O auxílio emergencial e o aumento do desemprego, devido à pandemia de covid-19, alterou o perfil do rendimento das famílias, de 2019 para 2020. Nesse período, caiu o rendimento de trabalho e aumentou a renda vinda de outras fontes (transferências de renda), como o auxílio emergencial. É o que mostra a Pnad Contínua 2020: Rendimento de todas as fontes, divulgada hoje (19) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O total de pessoas com rendimento de trabalho recuou de 92,8 milhões para 84,7 milhões, representando redução de 44,3% para 40,1% da população. Já o número de pessoas que recebiam outros rendimentos subiu de 16,4 milhões, em 2019, para 30,2 milhões, em 2020. Ou seja, saiu de 7,8% para 14,3% da população.
Conforme esta edição da Pnad Contínua, pela primeira vez, desde 2012, quando começa a série histórica, o grupo dos outros rendimentos foi maior que o das pessoas que recebiam aposentadoria e pensão (26,2 milhões ou 12,4%). Também pela primeira vez em toda a série, o Nordeste foi a primeira grande região do país a registrar um percentual de pessoas com rendimento de trabalho (32,3%) menor que a quantidade de quem recebia rendimento de outras fontes (32,8%).
A analista da pesquisa, Alessandra Scalioni Brito, lembrou que, com a necessidade de adoção de medidas de isolamento social, houve perda de empregos principalmente nos setores de serviços e comércio. “O pessoal mais informal em geral, nesses setores atingidos também foram, proporcionalmente, os mais afetados do que o funcionário público. Com menos gente tendo renda do trabalho, que em geral é a principal fonte de renda das famílias, foi necessário um auxílio emergencial e esse programa social acabou sendo um colchão para a situação não ser tão grave”, afirmou.
Rendimentos
A participação de outros rendimentos na composição do rendimento domiciliar per capita no Brasil subiu de 3,4% em 2019 para 7,2% em 2020. Em movimento contrário, o peso do rendimento do trabalho recuou de 74,4% para 72,8%.
No período, também tiveram queda os rendimentos de aposentadoria ou pensão (de 18,7% para 17,6%), de aluguel e arrendamento (de 2,4% para 1,5%) e de pensão alimentícia, doação ou mesada (de 1,2% para 0,8%).
A pesquisa apontou que de 2019 para 2020, o rendimento médio real de todas as fontes apresentou queda de 3,4%. Com isso, mudou de R$ 2.292, em 2019, para R$ 2.213, em 2020. O Sudeste registrou o maior valor (R$ 2.575). Embora tenha sido a única região a não apresentar queda no valor, o Nordeste foi o menor (R$ 1.554).
O rendimento de outras fontes chegou ao menor valor (R$ 1.295) desde 2012, com a queda de 15,4%, movimento que foi notado em todas as grandes regiões, principalmente, nas Sudeste, Sul e Centro-Oeste, onde as perdas foram de 19,6%, 13,2% e 21%, respectivamente.
Mesmo com o recuo recorde de 5,1%, o item aposentadoria ou pensão se manteve com a maior média em 2020 (R$ 1.919), entre as categorias que compõem o rendimento de outras fontes. O rendimento proveniente de aposentadoria ou pensão registrou diferenças regionais relevantes. Enquanto nas regiões Norte e Centro-Oeste, a participação ficou em 12,7% e 14,8%, respectivamente, na Nordeste alcançou 21%, na Sul,17,9%, e na Sudeste 17,4%. Para a analista, a queda nesses rendimentos pode refletir duas situações. “Podem ser vários fatores. Pode ter efeito da mortalidade da covid-19 e também do represamento do INSS em liberar os benefícios porque o serviço estava fechado e o pessoal não conseguiu fazer perícia. Pode ter a dificuldade das pessoas acessarem o benefício pelo represamento”, contou Alessandra.
“Como foi na passagem de 2019 para 2020, fatores novos que a gente teve foram os associados à pandemia. Seja a doença em si e questões operacionais de pessoas nessa faixa etária, que seriam elegíveis a entrar com pedido de aposentadorias, podem ter tido que adiar em função da fila na Previdência Social. A gente tem essa questão como possibilidade. Não tem como afirmar efetivamente o que contribuiu mais ou menos”, completou a analista da pesquisa, Adriana Beringuy.
A maior expansão anual ocorreu no valor dos outros rendimentos (R$ 678), que aumentou 12,3% em relação a 2019. No entanto, frente a 2012, a estimativa ficou praticamente estável. “É a única rubrica que teve crescimento em relação a 2019, com crescimento de 12,3%. É a maior expansão anual neste indicador, que é muito explicado pelo pagamento do auxílio emergencial que entra nesta rubrica de outros rendimentos, na parte de outros programas sociais”, disse Alessandra.
Já o rendimento médio mensal real, que habitualmente é recebido de todos os trabalhos, subiu 3,4% de 2019 para 2020 e alcançou R$ 2.447, o maior valor da série. A explicação é a saída de 8,1 milhões de pessoas da população ocupada, no período, que contribuiu para a elevação dessa média.
O mesmo não foi visto no rendimento médio mensal real domiciliar per capita, que teve retração de 4,3% em 2020, atingindo R$1.349. Enquanto isso, o rendimento per capita nos domicílios que recebiam outros programas sociais apresentou elevação de 12,2% entre 2019 e 2020, saindo de R$ 688 para R$ 772. Para Alessandra Scalioni Brito, a concessão do auxílio compensou em parte a perda de rendimentos pelo trabalho.
“Nas regiões que têm um peso maior do auxílio, que foram Norte e Nordeste, meio que compensou a perda do emprego, porque tem também uma mudança do programa social com um valor maior. Já nas outras regiões, essa renda domiciliar também tem outros fatores. Têm aposentadorias e pensões, aluguel”, apontou, destacando que apesar de ter atenuado o impacto, o auxílio não foi pensado para suprir toda a queda que teve as outras fontes de renda no mercado de trabalho.
Desigualdade
As pessoas que tinham rendimento médio domiciliar per capita de R$ 15.816 (representam 1% da população), em 2020, ganhavam 34,9 vezes o rendimento dos 50% com os menores rendimentos (média de R$ 453). Em 2019, a relação chegou a 40 vezes, o maior valor da série.
“A região Nordeste continua sendo a mais desigual, ainda que tenha se reduzido em 2019 eram 45 e agora caiu para 38,2 vezes”, indicou Alessandra.
Índice de Gini
A Pnad Contínua mostrou também que o índice de Gini do rendimento médio domiciliar per capita saiu de 0,544 em 2019, para 0,524 em 2020. O índice de Gini mede a desigualdade social. É uma medida de concentração de renda, que vai de zero a um. Quanto mais perto de um é mais concentrado e mais próximo de zero, mais igualitária é a distribuição da renda.
Todas as regiões tiveram redução no Gini, entre 2019 e 2020, especialmente no Norte e Nordeste, onde o auxílio emergencial atingiu maior proporção de domicílios. O Nordeste manteve o maior Gini em 2020 (0,526) e o Sul, o menor (0,457).
“Tem que olhar com muita cautela esse aumento do rendimento médio do trabalho e essa redução da desigualdade da renda do trabalho, porque são reflexos de muita gente saindo da ocupação e sobretudo as pessoas piores inseridas, que fazem parte da informalidade”, observou Alessandra Brito.
Agência Brasil
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