As ações da Americanas despencaram na bolsa nesta quinta-feira (12) depois que a empresa publicou comunicado em que diz que foram identificadas “inconsistências em lançamentos contábeis” no balanço, em valor que chega a R$ 20 bilhões.
Em outras palavras, a Americanas percebeu que o valor bilionário — que é referente aos primeiros nove meses de 2022 e anos anteriores — não havia sido registrado de forma apropriada nos balanços corporativos da empresa.
As ações da Americanas (AMER3) negociaram em leilão até 13h45 de hoje. O leilão é um "mecanismo de defesa" que interrompe as negociações comuns para tranquilizar momentos de variação bruta de papéis na bolsa. Depois, as negociações foram suspensas para a divulgação de um novo fato relevante da companhia — um procedimento padrão da B3.
Por volta de 14h05, as ações voltaram a ser negociadas, mas foram colocadas em leilão novamente. Ainda assim, a queda por volta das 15h era de quase 80%.
Nesta reportagem, você vai entender:
O que aconteceu?
O fato relevante com a notícia do rombo foi divulgado na noite de quarta-feira (11), que informou ainda que o presidente da companhia, Sergio Rial, deixou o cargo apenas 10 dias depois de assumir. O diretor financeiro da empresa, André Covre, também renunciou — ele havia tomado posse junto a Rial.
Os nomes dos dois executivos foram muito bem recebidos pelo mercado. Na época do anúncio, as ações da Americanas chegaram a subir mais de 20%. Apesar de ter deixado a empresa, Rial disse que a operação é "absolutamente viável".
Como consequência da revelação na noite de ontem, os investidores amanheceram em polvorosa. As principais instituições financeiras colocaram as ações da Americanas sob revisão e a B3, bolsa de valores de São Paulo, colocou os papéis ordinários da empresa em leilão.
O documento divulgado pela companhia não traz muitos detalhes sobre o que de fato foi encontrado nas contas, mas esclarece que a área contábil detectou "a existência de operações de financiamento de compras em valores da mesma ordem (R$ 20 bilhões), nas quais a companhia é devedora perante instituições financeiras e que não se encontram adequadamente refletidas na conta de fornecedores nas demonstrações financeiras".
O rombo foi detectado na área de fornecedores da companhia, que, segundo especialistas do mercado, é uma das áreas em que mais problemas desse tipo podem ser identificados, já que contratos de determinados fornecedores podem ser favorecidos de forma a beneficiar outras partes.
Para se ter uma ideia, um levantamento de Einar Rivero, da TradeMap, mostra que o volume do rombo de R$ 20 bilhões é equivalente ao valor de mercado da Magazine Luiza, que até o fechamento do pregão desta quarta valia R$ 20,20 bilhões, e da Lojas Renner, de R$ 20,22 bilhões.
Sérgio Rial fez uma conferência na manhã desta quinta para esclarecer alguns pontos. "A primeira grande conclusão é que não estamos falando de um número que está fora do balanço. Só que ele não está registrado apropriado ao longo dos últimos anos", disse.
"A empresa segue vendendo, ela é absolutamente viável. Tem um nível de dívida incompatível para que possa prosseguir, portanto a capitalização tem que ocorrer. E os acionistas de referência permanecem comprometidos com o futuro da companhia", afirmou.
Qual o impacto na empresa?
A Americanas disse que ainda não é possível determinar todos os impactos do rombo na demonstração de resultado e no balanço patrimonial da companhia. Em contrapartida, a empresa afirmou estimar que "o efeito caixa dessas inconsistências seja imaterial". Assim, o rombo teria apenas um efeito contábil, e não financeiro — o que levaria a uma saída do dinheiro do caixa da companhia.
O que diz o mercado financeiro?
Mesmo com as informações preliminares, as corretoras e casas de análise começam a mudar as recomendações sobre as ações da companhia.
Em um relatório, a Genial Investimentos passou de recomendação de compra para venda e reduziu o preço-alvo de AMER3 de R$ 28,40 para R$ 9,40.
“A primeira impressão é a pior possível, tanto na questão de governança corporativa, quanto na contábil”, diz.
“A companhia realizava operações chamadas de Risco Sacado, onde repassa a responsabilidade do pagamento a fornecedores para instituições financeiras e que, por sua vez, reduziria a conta de Fornecedores no passivo, que teve seu valor declarado no balanço do 3T22 em R$5 bilhões”, analisa a Genial.
Para a corretora, a empresa deveria redirecionar esse valor na conta de empréstimos e financiamentos, uma vez que as financiadoras e os bancos cobram juros pelo dinheiro emprestado e, por isso, o valor do “rombo” pode ser maior do que o anunciado. “Não sabemos, até o momento, o quanto dos R$ 20b de fato estão fora do balanço e qual o % desse valor estará sujeito a reclassificação de contas”, pondera.
De acordo com relatório da XP Investimentos, em equipe liderada pela Head de Varejo Daniella Eiger, apesar do fato relevante dizer que o efeito caixa é imaterial, a falta de detalhes sobre os fatos adiciona muita incerteza aos ativos e ao futuro da companhia. A XP coloca a recomendação em Americanas sob revisão e enxerga três principais riscos:
Tudo isso, entretanto, ainda pode ser revisto — para melhor ou para pior —, a depender da apuração realizada pela consultoria independente contratada pela Americanas para verificar os fatos, tendo em vista que, até o momento, não há muita clareza sobre o que aconteceu.
Analistas do Itaú BBA compartilham da mesma visão e, assim como a XP e outras instituições, colocar as ações da Americanas sob revisão até que os fatos sejam esclarecidos.
Por que Sérgio Rial é importante?
Para além da insegurança com a notícia sobre o rombo bilionário, o mercado se mostra bastante descontente com a saída de Sérgio Rial, um executivo com boa fama entre investidores e especialistas.
Rial é um banqueiro e economista que já trabalhou com diversas instituições financeiras e foi presidente do Santander Brasil de 2016 a 2022, tendo sido escolhido pessoalmente pela herdeira do banco, Ana Patrícia Botín.
Sob sua gestão, o Santander Brasil se tornou a operação mais rentável de todo o grupo espanhol, além dos resultados do banco ter se destacado em relação aos outros bancos brasileiros por diversos trimestres com Rial à frente.
"Em nossa visão, o executivo era um pilar importante para sustentar o processo de transformação da companhia, devido a seu histórico de execução, gestão focada na redução de custos e credibilidade com o mercado. Sua saída pode ser vista pelos investidores como um alerta de mais riscos à frente", comenta a XP.
Rial foi escolhido para o comando da Americanas em um momento bastante complicado para todo o setor de varejo no Brasil.
Por que há crise no varejo?
Em um período de inflação elevada e acima da meta do Banco Central (BC), o poder de compra da população é comprometido. Simultaneamente, para frear a pressão inflacionária, a medida do BC é elevar a Selic, taxa básica de juros, que hoje está em 13,75% ao ano.
Juros mais altos encarecem os processos de tomada de crédito e financiamento, impactando a força do consumo doméstico. Por serem empresas que dependem, sobretudo, do consumo doméstico, as varejistas enfrentam dificuldades em momentos de situação macroeconômica apertada.
A questão que fica — e que os especialistas estão tentando entender — é se as inconsistências na companhia vão refletir em todo o setor de varejo. No curtíssimo prazo, a resposta é sim: mesmo que o rombo seja nas contas da Americanas, outras importantes varejistas como Magazine Luiza e Via vivem um dia de forte desvalorização na bolsa, com suas ações despencando cerca de 10%.
g1
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