Novembro 25, 2024

Nova queda da Selic: o que mudou na economia desde o primeiro corte e o que esperar para o futuro

O Banco Central do Brasil (BC) anunciou mais um corte na taxa básica de juros do país nesta quarta-feira (20). A Selic sofreu seu sexto corte de 0,50 ponto percentual (p.p.), chegando aos 10,75% ao ano.

Esse é o menor patamar da taxa básica de juros desde fevereiro de 2022. O ciclo de cortes da Selic começou em agosto do ano passado, acompanhando a melhora do quadro inflacionário no país.

Na teoria, com juros mais baixos, o crédito fica mais barato para as empresas e para as famílias — o que gera mais consumo e investimentos, ajudando a promover o crescimento da atividade. Mas os números da economia podem não melhorar tanto ao longo do ano.

O processo em que o Banco Central mantém os juros básicos em patamares elevados é chamado na economia de política monetária contracionista (entenda mais abaixo). Os cortes promovidos desde o ano passado são vistos como uma flexibilização dessa política por parte da instituição.

Especialistas ouvidos pelo g1 explicam, no entanto, que apesar de alguns empréstimos e financiamentos já estarem mais baratos, as empresas ainda não tiveram confiança para aumentar os investimentos de forma significativa. Agora, o mercado projeta uma desaceleração da atividade do país em relação aos anos passados, que haviam sido impulsionados pelos estímulos do governo e pelo consumo das famílias.

Nesta reportagem, você vai entender:

  • Quais os efeitos da queda da Selic para a população?
  • Por que a queda de juros estimula a economia?
  • Como a queda de juros também se reflete nos investimentos?
  • A política monetária do Banco Central passará a ser expansionista em algum momento?

Quais os efeitos da queda da Selic para a população?

O "repasse" da queda da Selic aos juros na ponta consumidora tem um período de defasagem, que leva de três a seis meses para ser sentido pela população. E como já se passaram sete meses desde quando o BC começou a cortar os juros, os primeiros sinais dessa redução já começaram a aparecer.

Essa mudança nas taxas costuma ser mais rápida em linhas de crédito menos arriscadas — como em empréstimos com garantia, por exemplo. Mas pode demorar um pouco mais em financiamentos mais arriscados (sem garantia ou em casos de análise de crédito mais complicada) ou em períodos de incerteza econômica.

“Já começamos a ver nos dados de crédito, por exemplo. Os [números] anteriores já trouxeram uma melhora pontual de inadimplência, que pode ser o início de um processo de renegociação de crédito com juros menores”, diz a economista-chefe da B.Side Investimentos, Helena Veronese.

Os dados do sistema financeiro nacional, compilados pelo BC, mostram que as taxas totais de juros aos empréstimos feitos com recursos livres — ou seja, aqueles contratos em que os bancos têm autonomia para emprestar e definir os juros, sem regras definidas pelo governo —já mostraram uma redução:

  • Em janeiro deste ano, essas taxas ficaram em 40,3% ao ano (ou 2,86% ao mês).
  • Em agosto, mês em que o BC começou a cortar a Selic, essa taxa era de 43,5% ao ano (ou 3,1% ao mês).

A redução das taxas e a melhora do cenário de crédito — que também foi impulsionada pelo programa Desenrola Brasil, lançado no ano passado para promover a renegociação de dívidas por parte da população — já refletem em uma inadimplência menor em comparação ao segundo semestre de 2023 e em uma melhora do consumo.

Além disso, alguns setores da economia também já começaram a melhorar suas projeções para este ano, com estimativas de investimentos maiores e crescimento das vendas.

Na construção civil, por exemplo, incorporadoras já preveem um aumento de lançamentos para este ano, enquanto o segmento automobilístico também tem estimativa de um maior número de vendas.

No varejo, a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) projeta um crescimento de 1,6% das vendas do setor em 2024. Já a Confederação Nacional da Indústria (CNI) prevê altas de 0,3% na indústria de transformação e de 0,7% na de construção.

Segundo Veronese, da B.Side, esse cenário também estimula a contratação de mão de obra e a melhora do mercado de trabalho.

"Quando a gente pensa nesse cenário, a tendência é que a taxa de desemprego diminua e até haja uma melhora na renda, já que o trabalhador passa a ter mais poder de barganha nos salários", diz.

Por que a queda de juros estimula a economia?

O aumento do consumo por parte das famílias e o maior apetite das empresas por investimentos são uma boa receita para estimular a economia.

“Quando a Selic começa a ficar em patamares menores, a gente começa a ver os custos diminuindo e, com isso, as companhias têm mais dinheiro para investir e contratar”, explica Veronese.

De um ponto de vista macroeconômico, forma-se um círculo virtuoso: mais investimento das empresas costuma gerar mais empregos. O emprego em alta coloca mais renda na mão da população e aumenta a confiança. Tudo isso aquece a atividade econômica.

Outro ponto: juros menores também favorecem os cofres do governo. “Quando falamos de contas públicas, uma parcela relevante da dívida pública é pós-fixada e indexada à Selic. Então na medida que os juros vão diminuindo, o gasto com os encargos da dívida pública também diminui”, explica o estrategista-chefe da Warren.

Na prática, isso pode ajudar a reequilibrar as contas públicas, tornando o Brasil mais atrativo para investidores estrangeiros e atraindo mais recursos para dentro do país — o que também beneficia a atividade brasileira.

Com o início dos efeitos da redução de juros despontando na economia, o Boletim Focus (relatório do Banco Central que reúne as projeções de economistas do mercado financeiro para os principais indicadores do país) também tem melhorado suas previsões.

No último relatório, divulgado na terça-feira (19), a estimativa dos economistas estava em um crescimento de 1,8% do Produto Interno Bruto (PIB) para 2024. Em agosto, a previsão era de um crescimento de 1,3%.

Em 2023, por exemplo, o PIB do país subiu 2,9%, bem próximo do avanço observado no ano anterior, quando teve alta de 3%. Mas grande parte do crescimento da atividade brasileira registrado nos últimos anos ainda reflete os estímulos fiscais dados à economia.

Em 2022, por exemplo, essa política fiscal ajudou a promover o "efeito reabertura" após as restrições da pandemia de Covid-19, trazendo um "boom" da atividade de bares, restaurantes, salões de beleza e outras atividades. O reajuste do (então chamado) Auxílio Brasil e a desoneração de combustíveis foram dois exemplos de incentivo ao consumo.

Já em 2023, mais uma série de iniciativas do governo também ajudaram a estimular o consumo e podem ter "maquiado" o avanço da atividade, tais como:

  • o Desenrola Brasil, que ajudou a promover o consumo pela renegociação de dívidas da população;
  • o lançamento um programa para baratear carros populares, que estimulou a venda de veículos;
  • as mudanças no programa do Minha Casa, Minha Vida (MCMV), que trouxeram um subsídio maior, juros mais baixos e um aumento no valor máximo do imóvel que pode ser comprado;
  • a mudança das regras para o pagamento do Bolsa Família, entre outros.

O fim de parte desses estímulos — e a mera incorporação dos demais ao dia a dia — ajuda a explicar a desaceleração projetada para a economia brasileira neste ano. Mesmo com a continuidade da queda de juros por parte do BC, a lentidão pode gerar ajustes até mesmo no mercado de trabalho brasileiro.

Como a queda de juros também se reflete nos investimentos?
Há ainda um efeito da queda de juros no mercado de capitais. Segundo Goldenstein, da Warren, uma Selic mais baixa tende, ao longo do tempo, a estimular a migração de investimentos em renda fixa para a renda variável.

“Vamos pensar que em um cenário de Selic muito elevada, como estava, em 13,75% ao ano, não é muito racional o investidor querer tomar risco”, explica.

Isso acontece porque, em um cenário de juros altos, é mais vantajoso para o investidor alocar seus recursos em ativos mais seguros e que prometem rendimentos maiores – como um título do Tesouro Direto, por exemplo –, do que colocar seu dinheiro em ativos mais arriscados, caso da bolsa de valores.

“Então na medida em que [a Selic] sai do patamar muito exagerado e vai caminhando rumo aos 9% ao ano, [os ativos de renda fixa tendem a perder um pouco da atratividade e] uma parcela dos recursos começa a ser direcionada para ativos de mais risco”, acrescenta Goldenstein, reforçando que a bolsa de valores brasileira também deve se beneficiar da queda dos juros ao longo do tempo.

Em 2023, já com um cenário de melhora no radar, o Ibovespa — principal índice acionário da bolsa brasileira (B3) — registrou um avanço de mais de 22%, melhor resultado desde 2019. Neste ano, a queda acumulada é de 4,80%, um ajuste já pensando na possível desaceleração da economia.

A valorização dos ativos de risco também acaba sendo benéfica para a economia. Isso porque com mais recursos alocados nesses ativos pelos poupadores e investidores institucionais, as empresas listadas conseguem ampliar seus horizontes de captação de dinheiro, sem depender de empréstimos.

A política monetária do Banco Central passará a ser expansionista em algum momento?

Para começar essa discussão é preciso, primeiro, explicar o que é o juro neutro e qual a sua relação com uma política monetária contracionista ou expansionista. Entenda abaixo:

Juro neutro
A taxa de juros neutra é aquela que não estimula e nem freia a economia. Atualmente, a taxa neutra calculada pelo Banco Central está em torno de 4,5%, sem considerar a inflação.

Política monetária contracionista
Na política monetária contracionista, o BC sobe a Selic acima da taxa de juro neutra como forma de desacelerar a economia e, consequentemente, controlar a inflação.

Isso acontece porque, com juros mais altos, o acesso ao crédito fica mais restrito e há uma queda no consumo e nos investimentos – o que, por sua vez, gera uma redução de circulação da moeda na economia e uma queda nos preços.

Política monetária expansionista
Nesse caso, o BC diminui a taxa básica de juros abaixo do patamar neutro como forma de aumentar a circulação (e, consequentemente a liquidez) da moeda nacional e aquecer a economia. Isso acontece porque, com juros mais baixos, o acesso ao crédito fica mais fácil e há um aumento no consumo e nos investimentos.

Assim, apesar de o BC já ter dado início ao ciclo de corte de juros no país, a estimativa dos analistas é que a taxa básica ainda fique em patamares contracionistas (acima do juro neutro). Isso significa que mesmo que a queda da Selic estimule a atividade brasileira, esse estímulo ainda tende a ser limitado — bem como os efeitos da queda da taxa básica para a população.

Segundo o último relatório Focus, a projeção é que a Selic encerre este ano em 9%. Para 2025, a estimativa é que a taxa básica fique em 8,50%. “O recado do BC é que a Selic terminal ainda vai ser uma taxa contracionista. Mas o ponto é que vai ser muito menos restritiva do que a atual”, explica Goldenstein.

“Mas acho provável que a gente alcance o patamar neutro ou até mesmo expansionista em algum momento. A atividade tem impressionado para cima e esse momento do governo [com impulsos fiscais] vem contrabalanceando essa taxa mais contracionista”, completa o estrategista-chefe da Warren.

Ele reforça ainda que, considerando a inflação prevista para este ano, de 3,79%, segundo o último Focus, a taxa neutra passaria para um nível próximo a 8,3% – ficando razoavelmente próxima da Selic final projetada para 2024.

Mesmo diante desse cenário, no entanto, os especialistas destacam que as expectativas de inflação continuam desancoradas, e que esse cenário ainda pode interferir nas decisões do BC.

“A principal preocupação é a inflação de serviços, que é a que demora mais mesmo para cair. Isso pode fazer com que o BC não acelere o ritmo de cortes”, diz Veronese.

Para Goldenstein, essa é a maior dificuldade que a instituição tem atualmente, e também pode ser algo que impeça a Selic de chegar no patamar neutro de juros no fim do ciclo de quedas.

“Agora, a dúvida que fica é sobre como o Copom [Comitê de Política Monetária] vai se comportar agora, com a sua mudança de diretoria. Mas essa é uma discussão que deve ficar maior quando a Selic chegar a um dígito”, completa.

g1
Portal Santo André em Foco

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