Parlamentares constituintes criticaram mudanças feitas no texto constitucional sem que tivesse havido, na opinião deles, o devido debate popular. Também lamentaram o não cumprimento integral da Carta Magna, 35 anos após a sua promulgação. Eles participaram do seminário “Os 35 anos da Constituição de 1988”, realizado pela Câmara dos Deputados nesta quarta-feira (4).
Segunda-secretária da Mesa Diretora da Câmara e coordenadora das Comemorações dos 35 Anos da Constituição, a deputada Maria do Rosário (PT-RS) entregou a participantes da Assembleia Constituinte, presentes no seminário, cópia atualizada do texto constitucional, com as 129 emendas feitas desde 1988. Eles repetiram o gesto do presidente da Assembleia Nacional Constituinte, Ulysses Guimarães, ao promulgar a Constituição, de levantar a Carta Magna com as duas mãos.
“Repetindo as palavras de Ulysses Guimarães: ‘Diante da Constituição, divergir sim, descumprir jamais, afrontá-la nunca”, disse Maria do Rosário. Ela também saudou o legado deixado pelos parlamentares constituintes ao Parlamento e ao povo brasileiro. "A Constituição, de uma forma sistêmica, desde o seu artigo primeiro e nas cláusulas pétreas, conseguiu manter a chama da democracia brasileira no Brasil mesmo nos momentos mais difíceis”.
“Chama o povo”
A deputada constituinte e atual coordenadora da bancada feminina, deputada Benedita da Silva (PT-RJ), chamou a atenção para a atuação do chamado "lobby do batom" em defesa dos direitos das mulheres e das minorias, durante a Assembleia Constituinte. Ela lamentou que o texto constitucional não tenha saído integralmente do papel e deu o exemplo da reforma agrária.
Benedita da Silva apontou mudanças feitas na Carta Magna sem a devida participação popular. “Vou falar da dor sentida ao ver tirarem da Constituição coisas que não deveriam sair e colocarem coisas que não deveriam entrar sem o diálogo de Ulysses Guimarães: 'Chama o povo, vamos conversar com os segmentos, vamos fazer a mudança'. Uma PEC precisa ter o olhar, o sentimento do povo brasileiro, foi assim que Ulysses Guimarães dirigiu essa grande obra que é a Constituição Brasileira", afirmou.
O ex-deputado constituinte José Genoíno lembrou que, na elaboração da Constituição, foram apresentadas 122 emendas populares, com 12 milhões de assinaturas, além de 71 mil sugestões. “Isso é participação popular”, ressaltou. Além disso, foram 65 mil emendas apresentadas por deputados, 182 audiências públicas e 330 sessões plenárias.
Ele ressaltou ainda que, naquele momento, nenhum debate era proibido e não havia inimigos, mas adversários políticos, sendo possível o diálogo entre os parlamentares da esquerda, que era minoritária, os do centro, que eram maioria, e os de extrema direita. Ele considera que “a Constituição foi amputada nas emendas da ordem econômica e da reforma da Previdência e também foi amputada com o golpe de 2016”.
Direitos não concretizados
Autor da emenda do voto aos 16 anos e do artigo determinando a auditoria da dívida pública, nunca colocada em prática, o ex-deputado constituinte Hermes Zaneti destacou que, apesar de a Constituição ter instituído o Sistema Único de Saúde (SUS), por exemplo, isso não foi suficiente para garantir melhor qualidade de vida para a população.
“O que pode explicar que, de 88 até agora, dobramos o número de favelas no Brasil? Temos 30 milhões de pessoas no Brasil que não sabem o que vão almoçar hoje. Temos 70 milhões de inadimplentes”, citou.
Princípios importantes
O ex-senador constituinte José Fogaça lembrou da importância da Carta Magna durante a pandemia de Covid-19, já que os princípios que norteiam o SUS tiveram que ser cumpridos, mesmo contra a vontade de alguns governantes. Ele considera o texto constitucional fundamental para alguns segmentos da população brasileira.
“A Constituição de 88 é a Constituição das crianças, da infância, das cidadãs e dos cidadãos negros, dos indígenas. É o lastro em cima do qual toda a legislação vem sendo desenvolvida e ali está a defesa maior desses setores da vida brasileira", apontou. "Por mais que tentem modificar, terão que voltar à origem básica, basilar, que é o texto da Constituição”, acrescentou.
O ex-deputado constituinte Nelton Friedrich afirmou que a Constituição estabeleceu princípios fundamentais para uma nação – soberania e cidadania – e criticou a revogação, em 1995, do artigo da Constituição que definia empresa brasileira de capital nacional, abrindo caminho para retirar da Petrobras o monopólio de exploração do petróleo no Brasil.
Ele criticou ainda a atitude de alguns parlamentares atuais “ávidos por mudar a Constituição”, passando por cima da vontade de milhões de brasileiros durante a Assembleia Constituinte.
Já a ex-deputada constituinte Raquel Cândido defendeu que a discussão sobre a Constituição de 88 seja permanente e que a Comissão de Defesa da Democracia, criada em junho no Senado, seja integrada também por deputados.
A deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) lembrou que muitos artigos da Constituição ainda não foram regulamentados. E disse que hoje, no Parlamento, muitas vezes adversários políticos são tratados como inimigos a serem eliminados, processo que se estenderia às redes sociais, com a violência política atingindo especialmente as parlamentares mulheres, prejudicando o debate.
Agência Câmara
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