Prestes a deixar o comando do Tribunal Superior Eleitoral, o ministro Luís Roberto Barroso disse, em entrevista ao “Em Foco’’, na GloboNews que o presidente da República “mente” e que ele ficou “espantado” ao ver que Jair Bolsonaro, em live na semana passada, tinha conhecimento de um fato sigiloso: perguntas de um representante militar que integra a comissão de eleições do TSE - e que foram oficiadas ao tribunal- sobre o funcionamento das urnas.
Segundo Barroso, aquelas informações eram sigilosas - e o presidente mentiu ao dizer que as Forças Armadas apontaram vulnerabilidades quando, na verdade, apenas fizeram perguntas.
"Eu fiquei muito espantado de ver numa live do presidente ele divulgando fatos que deveriam ter sido mantidos em reserva, porque essa era a palavra empenhada. Quando o presidente começa a divulgar, ele começa a mentir. Porque, na verdade, só havia perguntas técnicas. Como funciona isso, como funciona aquilo, quantas barreiras? E nós respondemos tudo. As perguntas vieram sob sigilo. A resposta foi sob sigilo. E aqui do TSE não vaza nada. Nós temos palavra”.
Barroso falou também que espera que o Telegram repita no Brasil o que fez na Alemanha, ao banir 60 contas que divulgavam informações falsas. Para o ministro, também cabe ao Congresso definir as regras no projeto de lei das fakenews para evitar que conteúdos fraudulentos atrapalhem as eleições.
“É uma decisão que conviria o Congresso tomar. Porém, nesta e em muitas outras situações, quando o Congresso não atua e surge uma questão perante o poder Judiciário, o poder Judiciário tem que decidir. O que não pode é o Congresso não agir e depois reclamar da judicialização”.
Na entrevista, Barroso falou também da declaração do presidente Bolsonaro de que considera mais importante indicar ministros do STF do que ganhar a eleição para a Presidência, se acredita em golpe nas eleições, caso o presidente saia derrotado e também como vê a intenção do governo Bolsonaro, como revelou o jornal O Globo, de consultar a Rússia sobre cooperação para segurança das urnas.
“Talvez isso fosse mais para um programa humorístico do que para mim (...) Lá, a especialidade é mais ataque do que defesa”, ironizou.
Abaixo, alguns trechos da entrevista que vai ao ar nesta quarta-feira (16) às 23h30, na GloboNews:
Live de Bolsonaro sobre urnas
"Eu fiquei muito espantado de ver numa live do presidente, ele divulgando fatos que deveriam ter sido mantidos em reserva, porque essa era a palavra empenhada. Quando o presidente começa a divulgar, ele começa a mentir. Porque, na verdade, só havia perguntas técnicas. Como funciona isso, como funciona aquilo, quantas barreiras? E nós respondemos tudo. As perguntas vieram sob sigilo. A resposta foi sob sigilo. E aqui do TSE não vaza nada. Nós temos palavra. E, portanto, eu estou surpreso de ver na imprensa as perguntas. E daqui a pouco vão vazar as respostas também. É lamentável. Mas só eram perguntas. Depois, o presidente disse que as Forças Armadas tinham apontado vulnerabilidades. Não apontaram coisa alguma. Nós não tínhamos nem respondido as perguntas. Estavam tentando entender o sistema, de modo que o presidente antecipou a estratégia que ele vai adotar. Ele antes das respostas já disse que tinha vulnerabilidade. A mentira já estava pronta. E é lamentável envolver as Forças Armadas, que são um setor respe
itado da sociedade brasileira, que têm o prestígio que deve ter, e que não devem ser jogadas em discursos políticos menores de varejo e de campanha. E, portanto, nós temos muita convicção que isso não vá acontecer."
Bolsonaro discutir segurança de urnas com Rússia
"Talvez isso fosse mais para programa humorístico do que para mim. Talvez devesse perguntar nos Estados Unidos a participação da Rússia nos ataques às candidaturas usando redes sociais, inclusive objeto de investigação pelo Congresso Nacional de lá. De modo que eu até tenho muito apreço pelo país, povo russo, cultura russa, da música à literatura, mas em termos de proteção, de cibersegurança, a especialidade lá é mais ataque do que defesa".
Telegram banido na Alemanha
"Eles, na Alemanha, não têm vivido os problemas que nós temos vivido, de campanhas de ódio, de desinformação, mentiras deliberadas, teorias conspiratórias e, sobretudo, de ataques às instituições democráticas. A minha geração lutou muito para conquistar a democracia para deixá-la se esvair desta forma por uma plataforma que não deseja cumprir mínimas regras de civilidade".
Judicialização do Telegram
"Desejavelmente, esta é uma decisão que conviria o Congresso tomar. Porém, nesta e em muitas outras situações, quando o Congresso não atua e surge uma questão perante o poder Judiciário, o poder Judiciário tem que decidir. O que não pode é o Congresso não agir e depois reclamar da judicialização. Portanto, eu acho que se não vier do Congresso, vai vir ou do TSE, se houver um pedido adequado neste sentido, ou muito possivelmente do STF, onde esta matéria já comporta discussão inclusive em demandas que já existem."
Golpe na eleição
"O mau perdedor não reconhecer a vitória do vencedor pode ocorrer em qualquer parte do mundo, como aliás, ocorreu nos EUA, o presidente Trump jamais admitiu a derrota mesmo perdendo por muitos votos de delegados e teve 7 milhões de votos a menos que o presidente Biden. Ele não aceitou a derrota e ficou por isso mesmo, ele continuou não aceitando e o presidente vencedor tomou posse. O mesmo se passará aqui. Não há remédio na farmacologia jurídica contra maus perdedores.
Mas as instituições brasileiras são sólidas e eu acho que o 7 de setembro foi bem o sepultamento do golpe, compareceram menos de 10% do que se esperava, quer dizer a extrema direita radical no Brasil é bem menor do que se alardeava, as policiais militares não aderiram, nenhum oficial da ativa relevante deu qualquer apoio à aquele tipo de manifestação. O presidente compareceu, fez um discurso pavoroso, golpista, de ameaças a pessoas a ofensas. [ Disse] 'não vou cumprir decisão judicial'e, dois dias depois, mudou completamente o discurso, procurou as pessoas que ele tinha ofendido para conversar... De modo que eu acho que ali se relevou que a sociedade brasileira não aceitaria nada diferente.
Mesmo os aliados no Congresso reagiram. A imprensa profissional hoje desempenha um papel extraordinário, a OAB reagiu, o ministro Fux no Supremo com um discurso vigoroso, eu, aqui, no TSE... Ninguém aderiu ao discurso golpista. Simplesmente não há clima na sociedade brasileira.
Eu gostaria de dizer que, nestes 33 anos de Constituição de 1988, as Forças Armadas tiveram um comportamento exemplar de não interferência na política. A democracia tem muitas dificuldades e, por vezes, não é um regime fácil, mas nos cabe defendê-la. Não há como você dar golpe sem apoio de Forças Armadas, e eu duvido que estas pessoas que pagaram um preço caro do período da ditadura militar queiram voltar a um processo como este.
O prestígio que as Forças Armadas desfrutam no Brasil é o prestígio das instituições que se comportam dentro da Constituição e, nas vezes em que o presidente da República tentou jogá-las no varejo da política, elas reagiram. O Ministro da Defesa saiu, os três comandantes das Forças Militares saíram. As pessoas têm dignidade e, portanto, eu não acredito no golpismo, nem que uma instituição importante como as Forças Armadas se coloquem a serviço de um discurso inaceitável de um capitão".
Indicação de ministros do STF
"Essa mentalidade de ter um ministro do Supremo para chamar de seu é um equívoco, por muitas razões. Primeiro que as pessoas que se autovalorizam, que têm dignidade pessoal, vivem para seus currículos, e não dos outros, de modo que a pessoa quando chega ao supremo passa a ter uma vida própria, perspectiva diferente, a institucionalidade que a casa oferece. Não acho que Supremo acerte sempre, não. Eu mesmo já fui crítico de muitas decisões do Supremo. mas nós somos instrumento de defesa da Constituição e da institucionalidade do país. Não somos perfeitos porque humano não é perfeito. De modo que tenho impressão que o presidente se surpreenderá até mesmo com ministros que indicou".
g1
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