Novembro 26, 2024

'Obras inacabadas': população da PB sofre com creches abandonadas e verba pública desperdiçada

Quase R$ 1,5 milhão investidos. Uma creche cuja construção foi iniciada em 2011 e que prometia beneficiar 150 crianças entre 0 e 5 anos de Araçagi, município paraibano localizado a 83km de João Pessoa. Estava quase tudo pronto, até que algumas irregularidades foram identificadas e a obra parou. Ela nunca mais foi retomada e 12 anos depois quase nada é aproveitado mais. Não é uma realidade isolada e o problema se repete em outros municípios paraibanos.

Esse é o tema da nova série do JPB2, “Obras Inacabadas”, em que os repórteres Laerte Cerqueira e Beto Silva viajaram ao longo de cinco dias por 10 cidades, visitando 15 obras que foram iniciadas por gestores públicos, mas que nunca foram finalizadas, representando um grave prejuízo de dinheiro público. São quatro reportagens e a primeira delas, exibida nesta segunda-feira (17), tratou especificamente de creches.

No caso de Araçagi, o impacto se dá diretamente na população local, impedida de aproveitar um equipamento público que foi prometido, mas que nunca virou realidade. Mesmo chegando a ter 95% da obra concluída.

“A gente fica triste, né? Se a creche hoje estivesse funcionando, era a cidade que estava ganhando. Mas está aí desse jeito, abandonada”, lamenta Fabiana Vieira, dona de casa.

A situação é de abandono total. Com o tempo, o mato foi tomando conta. A população foi saqueando os materiais que tinham sido colocados. Pouco restou da creche, que atualmente está praticamente condenada.

Quem fala desse problema é o funcionário público Neto Pessoa, que lamenta o processo de deterioração feadativa do local que era para ser uma creche. “Por ter muitos materiais bons, como vidro, madeira, portas, vasos sanitários, a população acabou saqueando”, explica. “As pessoas viam isso aqui parado, não inaugurava, vinham a noite. Até hoje em dia ainda tem saques. É muito triste saber que crianças que hoje já são adolescentes não aproveitaram essa estrutura”.

É uma realidade muito parecida ao que aconteceu no município de Guarabira, no Brejo paraibano. Ao todo, na verdadfe, são 64 escolas e creches com obras inacabadas na Paraíba. Obras cujo abandono se torna ainda mais evidente quando as pessoas contam o que mudou ao longo de suas vidas nesse meio tempo.

“Eu estava grávida quando a obra da creche foi iniciada. A menina vai completar sete anos, e essa creche não sai. Ela vai casar e essa creche não sai”, explica a agricultora Maria Aparecida sobre a unidade educacional guarabirense.

Ela lamenta principalmente o fato de a creche ter sido programada para ser erguida na frente de sua casa. E enfatiza ainda que trabalha e que é obrigada a pagar alguém para ficar com as crianças.

Onde deixar as crianças, a propósito, é um problema recorrente. A aposentada Maria José Pereira, por exemplo, fica com os cinco netos durante o dia pelo mesmo motivo: permitir que as filhas trabalhem. Um esforço extra que a creche resolveria se estivesse finalizada. “Eu estou esperando a creche ficar pronta para botar meus meninos, mas ela não termina nunca”.

Catingueira, a 380 km de João Pessoa, é mais uma cidade com problemas em creche. A cidade até comemora o fato de ter vaga sobrando em creches atualmente, mas isso não muda problemas esquecidos no passado. Como um desses equipamentos, cuja construção foi iniciada 15 anos atrás. Ela foi abandonada depois de praticamente todo o dinheiro (aproximadamente R$ 700 mil) ter sido gasto e apenas 30% da obra ser finalizada.

Em Condado, no Sertão, mais problema. E dessa vez, numa ironia das mais curiosas, o problema foi registrado no bairro Conjunto da Creche, em mais um caso de obra quase finalizada, mas não encerrada. Mais um caso de população saqueando o que ficou.

O pedreiro Francisco Arnaldo Soares de Morais é só tristeza ao falar da obra:

“Era para ter terminado. Começaram, e não findaram. Até o material levaram. Eu trabalhei nessa obra. Uns três anos e seis meses mais ou menos. Batalhei, enchi as mãos de calo e nada da obra terminar. Ficou quase pronta, só faltava terminar uns detalhes. Colocar porta, portão tinha levaram. Tinha telhado completo. Já estava terminando o piso de granito quando a abandonaram”, reclama indignado.

Especialistas comentam os prejuízos dessa falta de creche. Glenda Dantas, professora de gestão pública da Universidade Federal da Paraíba, comenta a questão.

“A criança que neste horizonte temporal de três anos seria atendida por uma creche, não vai mais ser atendida. Então, além do prejuízo direto para essa criança, tem o prejuízo indireto para os pais. A mãe vai deixar de trabalhar, ou vai reduzir a sua jornada de trabalho, ou vai comprometer uma parte de sua renda porque vai precisar deixar seus filhos com alguém”, explica.

Na mesma linha está a professora de ensino infantil Alessandra Souto, que destaca os prejuízos na formação da criança. “É a coordenação motora, é o ato de pintar, de cortar, de pegar, de amassar. É isso que ela precisa no começo de sua escolaridade. É todo um processo. Lá na frente é que ela vai realmente aprender a letrinha, a escrever, a falar. Porque já existe todo um processo de base. Quanto mais novo a criança chega na escola, mas ele tem esse processo de adaptação”, comenta.

Procurador do Ministério Público Federal, Tiago Misael explica que existe uma investigação em curso sobre não execuções de creches do Pró-Infância, Programa do Governo Federal que liberou verba para esse fim. E que todos serão responsabilizados.

“Tem um conjunto enorme de cidades que têm creches não executadas. E todas essas creches estão sendo investigadas dentro de um mesmo procedimento. Aquele que causa dano ao erário, vai ter que ser responsabilizado. Seja no âmbito criminal, seja no âmbito do enriquecimento ilícito da improbidade administrativa”, resumiu.

Em passagem pela Paraíba, em maio, o ministro da Educação, Camilo Santana, autorizou a retomada de 44 obras de educação infantil. Entre elas as que foram mostradas na reportagem, em Araçagi, Condado e Catingueira.

As prefeituras, para receber a verba, precisam formalizar o pedido de apoio ao Governo Federal.

O outro lado
A Prefeitura de Araçagi dá como a obra perdida e diz que vai superar o déficit de vagas após concluir as obras de duas creches. Já o ex-prefeito Onildo Câmara afirmou que em 2012 deixou a creche95% pronta, mas não sabe dizer porque os gestores que o sucederam não concluíram o que faltava.

O prefeito de Guarabira, Marcos Diogo, afirmou que a construção da creche começou numa gestão anterior, em 2014. E parou por falta de recursos do Governo Federal. Marcos disse que já pediu autorização para concluir a obra com recursos próprios, mas o pedido foi negado. Agora, espera solução federal.

g1 PB
Portal Santo André em Foco

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