNPq Featured

Uma auditoria realizada pela Controladoria-Geral da União (CGU) , identificou deficiências no monitoramento dos gastos feitos por meio dos cartões pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico ( CNPq ). Eles são cartões de crédito do Banco do Brasil dados aos pesquisadores para que paguem por insumos ou serviços necessários a seus estudos.

A CGU analisou despesas entre os anos de 2013 e 2018, feitas por 22.867 pesquisadores que dispunham do cartão, e que gastaram, no total, R$ 1,4 bilhão. Na média, as despesas somam pouco mais de R$ 10 mil por ano, valor considerado relativamente baixo. Mas o relatório apontou que em apenas 14% desses dispêndios foi possível identificar a natureza dos gastos realizados.

Além disso, 83% das despesas feitas pelo cartão se concentram nas modalidades de saque, pagamento de títulos e transferências entre contas correntes. Segundo a CGU, esses gastos têm como característica comum o fato de não apresentarem de forma direta o destinatário final dos recursos, o que dificulta o controle por parte do CNPq.

O Cartão Pesquisa foi criado em 2009 com a finalidade de viabilizar de maneira simples as compras por parte dos pesquisadores. Ele pode ser usado para aquisição de material e equipamentos necessários para as pesquisas, com valores até o limite estipulado pelos editais. Na prática, funciona como um cartão de crédito convencional, permitindo saques em território nacional e internacional, além de compras pela internet.

Os pesquisadores que detêm um desses cartões precisam apresentar, ao final das suas pesquisas, todas as notas fiscais que comprovem os gastos realizados durante o período de estudo.

No entanto, o relatório da CGU aponta que este controle realizado apenas a posteriori, além de dificultar o controle do destino final do dinheiro, pode estar facilitando gastos irregulares por alguns detentores do cartão.

A auditoria constatou que não foi realizado pelo CNPq nenhum controle sobre os ramos de atividades, o que permite que os pesquisadores utilizem o cartão para compras em qualquer estabelecimento comercial, sem restrição prévia ou trava nos sistemas.

— Essa prestação de contas hoje é toda manual, com notas fiscais. Se houvesse um sistema com análise prévia e dos tipos de gastos que seriam permitidos para aquela pesquisa, facilitaria a capacidade operacional do CNPq para otimizar essa prestação de contas — disse Karin Webster, coordenadora de auditoria da CGU.

Apesar disso, o CNPq informou, em nota, que "a automatização da análise de prestação de contas não pode ser estendida a todo fluxo desse processo, tendo em vista que essa automatização prejudicaria a qualidade dessas avaliações". O órgão admitiu que "ainda é necessário um refino da descrição dos gastos" e, para tanto, "já iniciou tratativas com o Banco do Brasil"

'Despesas Não Elegíveis'
Dentro do levantamento disponibilizado pelo CNPq desde 2013, o relatório apontou que cerca de R$ 40 milhões foram gastos com finalidades "potencialmente não elegíveis", ou seja, que estariam em desacordo com os contratos e regras do benefício ou, então, deveriam ter sido realizados de outras formas.

Gastos com combustíveis, locação de veículos e despesas de rotina como água, luz e telefone, por exemplo, foram classificados como não-elegíveis pelo fato de que, a princípio, despesas desse tipo deveriam ser realizadas por meio do recebimento de diárias — caso a pesquisa indique necessidade —, assim como alimentação, hospedagem e locomoção urbana.

O CNPq ainda assinalou na nota que "as despesas identificadas em categorias não elegíveis são checadas com a prestação de contas e com as regras próprias que cada pesquisa pode ter a partir das definições em cada Chamada Pública ou Acordo de Cooperação ao qual está vinculada".

Entre as despesas levantadas pela CGU que entram em um possível desacordo com as regras do CNPq constam, por exemplo, cerca de R$ 600 na churrascaria Fogo de Chão, no Rio de Janeiro, R$ 271 em uma casa de samba da mesma cidade e R$ 281 em um pub na cidade de Londrina, no Paraná.

Todas essas despesas foram realizadas após a meia-noite, o que o relatório descreveu como "uma rotina atípica de utilização do Cartão Pesquisa em estabelecimentos e horários não condizentes, a princípio, com a finalidade de um projeto de pesquisa".

— O horário pode sugerir algo estranho, mas, como esses gastos podem englobar a organização de palestras e eventos, por exemplo, o pesquisador pode ter usado o cartão com alguma coisa para os palestrantes — frisou Andrea Barbosa, presidente da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped). — Tudo o que está no relatório merece explicação, mas esses motivos podem não caracterizar, necessariamente, um mau uso do recurso.

A solução apresentada pela CGU seria automatizar esse processo de controle, junto ao Banco do Brasil, com tecnologia. Segundo Webster, o CNPq teria que ver para cada um dos editais de pesquisa o que é permitido e o que é proibido gastar em cada caso.

— Eles já têm essa informação e, em uma reunião que tivemos, o Banco do Brasil afirmou que é possível fazer essa configuração de parâmetros por tipo de pesquisa. O ideal é que cada cartão tenha predefinições de locais em que ele pode ser utilizado ou não — afirmou a coordenadora da CGU.

Segundo o CNPq, ao final da pesquisa, no momento da prestação de contas, "caso alguma despesa seja aparentemente atípica, o CNPq solicita esclarecimentos e justificativas". Se o gasto não estiver de acordo com no objeto da pesquisa, "o recurso precisa ser devolvido ao Tesouro".

No entanto, o relatório aponta ainda que, em 2018, o CNPq contava com apenas quatro servidores (além de 23 empregados terceirizados) e apresentava mais de seis mil prestações de contas financeiras acumuladas pendentes de análise.

— Atualmente, o que acontece é que essa checagem de notas fiscais acumula de tal forma que elas acabam sendo analisadas muitos anos depois da prestação de contas — disse Webster.

'Gastos suspeitos'
Em outra parte do relatório, os auditores ainda destacam que foram identificados alguns gastos que chamaram a atenção por, a princípio, não se encaixarem "no conceito de gasto elegível", como a contratação de serviços de streaming (Netflix), serviços de relacionamentos, compra de produtos de beleza, joias, vestuário, entre outros. Apesar de representarem apenas 2,8% (R$ 2,5 milhões) do montante total cedido aos pesquisadores (R$ 1,4 bilhões), esses gastos suspeitos foram feitos por 1.940 pessoas, durante esses cinco anos que a CGU analisou.

— Nos casos dos gastos com Netflix, por exemplo, essa despesa pode se justificar em pesquisas da área de cinema, de linguagem, mas, ainda assim, é preciso analisar cada caso — disse a presidente da Anped. — Em termos percentuais, esses gastos significam um volume muito pequeno de correções. Além disso, certamente esses pesquisadores tiveram que ressarcir o CNPq.

Uma lista de "gastos suspeitos" também foi divulgada ao final do relatório, nela constam parte do CPF do pesquisador, a descrição da compra, o ramo de atividade do estabelecimento, além do valor pago. Dentre as dez compras de maior valor, apenas quatro foram feitas em lojas brasileiras. O documento apresenta gastos feitos em países como Reino Unido, Itália e até Vietnã, onde apenas um CPF gastou quase R$ 40 mil em pelo menos três estabelecimentos de joias e relógios do país.

O CNPq informou que é preciso uma "avaliação criteriosa" de cada um dos casos para "poder julgar o uso dos cartões", acrescentando ainda que "não é possível julgar um gasto sem levar em conta todas essas considerações. Por fim, a instituição frisou que "preza pela cuidadosa análise e reforça a confiança na seriedade de seus pesquisadores".

'O cartão é uma boa ideia, só precisa ser aprimorado'
Para o pesquisador e professor de física da UFRJ, Cláudio Lenz, o relatório apresentado tem o seu valor, mas os gastos suspeitos são ínfimos e não retratam a realidade do pesquisador brasileiro. Ele afirma que a maioria dos seus gastos são feitos por meio de transferências bancárias, que servem para ressarcir alguma compra de material por parte dos alunos ou professores.

— No meu cartão tem cerca de R$ 90 mil. Eu vou ter coragem de andar por aí com ele? — questionou o professor. — O que a gente faz é preservar esse cartão. Todo mundo que faz compras pede a nota fiscal no meu cpf, como o CNPq precisa, e depois eu guardo ela para apresentar no final da pesquisa.

O cientista, que teve o seu cartão fraudado em 2014, mas só veio descobrir o golpe ao final da pesquisa em 2017, insiste que é preciso melhorar a relação do pesquisador com os dados do seu próprio cartão. Quando descobriu a fraude, em 2017, Lenz entrou em contato com o CNPq e foi informado que pelo menos 3.000 denúncias de fraude já haviam sido encaminhadas para o órgão.

— Eu acredito que a maioria desses gastos suspeitos sejam provenientes de fraudes que nem a que eu fui vítima — disse ele. — É muito difícil obter qualquer informação desse cartão, tudo fica atrelado a uma central em Brasília. Não é que nem na minha conta pessoal, que eu consigo receber via SMS quando acontece alguma compra. O cartão é uma boa ideia, só precisa ser aprimorado.

Dentre todos os gastos do Cartão Pesquisa, aqueles classificados como "não elegíveis" representam apenas 2,8% do montante analisado, enquanto os "gastos suspeitos" não chegam a 0,5%.

Segundo a presidente da Anped Andrea Barbosa, o sistema do cartão ainda é muito mais eficiente do que o modelo anterior, que era realizado através de cheques, no entanto, ainda é preciso uma união maior entre pesquisador, CNPq e Banco do Brasil para que esse monitoramento dos gastos avance.

— O controle de gastos só é feito no final da pesquisa e o pesquisador só tem acesso ao extrato uma vez por mês, ou seja, se você faz uma compra no dia 2 do mês de junho, você só consegue pegar o extrato no dia 28 do mês — disse ela. — Tudo isso dificulta o controle dos gastos do pesquisador, que além de ser especialista no seu tema de estudo, também precisa ser especialista na gestão desse dinheiro. É uma sobrecarga.

Pesquisador titular do centro brasileiro de pesquisas cívicas, João Paulo Sinnecker também acredita que é preciso conversar mais com o pesquisador para saber quais são suas demandas. Em 2014, ele também foi vítima de uma fraude e teve que reembolsar cerca de R$6 mil para a União.

— Como a gente não usa o cartão periodicamente e o acesso ao extrato é muito limitado, eu só vi no final da pesquisa que tinham compras de passagens aéreas que eu nunca havia feito. O pior de tudo é que eu não consegui extornar esse gasto porque já havia passado 90 dias da compra — afirmou Sinnecker. —Se você presta contas sobre um dinheiro público que você está usando, na teoria você deveria receber esses gastos detalhadamente, como acontece com cartões de crédito convencionais.

Em relação às fraudes, o Banco do Brasil informou, em nota, que não comenta esses casos em razão das "informações sobre transações financeiras dos clientes serem protegidas pela Lei Complementar 105/2001, que estabelece o sigilo bancário".

O Globo
Portal Santo André em Foco

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