Tâmara de Oliveira Queiroz tinha acabado de comprar seu próprio carro. Estava feliz, compartilhando com a filha, por ligação em vídeo, a conquista que tinha realizado. Mas já carregava consigo um passado de agressões e violência. Seu último momento de vida foi no dia 18 de abril de 2019. “Ela estava linda no dia”, disse Sara Valença, de 20 anos, filha da vítima. Tâmara foi uma das 38 mulheres assassinadas em 2019 por motivação relacionada ao gênero.
O número de feminicídios representa 52% da quantidade de mulheres assassinadas no ano passado. Em 2018, esse percentual foi de 40,5%. De acordo com o Núcleo de Análise Criminal e Estatística, foram registrados 84 Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLI) com vítimas do sexo feminino, sendo 34 desses, feminicídios - quatro a menos que no ano de 2019.
O ano de 2019 foi violento para as mulheres da Paraíba. O número de 38 feminicídios é superior ao de homicídios dolosos de mulheres, que não têm relação com o gênero, e acertou a estatística de 32 casos. Além disso, os dados também mostram que duas mulheres morreram por latrocínio, quando acontece o roubo seguido de morte, e outra por lesão corporal seguida de morte. No total, 73 mortes.
O mês com o maior número de feminicídios foi justamente o que fez Tâmara entrar para as estatísticas. Além dela, outras cinco mulheres também foram mortas por seus companheiros ou ex-companheiros. Igualando a abril, o mês de outubro também registrou 6 feminicídios. Não houve um mês do ano que uma mulher não tenha sido morta por questões de gênero.
'Marconi deu um tiro na sua mãe e se matou'
Essa foi a frase que Sara escutou quando recebeu a notícia sobre a morte da mãe. Marconi Alves Diniz matou a ex-companheira com três tiros, no bairro da Torre, em João Pessoa. Logo depois ele também se matou com um tiro no ouvido. O crime aconteceu em frente a uma concessionária de veículos. De acordo com informações da Polícia Militar, a vítima do feminicídio chegou a ser socorrida, mas não resistiu e morreu.
Conforme a Polícia Civil, o filho do homem é o dono da concessionária. A vítima e o suspeito trabalhavam juntos no estabelecimento. Eles estavam separados há cerca de dois meses, mas Marconi não aceitava o fim do relacionamento. Antes dos tiros, os dois teriam discutido. A arma do crime foi encontrada embaixo do corpo dele.
Quando soube do que aconteceu, Sara saiu do quarto gritando. Difícil acreditar, já que o dia amanheceu tão contente para Tâmara. Os irmãos ouviram e também se desesperaram. “O corpo dela estava em choque, por isso pensaram que ela estava viva”, conta Sara. Tâmara ainda foi levada para um hospital particular.
“A imagem não sai da minha cabeça”, revela a filha. Sara conta com detalhes e emocionada a cena que encontrou quando chegou ao local. Jamais imaginaria que a última vez que veria a mãe seria dentro de um saco preto, com um roteiro nada agradável. Não teve tempo de sentir o luto. Sara foi logo resolver pendências de velório e enterro. As lágrimas representavam um misto de saudade, indignação e a estranha sensação de não acreditar no que estava acontecendo.
Tâmara deixou para trás cinco filhos que tentam se recuperar diariamente da dor dilacerada que três tiros foram capazes de deixar. Apenas um desses filhos também é filho de Marconi. Nenhum deles trabalhava, alguns já tinham filhos, mas a maioria era ajudado por Tâmara.
Com o passar dos meses, a responsabilidade bateu na porta. Sara e a irmã foram morar com os namorados. O filho do casal foi morar com uma tia, porque as irmãs não tinham condições de criá-lo. “Quando minha filha completou sete meses fui atrás de emprego, agora eu estou trabalhando, mas com muita dificuldade”, conta Sara. O emprego dela também é em uma concessionária. Tudo lembra a mãe.
História marcada por violência
A história de Tâmara começa em Caruaru, com quatro filhos e vítima diária da violência doméstica. Quando resolveu dar um basta na situação, fugiu com os filhos para João Pessoa, quando começou a trabalhar para o primo de Marconi. “Depois de um tempo, Marconi veio para João Pessoa tirar férias e visitar o filho. Foi então que eles se conheceram”, disse Sara. Tâmara trabalhava como doméstica e Marconi na concessionária do filho. Com o tempo, passou a trabalhar na mesma concessionária como vendedora e, em seguida, como gerente, sendo o braço direito do filho de Marconi.
Com as dificuldades financeiras que Tâmara passava, Marconi acabou sendo um apoio. Comprou geladeira, fogão e ajudou em várias situações. Os anos se passaram, se conheceram melhor e começaram o relacionamento. Em seguida, nasceu o filho dos dois, hoje com dez anos.
“Antes de acontecer, eu nunca tinha reparado no que estava acontecendo diariamente. Após o acontecido, foi que eu vi o que estava se passando”, revela Sara. Marconi já havia tentado matar Tâmara outra vez. E esse teria sido justamente o motivo da separação. No dia que esse momento aconteceu, Tâmara ligou para Sara chorando, desesperada. Ela disse que estava trancada em casa, com medo do que Marconi pudesse fazer com o filho deles, de apenas dez anos. Sara estava grávida nessa época, dois meses antes da morte da mãe.
Os casos de ciúmes eram frequentes. Os dois estavam em casa quando Tâmara recebeu um telefonema de um cliente. “Ele surtou”, conta Sara. Foi até o quarto e procurou a arma. Quando encontrou, apontou o revólver para Tâmara. Nesse momento, o filho se jogou na frente da mãe pedindo para o pai matar ele, mas deixar a mãe dele viva.
Com o tumulto de vizinhos e familiares que começaram a chegar, Marconi foi embora da casa. Mas depois voltou e não queria sair mais para que Tâmara pudesse pegar suas roupas e ir embora de vez, porque acreditava que os dois pudessem reatar o relacionamento. Já separados, por muito tempo, Marconi a seguia.
Na noite anterior ao crime, Marconi foi até a casa do namorado de Sara. “Só falava dela (Tâmara). Disse que era a última vez que ia tentar voltar com minha mãe. Era incrível como ele reagia. Era como se ele estivesse aéreo”, lembra Sara.
'Um vazio que não cabe no peito'
Depois de mais de nove meses, a visão de Sara sobre os relacionamentos mudou. “Nunca concordei em ela preservar esse relacionamento abusivo. Ele era doente de ciúmes. Arranhava o carro dos clientes, ficava olhando ela no escritório pelas câmeras”, conta.
Hoje, o que sente, é “um vazio que não cabe no peito, uma dor incomparável”, desabafa. “Se não fosse minha filha, meu mundo estaria acabado, porque minha vontade é de morrer. Todos os dias quando acordo penso o quanto ela foi boa para nós, o quanto ela se dedicou para dar o melhor”, desabafa emocionada.
A dor não foi embora. Mas Sara passou a entender. “Porque assim como minha mãe, outras mulheres se submetem a passar por isso, ‘por amor’, ‘por filhos’, ‘por família’, e esquecem que o que importa é sua vida emocional. As mulheres podem tudo que quiser, elas não precisam de um homem para viver. E elas precisam, sim, denunciar. Eu imagino que se da primeira vez que ele tentou matar, ela tivesse denunciado, talvez teria evitado (a morte)”, conta.
Crime semelhante
No dia 15 de abril de 2019, um homem também matou a esposa e depois cometeu suicídio, em um motel na BR-104, entre a saída de Campina Grande e a cidade de Queimadas, no Agreste paraibano. Ele mandou mensagens no WhatsApp para o irmão informando que matou a mulher e que iria se matar em seguida com um revólver.
Para a polícia, Aderlon planejou a morte de Dayse Ariceia da Silva Alves, de 40 anos. Ainda de acordo com a polícia, o casal - que tinha duas filhas, uma de 8 anos e outra de 17 - estava separado há 9 dias. Mas, segundo a família, Dayse e Aderlon já não viviam na mesma casa há cerca de um ano, quando o homem decidiu ir morar na casa da mãe dele.
G1 PB
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