Novembro 24, 2024

Impactos climáticos: Paraíba tem aumento de 106% na área desmatada e elevação gradativa da temperatura

Entre os anos de 2022 e 2023, a Paraíba apresentou uma aumento de 106,5% na área desmatada. Os dados do último Relatório Anual do Desmatamento do Brasil mostram que, no ano passado, a área desmatada na Paraíba era superior a 13 mil hectares, o que corresponde a mais de 12 mil campos de futebol. Uma reportagem especial do Núcleo de Dados da Rede Paraíba de Comunicação ouviu pesquisadores sobre o assunto e conversou com moradores que são constantemente afetados pelos impactos climáticos.

É assustador perceber que, a cada amanhecer, o planeta dá inúmeros sinais de que algo não está nada bem. São alertas claros: a praia, um dos espaços públicos naturais mais democráticos que existe, parece, aos poucos, desaparecer sob as ondas.

As temperaturas escaldantes transformam uma simples caminhada em um desafio. As fortes chuvas alagam cidades e causam destruição e sofrimento.

Ildenis Almeida é morador da comunidade São Rafael, no Castelo Branco. Ele conta que quando chove muito, não pode dormir, precisa ficar em alerta para evitar que a água entre em casa. "Teve uma vez que eu estava numa enchente que chegou a água até aqui, mais ou menos um metro e vinte, um metro e dez. Quando a draga faz o serviço bem feito no rio, a gente não sofre as consequências, mas quando não faz, a gente sofre as consequências, todos os moradores", desabafa.

Cada decisão tomada por nós influencia o futuro do nosso planeta. E o presente é resultado de escolhas feitas lá atrás.

Na Paraíba, o cenário chama a atenção. Em João Pessoa, por exemplo, de acordo com dados do Instituto Nacional de Meterorologia, em 1964, a média da temperatura, em João Pessoa, foi de 29,5ºC. Em 1993, 29,8ºC. Nos anos 2000, a média da temperatura já começou a atingir a casa dos 30ºC. Em 2005, a temperatura média chegou a 30,2ºC. Em 2017, a média da temperatura atingiu pela primeira vez em 31,1ºC. E em 2024, até o mês de maio, a média da temperatura está em 33ºC. Extremos climáticos cada vez mais evidentes.

Impactos previsíveis, consequências constantes
Até parece que são consequências isoladas, mas tudo está interligado: desertificação, chuvas, alagamentos, altas temperaturas. O professor do Departamento de Geografia da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), Ranyére Nóbrega, explica que nada é coincidência e que as mudanças observadas não tem, necessariamente, ligação com o volume total da chuva, mas sim com a distribuição.

“Por exemplo, os eventos estão cada vez mais intensos. Então quando você pega no ano todo, a média, quando a gente faz a média, o volume de precipitação está quase a mesma coisa. Quando nós analisamos o número de dias com chuva, esses números de dias estão cada vez menores”, detalha o professor.

Isso significa que as chuvas estão mais intensas em curto período. “Para um ambiente urbano como João Pessoa, vai trazer problemas como alagamentos, movimentos de massa e tudo mais. Para um ambiente de semiárido, será horrível. Se essa concentração de chuva diminuir ainda mais no contexto de mudanças climáticas, passar a chover durante dois meses, um mês, como é que essa água será captada e armazenada para suprir as necessidades?”, completa Ranyére Nóbrega.

Se esses impactos estão intimamente ligados, as mudanças nos padrões climáticos tendem a acontecer cada vez mais, o que também interfere na intensidade e frequência das chuvas. As mais de 700 famílias que vivem na Comunidade São Rafael, em João Pessoa, sentem os danos dessa força da natureza na pele.

De acordo com a Defesa Civil, João Pessoa tem, pelo menos, 27 áreas de risco monitoradas. No bairro do Castelo Branco, a Comunidade São Rafael, foi a primeira do Complexo Beira Rio a passar por esse mapeamento, projeto que começou em 2015 e só foi finalizado em 2021.

Áreas monitoradas pela Defesa Civil em João Pessoa

  1. Saturnino de Brito, nas Trincheiras
  2. Comunidade Santa Clara, no Castelo Branco II
  3. São Rafael, no Castelo Branco/ Rádio Tabajara
  4. Tito Silva, em Miramar
  5. São José, no bairro São José
  6. São Judas Tadeu, no bairro Alto do Mateus
  7. Boa Esperança, no bairro Cristo Redentor
  8. Maria de Nazaré, no bairro Funcionários II
  9. Riacho/Riachinho, no bairro 13 de Maio
  10. Chatuba, no bairro Manaíra
  11. Santa Emília de Rodat, no bairro Ilha do Bispo
  12. Porto do Capim, no bairro Varadouro
  13. Felipeia, no bairro Tambiá
  14. Beira da Linha, no bairro Alto do Mateus
  15. Barreira do Cabo Branco, no bairro Cabo Branco
  16. Comunidade do ‘S’, no bairro Roger
  17. Santa Bárbara, no bairro Valentina de Figueiredo
  18. Nova República, no bairro Geisel
  19. Arame, no bairro Grotão
  20. Bananeiras, no bairro Grotão
  21. Porto de João Tota, no bairro Mandacaru
  22. Jardim Coqueiral, no bairro Mandacaru
  23. Rua Ari Barroso, no bairro Alto do Mateus
  24. São Geraldo, na R. São Geraldo
  25. KM 19/BR 230, no no bairro Castelo Branco
  26. Padre Hildon, na Torre
  27. Renascer, no Distrito Mecânico/Varadouro

A construção de uma sede sustentável no local, em um espaço onde era um terreno baldio, deve funcionar como um complexo de solução de problemas ambientais. Tudo feito pelas mãos dos próprios moradores. Atualmente, mais de 700 famílias vivem por aqui e sofrem, todos os anos, com os efeitos das chuvas.

Quando chove forte, quase 100 casas, que ficam bem próximas ao Rio Jaguaribe, chegam a alagar. A perda, na maioria das vezes, é total.

Seu José Marcos tem 71 anos e é nascido e criado na Comunidade São Rafael. Ao longo das últimas décadas, foram muitas as cenas de destruição que ele presenciou no local.

“[Os moradores] ficam com medo. Com medo que a água aumente. Como essa última chuva que deu, teve alguns moradores que perderam uma geladeira, perderam alguns móveis e alguns eletrodomésticos também. Perderam com a água. Mas foi, dizendo de novo, aquelas mesmas casas que foram invadidas por água. Aí o perigo é esse”, detalha.

Daniel Pereira é coordenador do Instituto Voz Popular, uma iniciativa dos próprios moradores da Comunidade São Rafael. Ele conta que são muitos os planos para que a comunidade resista às mudanças climáticas, ao avanço do rio e ao que ainda pode estar por vir.

“A proposta que a gente tem é um espaço como esse, uma usina solar para abastecer de energia a sede, uma horta comunitária e, ao mesmo tempo, a gente vai ter reuso de água e um biodigestor para fazer o tratamento do esgoto. Pensar essas alternativas que são as tecnologias sociais que podem ajudar nessa diminuição do aquecimento global e ao mesmo tempo gerar renda e gerar trabalho dentro do território. Então a proposta é que aqui na nova sede do Instituto Voz Popular a gente consiga mostrar que a partir de pequenas experiências a gente consegue transformar em grandes experiências que se replicam pela cidade”, ressalta Daniel.

Planos colocados em prática para resultados a longo prazo. É o que dá para fazer no momento. Uma contenção de danos que parece acontecer no mundo inteiro. Cenários de emergência global que também são repletos de injustiças sociais. Andréa Porto é geógrafa e acompanha de perto o cenário preocupante da comunidade São Rafael.

"Parte da comunidade está dentro de uma área considerada de risco por conta da inundação. É uma comunidade que precisa de melhores infraestruturas, mas o que a gente tem observado aqui, nas intervenções mais recentes, é uma proposta bastante injusta socialmente falando, porque se constrói um cenário de risco climático para 100 anos, onde você aumenta a área alagável desse risco e você remove mais pessoas do que é necessário. Não se faz política pública com 100 anos. Então a gente precisa pensar num outro cenário, que não necessariamente retire e remova todo mundo desse local", destaca a geógrafa.

Queimadas, desmatamento e ação humana
Os impactos negativos da ação humana estão cada vez mais evidentes. Enquanto o Rio Grande do Sul vive uma das maiores tragédias da história do estado, a chuva persiste e a dificuldade de escoamento das águas, gera sofrimento. Segundo especialistas, a retirada da vegetação nativa tornou a região mais vulnerável e agravou os efeitos das tempestades.

Mas será que esse cenário está tão distante da nossa realidade? Na Paraíba, o bioma caatinga ocupa cerca de 90% do território, o que mostra a importância de conhecer e valorizar as diferentes características dessa vegetação. No Nordeste, a Paraíba e o Rio Grande do Norte foram os estados que mais apresentaram aumentos expressivos na área de vegetação suprimida, um crescimento que representa mais de 100%, segundo relatório referente a 2023.

As queimadas também influenciam nessa perda e, historicamente, tem transformado a caatinga, de um bioma florestal, para um bioma arbustivo e cada vez mais degradado.

Os dados são do MapBiomas, uma rede colaborativa formada por ONGs, universidades e startups de tecnologia, que conta com vários pesquisadores envolvidos.

O coordenador do MapBiomas Caatinga, Washington Rocha, reforça a preocupação. “É um cenário preocupante porque nós temos a ameaça de eventos climáticos extremos com possibilidade de catástrofe. Lembrando que temos um potencial de catástrofe de dois sentidos, de enxurradas e temos também risco de secas prolongadas, ampliação de desmatamento e por último a conservação do patrimônio genético que implica em você manter o ecossistema com os seus serviços ecossistêmicos ativos”, frisa.

Em João Pessoa, o aumento da construção de empreendimentos em locais com variedade de fauna e flora, é uma realidade que também pode gerar prejuízos, quando o assunto é desmatamento.

O aumento contínuo dos alertas de desmatamento, na Paraíba, conforme registrado pelo MapBiomas, é um sinal preocupante da perda acelerada dos ecossistemas naturais. Para se ter uma ideia, se em 2019 foram três alertas de desmatamento, no ano passado, foram quase 2.200. Se um campo de futebol tem pouco mais de um hectare, a área desmatada em nosso estado, só em 2023, representa mais de 12 mil campos de futebol.

Desmatamento que tem profundo impacto nas mudanças climáticas, na perda da biodiversidade e na erosão e degradação do solo. Atualmente, pesquisadores da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) investigam se as rochas que foram colocadas no sopé da barreira do Cabo Branco, construção conhecida como enrocamento, seria responsável por reduzir a faixa de areia da praia e, por consequência, aumentar a erosão da calçadinha, área destruída pela intensa ação do mar. O resultado ainda é inconclusivo, mas é certo que a elevação dos níveis dos oceanos é um dos impactos mais significativos das mudanças climáticas, resultante, principalmente, do aquecimento global.

O geógrafo e professor da UFPB, Saulo Vital, contribui para esses estudos e fala sobre as consequências desse cenário para as cidades litorâneas, como João Pessoa.

"Também precisa levar em consideração o avanço da urbanização, então nem tudo vai ser necessariamente avanço do nível do mar. Claro que nós estamos passando por um processo de aquecimento e, como consequência, teremos esse avanço. Mais fiscalização em relação às ocupações que estão na orla, para que não ocorram os dois processos, o mar avançar e a urbanização também", destaca o geógrafo.

Investir em infraestruturas resilientes, promover práticas de uso sustentável da terra e reduzir as emissões de gases de efeito estufa são passos importantes para enfrentar os desafios climáticos, segundo especialistas. Mas é a prevenção, ao contrário da contenção de danos, que pode garantir um futuro sustentável. O que vamos deixar para as próximas gerações, é um problema de hoje, está aqui, e nos acompanha não só nos noticiários, mas em nossa rotina. É algo que não dá mais para ignorar.

g1 PB
Portal Santo André em Foco

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