Velas acesas para nossos mortos
Dar-se conta da necessidade da linguagem simbólica da religião é um sinal de sabedoria. Não somos anjos, nem simples animais, nem demônios, nem super-homens ou supermulheres. Símbolos são símbolos e não simbolizados. Fazem parte de nossa linguagem comunicativa. O simbolizado é sempre surpreendente, misterioso e inatingível aos sentidos. Sabemos algo do que seja o amor, mas não temos uma definição matemática, nem um acesso total ao amor. Uma flor para uma pessoa amada não é todo o amor, mas um sinal motivado pelo amor.
Velas acesas para nossos mortos não desvendam a eternidade no tempo, nem permitem por em retirada às sombras da morte. Velas acesas, em chama, para nossos mortos são uma linguagem aproximativa que nos ajuda a sentir a luminosidade da vida que não se deixa prender pelas trevas da morte.
Conheci uma Igreja deste Brasil que decidiu substituir as velas acesas por pequenas luzes que, ao receberem uma moeda, acendem por um determinado tempo. A intenção de quem decidiu instalar este mecanismo era boa: evitar a poluição e o estrago das pinturas do templo. Porém, a reação popular veio pelo lado do simbólico. Quem chegasse para acender uma lâmpada, não via, nem sentia nada mais do que um mecanismo frio e sem vida.
Depois de um determinado período de experiência bem intencionada, mas frustrada, o Padre se viu forçado a construir um velário, em lugar adequado para favorecer o diálogo simbólico de fé. Até parece um retrocesso ao primitivo, quando um velário eletrônico poderia dar sinal de evolução e modernidade.
Porém, a vela acesa expressa um dinamismo carregado de sentido. É fogo acendendo o fogo; é movimento natural que o vento pode apagar e, por isso, necessita de proteção; é o tremular que acena para a movimentada e frágil caminhada da fé; é o consumir-se por uma causa nobre, sem cobrar, nem reclamar; é o acenar para a grande luz que não vacila nem se apaga.
Conheço pessoas simples, e de acentuada vivência de fé, que se posicionam diante da simbólica vela acesa e passam horas em oração e contemplação. São estas pessoas que sabem usar o símbolo para entrar no mundo do simbolizado. Por ser tão rico o mundo do simbolizado, um símbolo não se reduz a um pobre e pequeno objeto descartável, mas a algo sagrado e respeitável.
Ao acompanhar um sepultamento de uma senhora da comunidade, vi em suas mãos, junto ao terço, uma vela enfeitada. Um familiar dizia-me que esta era a vela de seu batismo. Ela deixou escrito, no testamento, que desejava ser sepultada levando a vela para confirmar a fé que um dia foi acesa no batismo e, na morte, passaria a fazer parte da grande luz do Ressuscitado.
Velas acesas para nossos mortos recordam e apontam para um significado maior do que uma formalidade conveniente, ou um simples objeto. “Deus é luz e nele não há trevas” (1Jo 1,5). “Eu sou a luz do mundo, quem me segue não anda nas trevas, mas terá a luz da vida” (Jo 8,12). Velas acesas para nossos mortos ajudam a tornar transparente a opacidade da morte.
Frei Luiz Turra
Pesquisa: Arimatéa Porto
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