A 445 km de João Pessoa fica Santa Cruz, cidade do sertão da Paraíba. De lá, saiu Maria da Conceição rumo à capital, uma doceira de 35 anos e mãe de 3 filhos, que parou de estudar aos 15 anos de idade após o casamento. Ceiça, como é chamada, faz parte dos 58 mil alunos da rede estadual da Paraíba matriculados na categoria de Educação para Jovens e Adultos (EJA), segundo dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).
Os 58 mil alunos na modelidade EJA da rede estadual de ensino estão divididos em 481 escolas, segundo a Secretária de Educação da Paraíba. De acordo com o Inep, na Paraíba, de 2014 a 2017 mais de 30 mil de alunos se formaram no EJA na rede estadual.
Quando casou, Ceiça passou a trabalhar na roça, além de fazer artesanato em casa e teve a primeira filha ainda com 17 anos. Voltar a estudar ficou ainda mais complicado com filhos, o trabalho e morando no sítio.
“No sítio era mais complicado estudar, porque precisava se deslocar do povoado para a cidade, era muito complicado porque eu tinha filho pequeno”, explica Ceiça.
Apenas 18 anos depois, já com 3 filhos e morando em João Pessoa, Ceiça pode voltar a estudar. Ela continuou seus estudos na Escola Municipal de Ensino Fundamental Índio Piragibe, em Mangabeira, onde completou os ciclos 3 e 4 - adaptações das séries para a otimização do ensino e, no caso, referem-se ao 6° e 7°; 8° e 9° anos do ensino fundamental.
Voltar a estudar foi muito difícil devido à rotina. “Esses dois anos (iniciais)... foi Deus. Nesse tempo eu estava trabalhando pra uma doceria e só tinha hora de entrar (na escola), às 20h30, não tinha hora de sair. Eu faltei muitos dias porque não dava tempo e houve dias que eu chegava e ia direto tomar banho pra vir pra escola, a sorte que lá tinha janta e a gente jantava por lá… mas, aquele cansaço”, desabafa.
Dificuldades
A rotina de trabalho é uma das dificuldades dos alunos apontada pela professora Beatriz Xavier, da Escola Municipal Rita de Miranda Henriques, em Mangabeira. Ela conta que as aulas são mais reduzidas, pois muitos alunos saem direto do trabalho para a escola. Além do cansaço, fatores como transporte e localidade interferem no rendimento da aula. “Na teoria, as aulas são de 19h às 22h, mas na realidade vai até as 21h30, com muita força de vontade”, explica Beatriz.
Em termos de avaliação, são feitas atividades e provas mais flexíveis. “Não é uma prova que pode definir o aluno, se a gente fosse se basear só em provas dificilmente teríamos um número de aprovação bom. Avaliamos muito a frequência, a participação, tudo isso importa”, diz a professora.
Apesar do cansaço, Ceiça iniciou neste ano o Ensino Médio, o ciclo 5 (1°e 2° ano), na Escola Estadual José Baptista Mello, também em Mangabeira. São 170 alunos na instituição, nos ciclos 5 e 6. A rotina dela continua sendo cuidar da casa, trabalhar e estudar. A filha caçula tem 5 anos e, para ir à escola, Ceiça ainda tem que deixá-la com alguma cunhada, caso o marido esteja trabalhando.
A estudante já sente mais responsabilidade no Ensino Médio. “É mais responsabilidade, tá sendo mais puxado. Ainda não tá tendo todas as aulas, não tá tendo todos os professores, ai quase todo dia a gente termina mais cedo, horas a gente acha bom porque tá cansado e vai pra casa, horas a gente acha ruim porque atrasa né? Mas é isso”, conta a estudante.
Nas escolas municipais de João Pessoa, foram 4.476 formados no ensino médio EJA e 5.057 desistentes. as dificuldades são sentidas por todos os alunos e é muito comum que os estudantes desistam. De acordo com os dados fornecidos pela Secretaria de Educação e Cultura de João Pessoa, na capital, de 2014 a 2017, mais de mil alunos desistiram por ano ciclo.
A vontade de desistir também foi sentida por Ceiça, que contou com o apoio dos familiares e professores para continuar:
“Sempre os professores, meu esposo, os colegas que a gente faz, sempre me incentivaram pra eu não desistir, mas eu pensei em desistir, porque muito cansada.”
Planos após escola
Após concluir o ensino médio, Ceiça pretende fazer cursos profissionalizantes em sua área, para se aperfeiçoar, algo mais curto que um curso superior, “tem que ser algo de 6 meses, 1 ano, porque é muito puxado, e essas coisas você tem que ter um tempinho pra você parar um pouquinho, ler, estudar. é tanto que digo aos meus filhos, estudem enquanto vocês tão aí novinho, não tem responsabilidade com nada”.
G1 PB
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