Flores para nossos mortos
Conheço uma criança da comunidade paroquial que, semanalmente, vai levar flores no túmulo de sua mãe, falecida em acidente. Um dia desses, um dos funcionários do cemitério perguntou à criança qual era o motivo de sua prática semanal. Com toda a espontaneidade, a criança respondeu: “Faço isso porque sei que a mãe está viva e as flores têm vida!”
O que faz esta criança pensar assim e dar sinais do que crê é uma certeza que, antes de estar na mente, está no coração e no sangue. Como ela, multidões fazem isto em homenagem aos que partem. No sepultamento de um jovem familiar meu, eram incontáveis as coroas de flores que lhe serviram de homenagem. Uma a uma, eram todas colocadas ao redor do caixão, transformando o cenário num verdadeiro jardim. Alguém, misturando as lágrimas com a gratidão, por tantos sinais de solidariedade, dizia-me: “Frei, nesta hora o que nos consola é a fé em Deus e a solidariedade das pessoas amigas”.
A solidariedade se confirma também na presença silenciosa e nas flores para nossos mortos. Estes são gestos simbólicos que se transformam em hinos à vida. O símbolo das flores aponta para a beleza, que ajuda superar o rosto indesejado da morte. Flores vivas em homenagem à vida, são, por si só, reveladoras de fé que transcende a aparência e apontam para uma vida que continua.
É quase impossível que um humano consiga ficar indiferente diante da realidade da morte dos outros e da certeza da morte que já carrega consigo. Como revesti-la de flores se tudo parece espinho? Como acolhê-la com ternura, se ela nos agride radicalmente em nosso desejo de viver? Há alguns anos assisti um inédito teatro sobre a vida de São Francisco. Quando chegou o momento da morte, ele cantava: “Vem, ó doce morte! Traga contigo o perfume da eternidade! Vem, ó doce morte!” Na cena, então, aparece a Irmã Clara trazendo-lhe flores do campo. Ao colocá-las em seu peito, deu o último suspiro. Será isso somente poesia?
Será a prática semanal da criança que vai levar flores para sua mãe falecida, apenas uma rotina? As coroas nos velórios dos amigos, serão apenas uma formalidade de conveniência? Na verdade, creio que as flores sinalizem um pouco do mistério daquela fé escondida e silenciosa que até os descrentes podem experimentar. Se negamos que a vida continua e a eternidade habita em nós, as flores para nossos mortos não passariam de uma inútil formalidade.
Sabemos que o Cristianismo tem autoridade para oferecer o significado imenso dos pequenos gestos em homenagem à vida. Uma flor desabrochada sinaliza a semente plantada, que se sujeitou a morrer para confirmar a beleza da ressurreição no desabrochar para a fecundidade da vida. Uma poetisa alemã, enfrentando as angústias da sua história escreve: “Ainda tenho flores do deserto em meus braços. Ainda trago em meus cabelos o orvalho dos vales da primeira humanidade. Ainda tenho orações, nas quais ecoam os campos. Ainda sei como se vive piedosamente a tormenta e como se bendiz a água...”
Frei Luiz Turra
Pesquisa: Arimatéa Porto
COMECE O DIA FELIZ
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