A morte, acontecimento de cada um
Como não há vidas iguais, também não há mortes iguais. Mesmo que muitas vidas sejam ceifadas num mesmo acidente, a morte colhe cada pessoa em seu momento existencial único e diferente. Esta passagem, cada pessoa a faz sem acompanhante, nem acusador, nem defensor. A máxima solidão é experimentada no morrer de cada um. Nesta solidão da passagem, a morte se torna bendita, porque passa a ser a única porta pela qual se pisa o eterno chão da plenitude do amor.
Nossa condição humana é marcada permanentemente por nos sentirmos sempre diante do horizonte da morte, que dá às nossas ações uma marca de transcendência e valor único. Estamos sempre diante de um espaço de tempo limitado. Esta verdade é que vai dando valor a cada ação, cada opção e cada compromisso. O horizonte finito de nosso viver não nos permite esbanjar a oportunidade da vida com seus momentos oportunos.
Mal comparando, o que dá relevância e significado a cada jogada de um bom atleta numa partida de futebol, é o limite do tempo. Um tempo indefinido para uma partida tiraria totalmente a garra, a determinação e a luta por uma vitória. Por saber o limite do tempo é que torna o atleta aguerrido e desafiado em seu desempenho. Diante da caducidade da vida, a liberdade se concentra e se aguça para que os atos da vida tenham consistência, como investimento de eternidade.
Por mais que se queira definir a morte, toda a lógica humana perde sua capacidade. Na Constituição Pastoral do Concílio Vaticano II “Alegria e Esperança” n. 18, afirma-se: “Diante da morte, o enigma da condição humana atinge seu ponto alto... A semente de eternidade que a pessoa leva dentro de si, irredutível a só matéria, insurge-se contra a morte. Todas as conquistas da técnica, ainda que utilíssimas, não conseguem acalmar o homem”.
Por ser um acontecimento de cada um, uma passagem pessoal não há como negar a angústia humana diante da morte. A própria Bíblia está impregnada da angústia de morrer. O próprio Cristo não foi poupado da angústia em seu momento final da crucificação. Sentiu-se abandonado por todos, até pelo Pai.
Ninguém de nós consegue lembrar, nem descrever o que aconteceu em nosso parto, quando nascemos para esta vida. Mesmo assim não se nega o acontecimento traumático, por deixarmos o ventre seguro da Mãe e sairmos para um mundo antes inimaginável. Bem maior e mais intenso é o momento crítico do segundo parto, do tempo para a eternidade. É por este motivo que, na caminhada da vida, vamos nos tornando os parteiros de nós mesmos.
Na passagem do tempo para a eternidade, da vida presente para a vida futura, não temos como passar uma procuração a ninguém para que administre a nossa decisão final. Se nosso viver é um acontecimento que nos chama a ser sujeitos e não objetos, o nosso morrer também, e muito mais, necessita de nossa resposta pessoal intransferível. “Cada um prestará contas perante Deus da própria vida, segundo o bem e o mal que tiver feito” (cf. 2Cor 5,10).
Frei Luiz Turra
Pesquisa: Arimatéa Porto
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